O
senador Tasso Jereissati foi enfático: 'É preciso parar esse cara'. Veterano,
ele expressou sua estupefação com o comportamento do presidente
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) foi enfático: “É preciso parar esse cara”, disse, em entrevista ao Estado, referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro.
Político
veterano, desses que já viram quase tudo na vida pública, Tasso Jereissati
expressou sua estupefação com o comportamento do presidente, a quem
infelizmente coube administrar o País em meio a uma das mais graves crises da
história.
Bolsonaro
não se limita a ser irresponsável ou omisso. Tornou-se nocivo, ao atrapalhar
deliberadamente os esforços de profissionais de saúde e de autoridades públicas
empenhados em conter o avanço da pandemia de covid-19.
Em
meio ao recrudescimento da doença, enquanto governadores e prefeitos enfrentam
o desgaste de decretar medidas drásticas para tentar frear o coronavírus e os
médicos, em razão da falta de leitos de UTI, são obrigados a escolher quem vai
viver e quem vai morrer, o presidente promove aglomerações, desestimula o uso
de máscaras, desmoraliza vacinas e atiça a população contra as autoridades que,
ao contrário dele, fazem o que precisa ser feito.
A
mais recente agressão ocorreu no dia 26 passado, quando Bolsonaro chamou de
“politicalha” as medidas restritivas adotadas contra a covid-19 e disse que
“daqui para frente o governador que fechar seu Estado, o governador que destrói
emprego, ele é que deve bancar o auxílio emergencial”.
A respeito do iminente colapso do sistema de saúde, o presidente disse que “a Saúde no Brasil sempre teve seus problemas” e que “a falta de UTIs era um deles”, como se a atual crise fosse fruto não de sua inépcia, mas do passivo de outros governos. Para completar, ante a informação de que seu governo reduziu drasticamente o financiamento de leitos de UTIs em plena pandemia, Bolsonaro apresentou dados distorcidos sobre repasses de verbas da União aos Estados para insinuar que dinheiro havia, mas não foi usado como deveria.
Para
resumir: sem competência para providenciar vacinas, organizar o atendimento aos
doentes e articular a renovação do necessário auxílio emergencial, e diante das
perspectivas sombrias da economia, Bolsonaro manda às favas os princípios
federativos e faz o que sabe melhor: foge da responsabilidade.
Incapaz
de manifestar empatia em relação aos brasileiros que sofrem os efeitos da
pandemia e de seu desgoverno, Bolsonaro só demonstra dedicação genuína quando o
que está em jogo são seus interesses eleitorais. Ao longo de um ano de
pandemia, o presidente gastou seu precioso tempo fazendo comícios em
inauguração de obras desimportantes, mas não foi a nenhum hospital para prestar
solidariedade a médicos e doentes e mal lhes dirige a palavra quando se
pronuncia sobre a crise.
Já
seria grave se fosse apenas indiferença, mas Bolsonaro parece na verdade
considerar como inimigos todos os conterrâneos que não lhe devotam religiosa
lealdade, pois só isso explica por que o presidente tanto se empenha em
aumentar-lhes o padecimento.
É
por isso que, como alertou o senador Tasso Jereissati, urge interromper essa
marcha de insensatez, pois disso dependem incontáveis vidas. O melhor caminho
para “parar essa insanidade”, disse o parlamentar, é a instalação de uma CPI –
cujo pedido repousa na mesa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Motivos
não faltam, e Tasso Jereissati os enumerou: “Primeiro, há crime contra a saúde
pública, isso é claro. Segundo, há crime contra a Federação, porque está
conclamando a população a fazer o contrário do decreto de um governador e ainda
ameaçando governadores que fizerem isso”.
Diferentemente
do que sustentam os governistas, para quem uma CPI neste momento seria indesejável
ante a emergência da pandemia, o senador entende que a hora é agora, pois, a
continuar nessa toada, sem que se responsabilize ninguém pela criminosa
condução da crise, há uma “possibilidade enorme de termos um caos no Brasil
inteiro”. O objetivo da CPI, disse Tasso Jereissati, “não é criar crise”, mas
“mostrar que o presidente não pode fazer e dizer o que quer, que haverá
consequências e que ele será responsabilizado”. É o que o Brasil civilizado
ansiosamente aguarda.
