Azevedo e Silva registrou em sua carta de demissão que trabalhou para preservar as Forças Armadas como “instituições de Estado”. É exatamente o que são. E assim devem permanecer, quem quer que sejam os sucessores dos três comandantes. Azevedo e Silva deu um recado claro a seu sucessor, general Walter Braga Netto, e a Bolsonaro: se houver tentativa de uso político das Forças Armadas, haverá obstáculos não só entre militares, mas também no Congresso, no Supremo e nas demais instituições da República. Bolsonaro precisa entender que a condição de “chefe supremo das Forças Armadas” que lhe concede a Constituição não significa que tenha poder absoluto. As três Forças estão sujeitas à Carta. Não são um Poder autônomo, nem um guardião à margem do Estado de direito. Não podem atentar contra a Carta sem pagar um preço.
Capitão
expulso do Exército por indisciplina, Bolsonaro dedicou sua vida política a
atrair apoio entre militares de baixa patente e policiais. Eleito presidente,
aumentou as ambições. Inspirado talvez no caudilho venezuelano Hugo Chávez,
parece almejar uma mistura de governo e Forças Armadas no poder. É a receita da
tragédia. O modelo chavista destruiu a Venezuela. É preciso que os militares
brasileiros não se curvem à pressão do presidente para convertê-los em braço
armado a serviço de um grupo político, no pior estilo da velha América Latina.
Ao
criticar medidas de governadores e prefeitos para deter o novo coronavírus,
Bolsonaro afirmou que “meu Exército” não aceitaria lockdown, que comparou
equivocadamente a “estado de sítio”. Ora, o Exército não tem dono. Insinuar a
intenção de propor ao Congresso um período de supressão de direitos
aproveitando a pandemia é simplesmente inadmissível.
Os
dois anos de governo Bolsonaro se contrapõem a mais de três décadas de poder
civil, o mais longo período da República sem ruptura institucional. Um dos
motivos para isso foi a reflexão interna que as próprias Forças Armadas
promoveram depois dos 21 anos de ditadura. Os militares entenderam seu papel
institucional e, acertadamente, se distanciaram da política. Não é crível que
aceitem agora conspurcar a farda se convertendo em instrumento do bolsonarismo.
Os tempos em que os quartéis faziam parte do jogo político fizeram mal à
política e aos militares.
Bolsonaro se caracteriza pelo desassombro e pelo desrespeito a limites. Tornou o Brasil pária mundial pela atuação no meio ambiente, no combate à Covid-19 e noutras áreas. Para o próprio bem, os militares não devem compactuar com os devaneios de um impensável retrocesso democrático.
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