terça-feira, 12 de outubro de 2021

Eliane Cantanhêde - Os preços e o voto

O Estado de S. Paulo

O desastre da economia abala todos os segmentos do eleitorado de 2022, do miserável ao rico

Nem o Plano Real resistiu a Jair Bolsonaro. Após 28 anos do sucesso da maior obra de engenharia econômica do Brasil, a inflação volta ao cotidiano de pobres e ricos, assalariados e empresários e, principalmente, dos miseráveis que já não tinham o que comer e dar de comer aos filhos. Mais do que índices abstratos, o aumento da inflação, de 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em doze meses, bate na vida de todo mundo, ou seja, de todo eleitor.

A economia, a queda de emprego e renda, a disparada de preços e seus efeitos no dia a dia abalam todas as faixas do eleitorado. O salário continua o mesmo, caiu ou pode ter evaporado. Alguém teve aumento de 20%, 30%, 40% ou 50% nos últimos doze meses? Mas conta de luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. Pessoas disputando ossos, pelancas e restos de comida são de deixar o País, e cada um de nós, sem dormir.

A cesta básica encosta ou passa de 60% do salário mínimo, quando 70% da população acima de 16 anos vive em residências com renda de até três mínimos (50%, com renda de até dois). Esse universo estupendo de eleitores é o que mais diretamente sofre com o aumento do preço da comida, do botijão de gás e da conta de luz. E as famílias voltam a cozinhar em latões de lenha e a comer no escuro – quando há o que comer.

Isso atinge, por exemplo, os evangélicos, que se concentram fortemente na baixa renda e na baixa escolaridade. Mas nem é preciso decantar esse eleitorado por sexo, cor, escolaridade e religião para saber que ninguém, ninguém mesmo, pode estar feliz, satisfeito e querendo que as coisas fiquem como estão. Isso vale para centros urbanos e rurais, pequenas e grandes cidades.

Ampliando um pouco o leque para os que têm renda familiar acima de 10 salários mínimos, e mais capacidade de influenciar votos, aumentam os motivos de desencanto, para uns, ou de acirramento da rejeição, para outros. Além da conta de luz e dos preços nos supermercados, onde qualquer comprinha passa dos R$100,00, há o preço da gasolina, das passagens aéreas e até do dólar.

Como prefere o ministro Paulo Guedes, da Economia, já não dá para a empregada doméstica ir a Disney, o filho do porteiro estudar na universidade e, de quebra, para o papai e a mamãe sustentarem o seu carrinho. E eles nem têm muito para onde ir. Shopping? Restaurante? Tudo pela hora da morte.

A economia voltou com força para o centro das conversas até mesmo dos ricos, que reclamam da inflação (a deles, dos empregados e dos pobres em geral), dos quase R$ 7 da gasolina comum, da volta dos juros altos e... da rentabilidade dos seus investimentos, que perdem para a inflação e sacodem com bolsas e dólar.

Segundo Mauro Paulino, do Datafolha, a popularidade de Bolsonaro caiu e a rejeição subiu em todos os segmentos na última pesquisa, de 14 e 15 de setembro, com exceção de um: o de maior renda, incluindo empresários. Em menos de um mês, porém, a situação deteriorou, com aumento de gás, luz, gasolina, juros e dólar (que só convém aos exportadores). E se os mais ricos passarem a olhar para Paulo Guedes sem enxergar luz no fim do túnel?

O candidato Bolsonaro tem caneta BIC, avião presidencial, escalões precursores, comitivas, gabinetes paralelos e tratoraços para fazer campanha, mas já convive com 59% dos pesquisados dizendo que, nele, não votam de jeito nenhum. Até mais: votam em qualquer um que não seja ele, como agora se ouve com certa frequência.

O problema de Bolsonaro nem é mais, ou só, os 600 mil mortos de covid, o cheiro de queimado da Amazônia e os sucessivos vexames do Brasil no mundo. O maior de todos é outro: a economia, com inflação e deterioração das condições de vida.

 

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