Dias difíceis virão – Opinião / O Estado de S. Paulo
As
autoridades devem ter coragem para fazer o que tem de ser feito para o controle
da covid
A Nação terá semanas muito duras pela frente, talvez as mais difíceis em muitos anos. Uma combinação de fatores tende a agravar ainda mais a situação epidemiológica do País, que já é dramática. Sistemas de saúde das redes pública e privada que ainda não entraram em colapso estão na iminência de colapsar.
Seis
especialistas ouvidos pelo Estado – Gonzalo Vecina Neto, Renato
Kfouri, Miguel Nicolelis, Roberto Kraenkel, Márcio Bittencourt e Mellanie
Fontes-Dutra – foram unânimes na defesa de um “lockdown de verdade”, ainda que
com variações de cidade para cidade, a fim de conter a disseminação desenfreada
do novo coronavírus e o esgotamento da capacidade de atendimento dos hospitais.
À rede de TV CNN, a infectologista Thaís Guimarães, do Hospital das Clínicas de
São Paulo, prevê um “cenário de guerra” nos próximos dias, com pessoas morrendo
por covid-19 dentro de suas casas ou na entrada de hospitais superlotados.
Estes
alertas não devem ser tomados como mau augúrio por cidadãos e tampouco por
governantes. Se houve quem mais acertou do que errou em seus prognósticos desde
que a pandemia se instalou no País, foram os médicos e cientistas.
A
cepa P.1, como foi denominada a variante do novo coronavírus detectada
primeiramente em Manaus (AM), circula sem qualquer tipo de controle no País.
Pesquisadores da Fiocruz descobriram que esta variante aumenta a carga viral em
dez vezes e é duas vezes mais contagiosa. Junte-se a isto a baixa adesão ao
isolamento social em muitas cidades, a falta de vacinas na quantidade que o
País precisa e ninguém menos do que o presidente da República exortando a
população a boicotar as únicas medidas sanitárias aptas a conter o espalhamento
do vírus e está formada a tempestade que ora paira sobre o País.
A
hora é de união nacional para salvar vidas. O horror de hoje e dos próximos
dias, é importante destacar, reflete a inação de governantes e o mau
comportamento de cidadãos de algumas semanas atrás. De uns e de outros,
espera-se mais responsabilidade, coragem e espírito público para que a cada
ciclo de 14 dias não se arme uma bomba viral sempre prestes a explodir e matar.
O País vive uma tragédia sem precedentes. Há mais de um mês, morrem, em média,
1,2 mil pessoas por covid-19 todos os dias. Isto tem de acabar.
Passado
um ano de uma pandemia que já custou a vida de quase 255 mil brasileiros, é
desalentador observar que ainda há quem insista em ignorar as recomendações
básicas das autoridades de saúde. Ou pior, quem insista em afrontá-las e
desqualificá-las, como faz Jair Bolsonaro, dia sim e outro também, em seu
doentio descaso pela vida de seus governados.
É
inacreditável que, diante deste quadro dantesco, o ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello, tenha de ser compelido a agir pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No
sábado passado, a ministra Rosa Weber decidiu em caráter liminar que o
Ministério da Saúde custeie a habilitação de leitos de UTI destinados para
pacientes com covid-19 em São Paulo, Bahia e Maranhão. E isto é o mínimo
necessário para salvar doentes de hoje. Qual o plano do intendente para evitar
mal ainda maior no futuro próximo? Ele não sabe.
O
mais inepto dos ministros da Saúde de que se tem notícia também precisa ser provocado
para agir pelo Congresso. Há poucos dias, vale lembrar, o chefe do Poder
Legislativo, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), teve de assumir o lugar que cabe
a Pazuello na mesa de negociações com dois fabricantes de vacinas, os
laboratórios Pfizer e Janssen. O Brasil, como duramente sabe a Nação, precisa o
quanto antes aumentar a quantidade de vacinas à disposição da população. Hoje
não há doses sequer para garantir a imunização de todos os que fazem parte dos
grupos prioritários.
Sem
vacinas, sem vagas de UTI suficientes para atender à demanda e sem um
presidente da República que aja como tal, cabe a cada um dos cidadãos agir com
responsabilidade. E a cada governador e prefeito, fazer com coragem o que tem
de ser feito.
