O
senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente
Presidente,
O
senhor implica com os diplomatas profissionais e chega a ironizar suas boas
maneiras. Como disse um colega, alguns arrumam melhor os talheres numa mesa que
os pronomes numa frase. Escrevo-lhe com a autoridade de quem, no século
passado, serviu como embaixador em postos para os quais o creme de barbear
chegava por mala diplomática (Pequim, Hanói, Maputo e Havana). Eu evitava usar
smoking, porque seria confundido com garçom.
Amanhã
o senhor começará a participar da Cúpula do Clima e terá momentos difíceis.
Acho que posso ajudar com uma ideia simples: deixe a diplomacia com os
diplomatas profissionais. Teste-os, enunciando uma tolice. Quem concordar,
profissional não é.
Na
diplomacia, não há lugar para ganhadores nem para perdedores. Isso é coisa de
militares. Às vezes o vencedor finge que perdeu e dá ao perdedor a chance de
dizer que ganhou. Conversa de diplomata? Talvez o senhor esteja entre aqueles
que consideram o americano Henry Kissinger um grande diplomata. Ele ganhou o
Prêmio Nobel da Paz, mas abandonou o Vietnã à própria sorte depois de massacrar
parte de sua população numa guerra perdida. Eu vivi lá e sei o que houve.
Grande marqueteiro, isso sim.
O senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente. Depois de delirar na virtude de ser um pária, seu governo não deve apresentar contas. Sua carta ao presidente Joe Biden foi longa demais porque muita gente meteu a colher.
Nós
já compramos causas perdidas. Apoiamos o colonialismo português na África,
ficamos com os chineses de Taiwan, mesmo depois que os americanos se acertaram
com a China. Votávamos nas Nações Unidas com Portugal por causa da pressão de
meia dúzia de comendadores do Rio de Janeiro. Saímos dessa encrenca. Mais
difícil foi aguentar as implicâncias com o restabelecimento de relações diplomáticas
com a China. O senhor implicou com a vacina chinesa. Para quê?
Diplomatas
consertam vasos quebrados desde os tempos coloniais. Eles sabem lidar com o
ritmo e o tom nas crises. Na questão da Amazônia, o Brasil precisa apenas
voltar a ser ouvido. Deixamos de sê-lo porque deliramos. A irracionalidade não
é invenção nossa. Veja o caso dos Estados Unidos na Amazônia. No século XIX,
eles queriam mandar para lá seus negros. No início do XX, Henry Ford delirou
querendo transformar um pedaço da floresta em seringal particular. Décadas
depois, o bilionário Daniel Ludwig teve uma ideia parecida. Deliraram, deram-se
mal e foram-se embora.
Existe
um espaço enorme para negociarmos projetos relacionados com a Amazônia. Para um
exportador de grãos que compete conosco no mercado internacional, vossa
política ambiental é um presente.
Pelo
que sei, há malandraços oferecendo pontes com a Casa Branca. Não caia nessa. O
presidente Biden tem um jeitão de vovô, mas conhece Washington. Para seu
caderno de notas: em abril de 1975, as tropas do Vietnã do Norte estavam
entrando em Saigon, e discutiam-se recursos para resgatar os vietnamitas que
haviam ajudado os americanos. O então senador Biden avisou:
—
Voto qualquer quantia para tirar os americanos, mas não quero me meter com
operações para retirar vietnamitas.
Eu
servi lá e nos Estados Unidos. Sei quanto isso custou aos dois povos.
Atenciosamente,
Ítalo Zappa.
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