quarta-feira, 31 de março de 2021

Ricardo Noblat - O triste papel dos generais que se renderam ao ex-capitão

- Blog do Noblat / Veja

A História não os absolverá

Encantaram-se pelo quê os generais que servem ao presidente Jair Bolsonaro? O único que tem direito a responder que recebeu uma missão e que se sentiu obrigado a cumpri-la é Eduardo Pazuello, general da ativa, que trocou o quartel pelo Ministério da Saúde, e se deu mal. Os demais, da reserva, servem por decisão própria.

Não vale a desculpa de que aceitaram o convite porque assim prestam mais um serviço à pátria. Palavras vazias, frase feita, clichê ordinário. Uns servem porque eram amigos de Bolsonaro e se deixaram seduzir por ele. Outros, para ganhar mais dinheiro, status, apartamento de graça, despesas pagas e outras sinecuras.

Ah, a vaidade! Ah, o vil metal que compra tudo. A princípio, é do jogo. C’est la vie. O mal está na subserviência com que eles se comportam. De homens formados nas melhores academias das Forças Armadas, esperava-se que soubessem até que ponto ir, em respeito à farda e ao passado do qual se orgulham.

Normal, definitivamente não foi o presidente da República, em meio de mandato, promover uma reforma ministerial, essa, sim, algo normal, e aproveitar para demitir em conversa de 5 minutos o ministro da Defesa, e, no dia seguinte, mandar demitir sem explicação os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

O que o ministro e os três comandantes tinham a ver com os problemas de falta de sustentação política que tanto fragilizam o presidente? Com as apostas erradas feitas por ele desde que tomou posse – desprezo pelo meio ambiente, política externa equivocada, excesso de radicalismo, passe livre para que o vírus mate?

As atribuições das Forças Armadas estão definidas na Constituição. A elas não cabe interferir no dia a dia do governo, salvo em momentos excepcionais como uma pandemia. No caso, por exemplo, o que elas fizeram e estão fazendo comprova sua eficiência e a capacidade de planejamento dos seus comandantes.

Enquanto os civis à frente do governo, incitados pelo presidente da República, tomaram partido do vírus porque adversários políticos resolveram combatê-lo, os militares cumpriram à risca todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde. É um case de sucesso. A mortalidade entre eles é muito menor.

O general Edson Leal Pujol, o comandante do Exército ontem demitido, começou a cair em desgraça aos olhos de Bolsonaro justamente por tê-lo cumprimentado uma vez encostando seu cotovelo no dele, gesto prescrito por autoridades médicas. Bolsonaro jamais o perdoou por isso, mas não o demitiu por isso.

Bolsonaro quer um ministro da Defesa e comandantes das três Armas alinhados com seus objetivos políticos, e dóceis às suas ordens – para o quê, sabe-se. No mínimo, para que o ajudem a se reeleger de qualquer modo, por cima de pau e pedra, se necessário. No limite, para implantar um regime autoritário no país.

Os generais Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Braga Neto, da Defesa, Luiz Eduardo Ramos, da Casa Civil, estão carecas de saber disso. São homens experientes e relativamente cultos. Não se deixariam enganar. Se não abrem mão dos seus postos é porque concordam com o chefe.

Heleno parece ter mergulhado há meses, ou para sobreviver, ou por discordar de umas tantas coisas que testemunha. Ramos, depois de operar a rendição de Bolsonaro ao Centrão, foi deslocado a contragosto para a Casa Civil. Lá, o trabalho é duro e chato. Braga Neto aceitou a tarefa de decepar a cabeça de velhos colegas.

O ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, deve estar pasmo com a pusilanimidade dessa turma que já foi a sua. Como ela se presta a tal papel? Como não reage à agressão sofrida pela instituição que diz tanto prezar? Por que se humilha diante de um ex-capitão rejeitado pelo Exército por conduta antiética?

Ao fim e ao cabo, o ex-capitão, presidente acidental, voltará à sua insignificância de onde não deveria ter saído. Não passará de uma trágica lembrança. Duro será suportá-lo pelos próximos 550 dias, caso seja derrotado no primeiro turno da eleição de 2022. Ou 578, se a agonia se estender até o segundo turno.

Confrontado, Bolsonaro costuma falar fino

Ato truculento abre feridas difíceis de cicatrizar

Bolsonaro quis mostrar-se forte aos olhos dos seus devotos com o ato de demitir a cúpula das Forças Armadas. Foi também para esconder que, alugado pelo Centrão, liberou bilhões de reais para obras em redutos eleitorais de deputados e senadores, cedendo-lhes outro ministério com direito a assento no Palácio do Planalto.

Para isso valeu-se de um ardil – a demissão fake dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Uma vez que o general Fernando de Azevedo e Silva fora demitido de forma humilhante durante uma conversa de cinco minutos, os três comandantes haviam combinado sair solidários com ele.

O general Edson Leal Pujol, do Exército, sabia que o próximo alvo seria ele. O almirante Ilques Barbosa e o brigadeiro Antônio Carlos Bermudez não ficariam nos postos se Pujol fosse removido. Como a informação vazou na noite da segunda-feira, Bolsonaro orientou Braga Neto, ministro da Defesa, a anunciar a saída dos três.

O presidente não contava com a reação de tantas vozes, civis e militares, de repúdio à sua atitude. A reprovação foi generalizada. Uma única voz de peso não se fez ouvir em sua defesa. Que ninguém se espante se, hoje ou amanhã na sua live semanal no Facebook, ele fale fino como costuma fazer quando confrontado.

Bolsonaro está em guerra – mas não contra o vírus. Contra seus próprios demônios.

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