O bom e o mau dos preços globais – Opinião / O Estado de S. Paulo
Alta
dos preços das matérias-primas traz mais dólares, mas alimenta a inflação
Com vendas de US$ 100,63 bilhões, o agronegócio garantiu quase metade – 43,3% – da exportação nacional nos 12 meses até janeiro. O superávit comercial do setor, de US$ 87,50 bilhões, garantiu o saldo de US$ 51,50 bilhões acumulado na balança de mercadorias nesse período. Além das vendas de alimentos e de matérias-primas originárias do campo, os embarques de minérios também ocupam espaço importante no mercado internacional, contribuindo para a segurança externa da economia brasileira. O Brasil tem motivos, portanto, para festejar o vigor do comércio global de commodities, apesar do impacto das cotações internacionais nos preços internos de vários produtos e, por isso, no custo de vida de milhões de famílias. Destas, as mais atingidas são as pobres.
Desde
abril do ano passado subiram cerca de 40% os preços em dólar das 19 principais
commodities agropecuárias e minerais, incluído o petróleo. Economistas debatem
se está ocorrendo um novo superciclo ou se a alta será menos extensa, mas, de
toda forma, os aumentos são em boa parte explicáveis pela recuperação do
comércio mundial, puxado pela recuperação da China e, em ritmo menos intenso,
de outras grandes economias.
No
Brasil e em muitos outros países a reativação começou no fim do primeiro
semestre do ano passado, depois de uma grande queda na fase inicial da
pandemia. A retomada, no entanto, apenas começou e a atividade econômica, na
maior parte do mundo, continua abaixo dos níveis de 2019. Os preços
internacionais dos alimentos caíram no início da pandemia, começaram a
recuperar-se em maio e em outubro superaram os do primeiro trimestre de 2020.
Essa
recuperação garantiu a receita de US$ 5,67 bilhões em janeiro com as
exportações do agronegócio. Nesse mês o volume exportado foi 2,5% menor que o
de um ano antes, por causa do atraso no plantio de soja e do baixo estoque de
passagem, mas o preço médio obtido foi 2,5% maior que o de janeiro do ano
passado.
A
Ásia, graças à China, se manteve como principal destino dos bens exportados
pelo agronegócio brasileiro, com transações no valor de US$ 52,28 bilhões em 12
meses e de US$ 2,43 bilhões em janeiro. A União Europeia continuou como segunda
maior região importadora, tendo comprado US$ 15,11 bilhões em 12 meses e US$
960,25 milhões no começo deste ano.
Há
pelo menos dois motivos para comemorar esses números. O primeiro é o próprio
valor exportado para esses compradores. O segundo é a manutenção dos negócios.
O comércio se mantém, apesar dos desaforos de Bolsonaro e de sua turma ao
governo chinês. Além disso, a União Europeia segue comprando, mesmo com os
argumentos fornecidos pelo Executivo brasileiro, com sua desastrosa política
ambiental, aos protecionistas europeus, especialmente aos franceses.
Não
há relação entre a exportação brasileira de alimentos, como soja e carnes, e as
queimadas na Amazônia. Mas o presidente francês, Emmanuel Macron, mistura os
dois assuntos, aproveitando a insistência do presidente Bolsonaro em proteger
os desmatadores e destruidores do solo amazônico.
Qualquer
esclarecimento será difícil enquanto Brasília insistir em negar o inegável – os
bem documentados incêndios em florestas. Além de empenhado em justificar erros
evidentes, o governo brasileiro agora joga sozinho, sem a companhia do líder de
Bolsonaro, o ex-presidente americano Donald Trump.
As
cotações internacionais das commodities também afetam os valores no mercado
nacional. Os preços por atacado subiram 3,28% em fevereiro e 40,11% em 12
meses, segundo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) da Fundação Getúlio
Vargas. Embora de forma limitada, esses aumentos afetam o varejo, pressionando
principalmente o custo da alimentação. Os preços da comida são especialmente
importantes para famílias com os padrões de renda mais comuns no Brasil. A
pressão é intensificada pela alta do dólar, efeito da insegurança causada pelas
imprudências do presidente. Pelo menos esse efeito ele poderia atenuar, se
desse mais atenção do que tem dado às funções e responsabilidades
presidenciais.
