A História não os absolverá
Encantaram-se
pelo quê os generais que servem ao presidente Jair Bolsonaro? O único que tem
direito a responder que recebeu uma missão e que se sentiu obrigado a cumpri-la
é Eduardo Pazuello, general da ativa, que trocou o quartel pelo Ministério da
Saúde, e se deu mal. Os demais, da reserva, servem por decisão própria.
Não
vale a desculpa de que aceitaram o convite porque assim prestam mais um serviço
à pátria. Palavras vazias, frase feita, clichê ordinário. Uns servem porque
eram amigos de Bolsonaro e se deixaram seduzir por ele. Outros, para ganhar
mais dinheiro, status, apartamento de graça, despesas pagas e outras sinecuras.
Ah,
a vaidade! Ah, o vil metal que compra tudo. A princípio, é do jogo. C’est
la vie. O mal está na subserviência com que eles se comportam. De homens
formados nas melhores academias das Forças Armadas, esperava-se que soubessem
até que ponto ir, em respeito à farda e ao passado do qual se orgulham.
Normal, definitivamente não foi o presidente da República, em meio de mandato, promover uma reforma ministerial, essa, sim, algo normal, e aproveitar para demitir em conversa de 5 minutos o ministro da Defesa, e, no dia seguinte, mandar demitir sem explicação os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.
O
que o ministro e os três comandantes tinham a ver com os problemas de falta de
sustentação política que tanto fragilizam o presidente? Com as apostas erradas
feitas por ele desde que tomou posse – desprezo pelo meio ambiente, política
externa equivocada, excesso de radicalismo, passe livre para que o vírus mate?
As
atribuições das Forças Armadas estão definidas na Constituição. A elas não cabe
interferir no dia a dia do governo, salvo em momentos excepcionais como uma
pandemia. No caso, por exemplo, o que elas fizeram e estão fazendo comprova sua
eficiência e a capacidade de planejamento dos seus comandantes.
Enquanto
os civis à frente do governo, incitados pelo presidente da República, tomaram
partido do vírus porque adversários políticos resolveram combatê-lo, os
militares cumpriram à risca todas as recomendações da Organização Mundial da
Saúde. É um case de sucesso. A mortalidade entre eles é muito menor.
O
general Edson Leal Pujol, o comandante do Exército ontem demitido, começou a
cair em desgraça aos olhos de Bolsonaro justamente por tê-lo cumprimentado uma
vez encostando seu cotovelo no dele, gesto prescrito por autoridades médicas.
Bolsonaro jamais o perdoou por isso, mas não o demitiu por isso.
Bolsonaro
quer um ministro da Defesa e comandantes das três Armas alinhados com seus
objetivos políticos, e dóceis às suas ordens – para o quê, sabe-se. No mínimo,
para que o ajudem a se reeleger de qualquer modo, por cima de pau e pedra, se
necessário. No limite, para implantar um regime autoritário no país.
Os
generais Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Braga
Neto, da Defesa, Luiz Eduardo Ramos, da Casa Civil, estão carecas de saber
disso. São homens experientes e relativamente cultos. Não se deixariam enganar.
Se não abrem mão dos seus postos é porque concordam com o chefe.
Heleno
parece ter mergulhado há meses, ou para sobreviver, ou por discordar de umas
tantas coisas que testemunha. Ramos, depois de operar a rendição de Bolsonaro
ao Centrão, foi deslocado a contragosto para a Casa Civil. Lá, o trabalho é
duro e chato. Braga Neto aceitou a tarefa de decepar a cabeça de velhos
colegas.
O
ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, deve estar pasmo com
a pusilanimidade dessa turma que já foi a sua. Como ela se presta a tal papel?
Como não reage à agressão sofrida pela instituição que diz tanto prezar? Por
que se humilha diante de um ex-capitão rejeitado pelo Exército por conduta
antiética?
Ao
fim e ao cabo, o ex-capitão, presidente acidental, voltará à sua
insignificância de onde não deveria ter saído. Não passará de uma trágica
lembrança. Duro será suportá-lo pelos próximos 550 dias, caso seja derrotado no
primeiro turno da eleição de 2022. Ou 578, se a agonia se estender até o
segundo turno.
Confrontado, Bolsonaro costuma falar fino
Ato
truculento abre feridas difíceis de cicatrizar
Bolsonaro
quis mostrar-se forte aos olhos dos seus devotos com o ato de demitir a cúpula
das Forças Armadas. Foi também para esconder que, alugado pelo Centrão, liberou
bilhões de reais para obras em redutos eleitorais de deputados e senadores,
cedendo-lhes outro ministério com direito a assento no Palácio do Planalto.
Para isso valeu-se de um ardil – a demissão fake dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Uma vez que o general Fernando de Azevedo e Silva fora demitido de forma humilhante durante uma conversa de cinco minutos, os três comandantes haviam combinado sair solidários com ele.
O
general Edson Leal Pujol, do Exército, sabia que o próximo alvo seria ele. O
almirante Ilques Barbosa e o brigadeiro Antônio Carlos Bermudez não ficariam
nos postos se Pujol fosse removido. Como a informação vazou na noite da
segunda-feira, Bolsonaro orientou Braga Neto, ministro da Defesa, a anunciar a
saída dos três.
O
presidente não contava com a reação de tantas vozes, civis e militares, de
repúdio à sua atitude. A reprovação foi generalizada. Uma única voz de peso não
se fez ouvir em sua defesa. Que ninguém se espante se, hoje ou amanhã na sua
live semanal no Facebook, ele fale fino como costuma fazer quando confrontado.
Bolsonaro está em guerra – mas não contra o vírus. Contra seus próprios demônios.
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