Nos primeiros tempos
Quando cheguei
a Brasília, em 1970, a cidade estava com dez anos, com muita poeira
e ritmo acelerado dos operários em construção. Muito do que aconteceu nos
primeiros momentos da nova capital só fiquei sabendo agora, 61 anos depois da
inauguração.
As histórias curiosas foram resgatadas pela jornalista Rosalba da Matta Machado e estão no livro Dutra, memórias de um garçom de Juscelino, mordomo em Brasília, com apresentação do saudoso jornalista Carlos Chagas e orelha escrita pelo jornalista Silvestre Gorgulho, ex-secretário de Cultura do DF, que nos revelou que a estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes, inicialmente fora colocada, dentro do prédio do Supremo Tribunal Federal, e que posteriormente fora levada para a praça onde hoje se encontra, por determinação de Oscar Niemeyer, sob o argumento de que a justiça é para todos.
A lei fundando
Brasília foi assinada por JK em primeiro de outubro de 1957. A data
da inauguração a 21 de abril de 1960 foi sugerida por Israel Pinheiro, o
comandante da construção.
A jornalista
Rosalba da Matta Machado conversou durante meses com José Dutra Ferreira, que
veio de Araxá para trabalhar como o primeiro garçom do Catetinho para servir ao
presidente Juscelino Kubitschek. Dutra trabalhou inicialmente no Palácio de
Tábuas, inaugurado em outubro de 1956, e que só em janeiro de 1957 é que foi
rebatizado de Palácio do Catetinho pelo violonista Dilermando Reis. Hoje,
aberto à visitação pública, o Catetinho hospedou gente importante dos meios
político, intelectual e artístico. Estiveram lá Juca Chaves, Dilermando Reis, e
também Tom Jobim e Vinicius de Moraes, quando criaram a Sinfonia da Alvorada,
que conta em música e versos a saga da construção.
Os primeiros
blocos residenciais surgiram nas superquadras 105, 106, 107 e 108 – Sul.
Israel Pinheiro
disse um dia que a construção que deu mais trabalho foi a do Congresso
Nacional.
Uma figura
da maior importância na construção da cidade foi o engenheiro agrônomo Bernardo
Sayão. A missão dele era construir as estradas para que todos chegassem à nova
capital e também implantar uma estrutura agrícola na região. Foi ele que sugeriu
a Israel Pinheiro trazer imigrantes japoneses para criar um cinturão verde em
Brasília. Israel entregou essa tarefa ao pai da escritora cearense Ana Miranda.
O engenheiro Raul Miranda contou com a ajuda das famílias japonesas que
plantaram frutas e verduras em numerosas chácaras ao redor do Plano Piloto. A
capital cresceu rapidamente e os novos habitantes ocuparam as chácaras que
abasteciam Brasília, acabando com as nascentes de rios e riachos, transformando
tudo em cidades.
Bernardo também
foi quem escolheu a área em que Israel Pinheiro construiu a casa em que foi
morar durante a construção, a qual foi chamada de Granja Israel Pinheiro.
Acontece que o político mineiro não gostou da ideia. Tirou o nome mas ficaram
suas iniciais I.P., ou seja Ipê. É por isso que lá não se via um único pé da
árvore que hoje enfeita o Distrito Federal. A Granja Riacho Fundo também foi
batizada por Sayão para abrigar o médico Ernesto Silva.
Já a Granja do
Torto teve como primeiro ocupante o engenheiro Iris Meinberger. Ficou lá até quando
deixou a diretoria da Novacap. Bernardo escolheu a Granja Tamanduá, mas
ele estava sempre viajando, cuidando das estradas, da agricultura. Foi num
acampamento às margens da rodovia Belém-Brasília, que ele
estava construindo, que aconteceu a tragédia. Em janeiro de 1959, uma
árvore caiu sobre a barraca dele. Sayão foi a primeira pessoa a ser enterrada
no Campo da Esperança. Uma estrada teve que ser aberta, às pressas, durante a
noite, para que as pessoas tivessem acesso ao cemitério.
Em seu livro de
399 páginas, ilustradas com muitas fotografias e documentos, a jornalista
Rosalba da Matta Machado conta porque JK chorou durante a missa de inauguração
de Brasília. O garçom Dutra disse à Rosalba que estava trabalhando durante o
jantar do dia da inauguração, quando ouviu o presidente justificar o choro: “as
lágrimas foram uma consequência. Parece que somente naquele momento de
reflexão tomei plena consciência que inaugurava Brasília para o Brasil e para o
mundo. Nosso sonho estava realizado”.
*Wilson Ibiapina, jornalista e escritor
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