De Bolsonaro, não dá para esperar nada contra o vírus – Opinião / O Globo
É conhecida a frase atribuída ao Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Continua atualíssima. O país à beira do colapso, e Bolsonaro alheio a tudo. Em quase todos os estados, a ocupação das UTIs supera 80% — em alguns, já chega 100%. Secretários de Saúde pedem soluções nacionais. E o que fazem Bolsonaro e seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello? Parece que o assunto não é com eles.
Nada
mais representativo da alienação do que a reunião de Bolsonaro, no domingo, com
ministros e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo
Pacheco. Na pauta, vacinas e ações para ajudar a economia durante a pandemia.
Bolsonaro e Pazuello estavam sem máscara, atestando a insanidade num momento em
que variantes mais contagiosas do Sars-CoV-2 aterrorizam o país.
O
descaso é recorrente. Na quinta-feira, quando o país atingia o maior número
diário de mortes na pandemia, Bolsonaro atacava o uso de máscaras, alegando que
elas provocam efeitos colaterais em crianças. Citou como evidência o que era
apenas uma enquete on-line, sem valor científico, feita por pesquisadores da
Alemanha com objetivo de formar um banco de dados.
No
que depender do governo, não haverá governo. Portanto, enquanto a União
continuar a exercitar sua incompetência de todas as formas possíveis no combate
à pandemia, já passou da hora de o resto da sociedade se mobilizar para conter
uma tragédia pior. O vírus não cederá sem campanhas de vacinação em massa e sem
a adoção de medidas rigorosas de contenção. Estados, municípios e setor privado
têm de fazer tudo para suprir a omissão e a inépcia do governo Bolsonaro.
Certamente terão apoio do Judiciário.
Desde
o fim de 2020, se sabia que as aglomerações de fim de ano, associadas a uma
inexorável segunda onda de Covid-19, levariam o país ao colapso. Como Bolsonaro
& Pazuello se prepararam para isso? Desativando leitos de UTI no SUS. O
Ministério da Saúde alegou que, com o fim do Orçamento de Guerra e do estado de
calamidade, não havia mais recursos para prorrogar a contratação dos leitos.
Mais do que recurso, faltou gestão.
No
fim de semana, a ministra Rosa Weber, do Supremo, atendendo a ações dos estados
de São Paulo, Bahia e Maranhão, mandou o governo federal reativar leitos de
UTIs. Precisa o STF desenhar para que o governo entenda as ações mais óbvias
que tem de tomar?
A
despeito da pregação de Bolsonaro, governos estaduais têm decretado toques de
recolher e lockdowns para tentar frear a disseminação do vírus. São medidas
acertadas, embora insuficientes. O resto do Brasil precisa se unir para
garantir ações de contenção onde forem necessárias e a distribuição de vacinas,
respeitando a ordem de prioridade e os grupos mais vulneráveis. É importante
envolver o setor privado nessa iniciativa, possivelmente sob a coordenação das
secretarias estaduais.
Não
adianta esperar o governo federal para a vacinação deslanchar — a campanha anda
a passo de tartaruga, com menos de 4% dos brasileiros vacinados com a primeira
dose. Numa operação em que a missão da União é enviar vacinas em quantidade
certa às capitais, nem isso o ministério sabe fazer direito. Confundiu Amazonas
e Amapá (e Pazuello se diz especialista em logística...). Está claro que na
guerra contra o novo coronavírus, Bolsonaro e Pazuello estão lutando a favor do
vírus.
Há fontes de financiamento do auxílio emergencial dentro do Orçamento – Opinião / O Globo
Com
a necessidade de mais uma rodada de auxílio emergencial para compensar os
efeitos sociais do novo descontrole da Covid-19, agora devido à falta de
vacinas somada ao desrespeito persistente às medidas de prevenção contra o
vírus, o Congresso volta a buscar atalhos legais para fazer gastos à margem do
teto constitucional. Qualquer saída fora dos princípios da responsabilidade
fiscal terá impacto nas contas públicas.
