“Nesse
campeonato do fim do mundo, quando você é muito bem-sucedido, você acrescenta
meio grau na temperatura do planeta”, disse, de forma contundente, o escritor e
líder indígena Aílton Krenak na última segunda-feira no centro do Roda Viva.
Para
ele, é este campeonato que o Brasil, tendo Jair Bolsonaro e Ricardo Salles como
técnico e auxiliar, resolveu jogar. E é na condição de líder da tabela desse
torneio macabro que o país chega à Cúpula de Líderes pelo Clima, proposta por
Joe Biden, que será anfitrião virtual de 40 chefes de Estado a partir desta
quinta-feira para marcar a volta dos Estados Unidos à mesa das negociações
climáticas, depois de quatro anos de abandono desta agenda por Donald Trump.
Todos os olhos do mundo antes da reunião estão postos sobre o Brasil. Os sucessivos recordes de desmatamento da Amazônia, as queimadas na floresta e também no Pantanal, o desmonte da estrutura de fiscalização ambiental e a reiterada disposição de Bolsonaro de liberar a exploração mineral e de madeira em reservas indígenas, rever demarcações e legalizar terras ocupadas ilegalmente na região amazônica são apenas alguns dos "feitos" pelos quais o presidente brasileiro deverá ser questionado por seus pares.
Embora
mantenham a absoluta falta de compreensão a respeito da importância econômica
central da agenda climática e ambiental em qualquer fórum global hoje, Bolsonaro
e seus auxiliares terão mais uma mostra de sua inadequação para esse debate,
pois as cobranças para que se endureça com eles vêm não apenas dos adversários
de sempre, como lideranças ambientalistas como Krenak ou a jovem Greta
Thunberg, ou artistas como Leonardo di Caprio ou Wagner Moura, mas dos
empresários.
Escrevi
a esse respeito aqui na coluna na semana passada, e retomo o fio desta meada:
Salles só será ameaçado no cargo quando Bolsonaro sentir na pele o risco de
mantê-lo, ainda que ele sempre tenha feito exatamente o que o chefe mandou.
Grandes
empresas brasileiras sabem o quanto de prejuízo reputacional e de negócios
enfrentarão quando se tornar um imperativo para vendas a certificação ambiental
de produtos, algo cada vez mais comum. Vale sobretudo para o poderoso
agronegócio, até aqui ainda um reduto de apoio ao bolsonarismo, mas que não
rasga dinheiro.
A
pressão mundial é para que Biden endureça o jogo com o Brasil, não aceitando
fazer nenhum acordo com o governo do capitão a não ser que o país reveja sua
doutrina ambiental e se comprometa com metas objetivas e mensuráveis de redução
de desmatamento e de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa.
Bolsonaro
ficará ainda mais exposto pelo fato de que os anfitriões querem marcar sua
“volta ao jogo” com a assunção de metas ousadas e o anúncio de investimento
pesado em conter o aquecimento global, para além da mera retórica.
Sabemos
como o presidente brasileiro costuma se comportar em eventos mundiais como a
Assembleia Geral da ONU ou o Fórum Econômico Mundial de Davos: como um peixe
fora d’água, alguém que sabe que não tem o que dizer para além das quatro
linhas das redes sociais e do cercadinho do Alvorada, onde fica seguro na
companhia dos seus seguidores fanáticos.
Sem
o “amigo" Donald Trump a chancelar o desdém e o discurso negacionista em
relação ao Meio Ambiente, Bolsonaro ficará completamente isolado na cúpula. O
discurso proferido nesta terça-feira pelo ministro da Defesa, Braga Netto, na
linha “a Amazônia é nossa”, mostra que o nacionalismo mofado é a tônica em
todas as áreas do Executivo, não só na pasta de Salles.
Parece ingênua, portanto, qualquer esperança de que o Brasil vá ao encontro munido de novos propósitos para deixar a liderança da peleja do fim do mundo. Só fará isso se levar um cartão vermelho de Biden.
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