A discussão sobre um novo benefício social é também uma discussão federativa
O
valor recebido por habitante em pagamentos federais é três vezes maior no Rio de Janeiro do que no Pará. Os pagamentos do governo federal
por pessoa são 50% maiores no Rio Grande do Sul do
que no Rio Grande do Norte.
O gasto com cada cidadão no Distrito Federal é 25 vezes maior
do que no Amazonas.
Na
última semana, defendi na coluna a necessidade de reformas que orientem os
gastos públicos para os mais pobres. Um ponto de partida é examinar para onde
vai o gasto no espaço. Façamos isso para o gasto direto do governo – deixando
para a próxima oportunidade a discussão do gasto indireto, as renúncias de
impostos.
A
maior parte do gasto federal corresponde a algum tipo de transferência, isto é,
um pagamento mensal diretamente na conta de uma pessoa física. São salários de
servidores, benefícios de regimes de previdência (aposentadorias, pensões),
benefícios trabalhistas do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (seguro-desemprego, abono salarial) e
benefícios assistenciais (Bolsa Família, BPC).
O grau de contrapartida desses pagamentos, portanto, varia.
Em 2019, somaram R$ 1 trilhão e 100 bilhões – algo como 80% da despesa primária total do governo federal. Por sua natureza, é mais fácil identificar a distribuição regional desses gastos. Por exemplo, quanto vai para cada Unidade da Federação (UF). Como elas possuem populações muito diferentes em tamanho, é pertinente dividir o gasto em cada UF pela sua população. Daí decorrem os dados do primeiro parágrafo, que apontam para como a União distribui seus recursos em termos per capita e como o dinheiro federal afeta as economias locais.
Se
é de se esperar que o gasto federal em cada lugar seja diferente porque cada
Estado tem um número de habitantes diferente, não é tão óbvio que o gasto por
habitante seja divergente. E talvez seja surpresa para o leitor que, sim, ele é
muito divergente. Isso ocorre por diversas razões, algumas mais legítimas
(Estados mais envelhecidos possuem mais aposentados) outras nem tanto. É o caso
da proteção social muito atrelada ao emprego formal, que resulta em pouco gasto
justamente em regiões mais pobres.
É
o caso também das despesas relacionadas ao funcionalismo, que geram dispersão
nos dados pela desigualdade na distribuição espacial de órgãos federais – já
que seus servidores são mais bem remunerados em termos relativos e há um contingente
elevado de aposentados e pensionistas que se beneficiou de regras favorecidas
de inatividade. Parece haver, por exemplo, uma desproporção de militares das
Forças Armadas no Rio de Janeiro.
Assim,
os pagamentos anuais por habitante vindos do governo federal são de R$ 65 mil
no Distrito Federal (o maior), mas de R$ 2.500 no Amazonas (o menor). Fecham o
top 5 Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Estados
mais desenvolvidos parecem ser mais bem servidos de órgãos federais e receber
benefícios sociais de maior valor, como da previdência urbana e do FAT, associados
ao emprego formal. Regiões menos industrializadas, com maior desemprego e
informalidade, recebem pouco deles, se apoiando na assistência – o Bolsa
Família é o mais recebido, e de valor bem baixo.
Amazonas
e Pará, que são os mais preteridos, destoam de outros Estados pobres por duas
razões. Ao contrário de Estados do Nordeste, recebem pouco da previdência
rural, que paga benefícios bem maiores que o Bolsa Família, de um salário
mínimo. O fato pode se explicar por terem a Floresta Amazônica em
seus limites, limitando a economia rural. Isso sem possuir uma vantagem de
outros Estados amazônicos: o de serem ex-territórios federais, que contam com o
custeio pela União de ex-servidores locais, com salários maiores – fonte
relevante de entrada de recursos.
Já
o caso do Distrito Federal parece em algum grau condizente com a prosperidade
observada em outras localidades administrativas que lideram os indicadores de
renda de suas regiões. É assim em condados da Virgínia vizinhos ao Distrito de
Colúmbia (que sedia Washington),
ou mesmo Bruxelas,
base para órgãos decisórios da União Europeia. Pode-se discutir,
porém, o tamanho do prêmio salarial do serviço público federal, assim como o
nível das contribuições previdenciárias de aposentados e pensionistas (civis e
militares).
Com
os avanços da tecnologia da informação, poderia ser saudável uma
desconcentração maior que a existente hoje de órgãos da administração indireta
para Estados pobres, reduzindo a parcela da arrecadação consumida em Brasília e com efeitos positivos
sobre essas economias locais, em arranjo mais próximo do europeu.
O
experimento do auxílio emergencial questionou
nosso modelo de gasto público. Com critérios de pobreza e baseado na ausência
de emprego formal, as transferências per capita foram muitíssimo maiores no
Nordeste e no Norte. A discussão sobre um novo
benefício social é também uma discussão federativa.
*Doutor
em economia
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