Para
reduzi-lo, o jurista Modesto Carvalhosa propõe, em boa hora, um empréstimo
compulsório de 20% sobre a folha de salários e os adicionais pagos aos
servidores, a ser ressarcido a partir de 2027, em cinco anos, remunerado pela
taxa básica de juros, a Selic. O montante bastaria para financiar um auxílio de
R$ 300 mensais por um ano. Para isso, é suficiente uma lei complementar, com
base no artigo 148 da Constituição, que permite esse tipo de empréstimo em
casos de calamidade pública.
Um
Congresso em que deputados redigiram a “PEC da Impunidade” e a prepararam para
votação em plenário em poucos dias — ela só foi impedida em cima da hora pelo
clamor, dentro e fora da própria Câmara, contra a autoblindagem despudorada dos
parlamentares — poderia muito bem articular com a devida rapidez, sem
desobedecer ao teto constitucional, uma ajuda para milhões de desassistidos que
vêm sendo empurrados para a pobreza absoluta. Dinheiro existe.
O
custo da folha de salários dos funcionários, com seus adicionais e
penduricalhos, é de 13,7% do PIB, duas vezes o orçamento da Educação e três
vezes e meia o da Saúde. Apenas parte dessa dinheirama recolhe Imposto de Renda,
porque o parágrafo 11º do artigo 37 da Constituição isenta do tributo verbas
indenizatórias pagas ao servidor púbico. A taxação desses penduricalhos se
somaria ao empréstimo compulsório para financiar o auxílio.
A
situação de emergência nacional impõe que governo e Congresso se voltem para
fontes de recursos públicos como a folha dos servidores, praticamente intocada
desde o início da pandemia. O congelamento dos salários do funcionalismo não é
suficiente. A escalada da pandemia exige que a contribuição do segundo maior
item de despesas do Orçamento seja ampliada.
É
certo que governo e Congresso também precisam aprovar a PEC Emergencial, com os
devidos gatilhos para evitar o descontrole fiscal. Mas sugestões como a de
Carvalhosa demonstram que é viável obter os recursos necessários em fontes já
existentes, só não exploradas porque protegidas por lobbies que precisam ser
enfrentados.
Há
também outras alternativas, como o uso no auxílio de parte dos R$ 17 bilhões
reservados a emendas parlamentares. Numa situação trágica como atual, com
aumento no número de mortos e de contaminados, metade desse dinheiro poderia
ser destinada pelos políticos aos mais pobres, mantida a outra parte, que já
vai obrigatoriamente para a saúde. O que falta é ação — e vergonha na cara.
Más intenções – Opinião / Folha de S. Paulo
Teses
de reforma política do centrão apontam retrocesso e exigem debate maduro
É
ao mesmo tempo ambicioso e alarmante o plano de trabalho apresentado pelo grupo
criado pela Câmara dos Deputados para rever
a legislação eleitoral e normas para os partidos políticos.
O
programa assusta pela amplitude dos objetivos, pelo conteúdo pernicioso de
algumas propostas e pela afoiteza com que o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), e seus aliados no centrão parecem dispostos a executá-lo.
Pretende-se
rediscutir praticamente tudo o que importa nesse campo, das pesquisas
eleitorais às regras para propaganda dos candidatos, financiamento das
campanhas e prestação de contas.
Buscam-se
meios para reduzir a capacidade da Justiça de alterar normas à revelia dos
políticos, como ocorreu no ano passado, quando se determinou que fundos fossem
repartidos de forma mais justa entre candidatos negros e brancos.
Criou-se
também uma comissão
especial para debater parte das mudanças, que exigiriam alterações na
Constituição. Sua agenda inclui até o famigerado e recorrente distritão, um
sistema eleitoral que decerto se encontra entre os mais mal concebidos do
mundo.
Um
dos principais propósitos dos aliados de Lira é remover o veto a coligações nas
eleições legislativas e as balizas criadas para conter a proliferação de
partidos pouco representativos, adotadas em 2017.
A
chamada cláusula de desempenho torna inviáveis siglas que não alcançarem
percentuais mínimos de votos, limitando seu acesso a recursos e tempo de
propaganda na televisão. Algumas legendas alinhadas ao centrão correm o risco
de desaparecer se nada mudar.
A
medida tende a promover bem-vinda depuração ao sistema político do país, que
hoje tem nada menos de 24 partidos com assento na Câmara. Ela foi desenhada
para ser implementada de forma cuidadosa, com elevação gradual das exigências,
dando tempo às siglas menores para se fortalecerem.
Abandonar
o mecanismo antes que alcance os resultados desejados representaria um
retrocesso. Que o centrão pense em fazê-lo é demonstração suficiente de que
seus projetos de reforma militam em causa própria, e não pelos interesses da
sociedade.
Não
há dúvida de que o sistema político brasileiro têm imperfeições que poderiam
ser corrigidas para torná-lo mais eficiente e competitivo, mas não há
justificativa para mudanças como as agora aventadas, que só atenderiam às
conveniências dos caciques.
Lira
sofreu revés importante na semana passada, quando se viu obrigado a frear a
discussão do projeto que visa blindar parlamentares contra ações da Justiça.
Espera-se que aprenda a lição e a aplique no debate da reforma política.
Tensões fronteiriças – Opinião / Folha de S. Paulo
Governo
deve buscar soluções pacíficas para impasses migratórios em RR e no AC
Em
meio à pandemia de Covid-19, o Brasil vive hoje duas crises humanitárias em suas
fronteiras.
No
estado de Roraima, o governo federal tem barrado, com base em portaria
editada em janeiro, a entrada por terra de qualquer pessoa proveniente da
Venezuela, embora seja porosa e movimentada a região que une os dois países.
A
própria administração de Jair Bolsonaro reconheceu formalmente em 2019 que a
nação vizinha vive uma situação de grave e generalizada violação de direitos
humanos, o que exige atenção à fronteira e aos direitos de migrantes e
refugiados que por ela transitam.
Situação
ainda mais grave se vê no Acre, onde centenas de estrangeiros, em sua maioria
haitianos, tentam sair do Brasil em direção ao Peru, onde um corredor de
militares e policiais os aguarda.
Em
16 de fevereiro, os migrantes tentaram romper a barreira e foram recebidos
com truculência. Alguns permanecem acampados em uma ponte que liga os dois
países, o que eleva as tensões. O governo autorizou o envio da Força Nacional
de Segurança Pública ao estado.
Diante
do cenário, cabe ao Brasil buscar, de um lado, soluções diplomáticas para o
imbróglio migratório e, de outro, fornecer apoio às autoridades locais e apresentar
um plano de remoção e reassentamento dos estrangeiros.
Foi
o que decidiu, corretamente, a Justiça Federal nesta segunda-feira (1º),
determinando que a União esclareça que cuidados devem ser tomados para evitar
uma tragédia.
Não
se questiona a pertinência de medidas restritivas à entrada de migrantes em
razão da pandemia. Tais providências, no entanto, requerem racionalidade
baseada na ciência. Não é o que se vê hoje. Resta pouco claro, por exemplo, por
que o Brasil libera ingressos por via aérea, mas não por terra.
Ademais,
embora normas vigentes prevejam a entrada de estrangeiros com residência no
país, com familiares aqui ou portadores do Registro Nacional Migratório (o
antigo RNE), tais exceções não se aplicam a venezuelanos. A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) diz não ter orientado a norma ao Ministério da
Justiça.
Não
é de hoje que há fluxo migratório intenso do Haiti, prevalente entre 2010 e
2015, e da Venezuela para o Brasil. A Covid-19 agravou problemas inerentes a
esses movimento, inclusive devido à falta de recursos das autoridades locais.
As questões são de difícil solução, decerto, mas não eram imprevisíveis.
Desencontros na economia afastam investidor externo – Opinião / Valor Econômico
Governo
amplificou a desconfiança em relação às reais intenções de avançar na
privatização e na agenda do ajuste fiscal
Durou
pouco a lua de mel do investidor estrangeiro com a bolsa brasileira. Apenas nos
três primeiros dias da semana passada, ele sacou R$ 9,2 bilhões da B3. O
balanço do mês virou negativo, com resgates superando aplicações em R$ 4,89
bilhões. A reviravolta interrompe a trajetória de recuperação iniciada no
segundo semestre de 2020, após a debacle causada pela pandemia do novo
coronavírus.
O
mal-estar estourou depois do carnaval, quando o presidente Jair Bolsonaro
criticou a gestão da Petrobras e antecipou a intenção de mudar a presidência,
transferindo-a das mãos de Roberto Castello Branco para as do general Joaquim
Luna e Silva. Bolsonaro não parou aí. Censurou a política de preços da
Petrobras, prudentemente espelhada com as tendências internacionais uma vez que
o Brasil importa parte do combustível consumido dada a capacidade limitada de
refino; e ainda recomendou que a empresa precisa ter “visão social”.
Acenou
ainda com interferência na energia elétrica, segmento em que muitas empresas de
distribuição, transmissão e geração foram concedidas ao setor privado. Na
sequência, o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, na mira de Bolsonaro
desde que anunciou cortes da rede de agências, colocou à disposição o cargo que
ocupa há apenas seis meses e deve ter o destino selado nesta semana (Valor, 1/3).
Pode
ser que nem todo o dinheiro resgatado de aplicações na bolsa pelo investidor
estrangeiro tenha deixado o país. Uma parcela pode ter sido direcionada para
outras atividades. Isso só poderá ser verificado quando o Banco Central (BC)
divulgar o movimento do câmbio contratado, nesta semana. Depois da enxurrada de
US$ 51,2 bilhões que saíram do país pelo câmbio financeiro em 2020, a maré
parecia ter sido revertida neste ano. Em janeiro, o fluxo foi positivo em US$
3,6 bilhões; e, em fevereiro, seguia no azul, em US$ 4,4 bilhões no levantamento
mais recente, até o dia 19.
O
balanço das contas externas do Banco Central dá uma dimensão mais precisa do
movimento. Segundo os dados, o investimento em carteira, que abrange as
aplicações no mercado financeiro, foi negativo em US$ 8,5 bilhões em 2020,
aprofundando a trajetória de 2019, quando ficou no vermelho em US$ 6,7 bilhões,
com os resgates concentrado em ações e fundos. A conta inclui também o desmonte
de posições em títulos da dívida mobiliária, provocado pela preocupação fiscal.
A participação do investidor estrangeiro no estoque da dívida mobiliária
encolheu de 11,2% em 2018 para 9,2% de 2020.
A
saída do investidor estrangeiro do mercado brasileiro já era esperada, em
consequência da pandemia e seus efeitos na economia. Somente de março a junho
as saídas da conta de investimentos em carteira chegaram a US$ 35,3 bilhões. A
partir do segundo semestre, porém, a recuperação da bolsa atraiu capital e a
conta foi reduzindo as perdas até ficar em um quarto disso. O investimento
direto no país foi afetado pelos mesmos motivos, embora tenha ficado no azul:
despencou de US$ 69,2 bilhões em 2019 para US$ 32,2 bilhões em 2020, o menor
volume desde 2009.
Mas
este ano havia começado com um clima mais positivo, embalado pela perspectiva
de vacinação e recuperação da economia, apesar da paralisia de vários meses do
Congresso, que deixou de lado a apreciação de temas importantes até a eleição
das novas presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro. Não pela primeira
vez, porém, o Palácio do Planalto mudou o foco ao colocar na mesa temas
periféricos e desviar do enfrentamento da pandemia e das reformas.
Ao
defender mudanças na política de preços da Petrobras, para contemporizar com os
caminhoneiros, e acenar com interferência também na energia elétrica, o governo
amplificou a desconfiança em relação às reais intenções de avançar na
privatização e na agenda do ajuste fiscal. Não surtiu efeito nem mesmo a
coreografia encenada com a apresentação da Medida Provisória (MP) de
privatização da Eletrobras e o aval dado ao projeto do marco regulatório dos
serviços postais, que abre espaço para a modelagem de venda dos Correios. Os
dois projetos são antigos e ainda precisam de vários movimentos para serem
viabilizados. Para piorar, nem o governo nem o Congresso conseguem levar
adiante um plano que viabilize a retomada do auxílio emergencial sem estragos
fiscais maiores do que os já existentes.
A recuperação da bolsa ontem, na esteira de novo aumento dos preços dos combustíveis anunciado pela Petrobras, evidencia que os problemas continuam, assim como a volatidade dos mercados.
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