O Globo
Circularam, no último fim de semana, ao
menos duas falas barbarizantes de Marcelo Queiroga, ministro da Saúde e médico.
E ressentido. É um governo de ressentidos. De ressentidos e oportunistas, não
raro também incompetentes. Tudo previsível. Este perigo: o ressentido de súbito
com — o que supõe ser — poder. O perigo: este tipo — o ressentido empoderado,
ademais incompetente, um agente grato, mostrador de serviço — sob a gestão do
bolsonarismo; sob o controle da máquina de genuflexão bolsonarista. E então as
falas de Queiroga, previsíveis.
Numa, comparou a exigência do uso de
máscaras — como medida de contenção da peste, um vírus transmitido por via
aérea — ao de preservativos contra doenças sexualmente transmissíveis. Decerto
se tendo por mui esperto, perguntou se, por esse motivo, deveríamos obrigar as
pessoas a usar camisinha. Na outra, confrontado com a marca de 600 mil mortes,
sentiu-se autorizado — estava irritadinho — a relativizar o volume: seriam,
afinal, 380 mil os que morrem do coração anualmente no Brasil, outros muitos de
câncer.
Terá faltado somente um “e daí?” — talvez um “não sou coveiro” — para que fosse Jair Bolsonaro absolutamente. Nunca será. Mas precisa — pode e deve — se esforçar. É estimulado a se esforçar, a se humilhar. Pelo poder. Estimulado — desafiado — a debulhar seu ressentimento. Pela existência.
Nunca será. Nunca terá. Mas não por falta
de entrega. É o ciclo de uma submissão infinita, cuja humilhação jamais será o
bastante. E que resulta em mortos-vivos. Mortos-vivos pelo poder. Mortos-vivos
que se julgam com poder.
É a chance da vida. O homem, ressentido
fundamental, luta por — ao mesmo tempo — existir e sobreviver. Não existe. Nem
sobreviverá. Mas peleja. É a chance da vida do morto-vivo.
A rápida radicalização bolsonarista da
linguagem de Queiroga demonstra como um indivíduo fraco — e deslumbrado pela
cadeira — reage quando sob pressão. Nunca será um bolsonarista puro-sangue.
Jamais um admitido. Será sempre um útil perseguidor da condição de aceito no
bolsonarismo, o que equivalerá a ser algo — a continuar ministro. Uau! O que
equivale a descartável.
Nunca será, mas por que não iludi-lo,
manipulá-lo? Por que não iludi-lo — atraí-lo — com a oferta de perenidade do
que pensa lhe dar existência?
A estrutura do jogo de subjugação tem
fartos exemplos de dinâmica. Na semana passada, a rádio CBN, por meio dos
repórteres Cézar Feitosa e Isa Stacciarini, informou que o chefe de gabinete do
ministro da Saúde acusava Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho no
ministério (na prática, a divulgadora-mor da cloroquina desde dentro da pasta),
de conspirar — em parceria com Onyx Lorenzoni, o ministério de si mesmo — para
derrubar Queiroga; alguém cujo poder, pelo qual vai apaixonado, nem sequer o alça
a lugar de conseguir demitir a subordinada.
Fraco e dependente do cargo, refém do
cargo, para ser alguém, para ser alguém e ao mesmo tempo sobreviver sendo o que
é, ao ministro só restou — só resta — se defender radicalizando. Padrão. E
então o vimos, de novo segundo reportagem de Feitosa, mobilizar-se, sob ordem
de Bolsonaro, para que a Conitec alterasse a pauta de sua reunião e não
analisasse — não votasse a favor de — um relatório que se manifesta
contrariamente ao tratamento precoce.
Assim será doravante, até a lata de lixo em
que o chefe o jogará. Para quê? Para ser ministro, mais um cavalo do
presidente. Para ser nada; para sobreviver — até o descarte — sendo o que é.
Nem sequer um Onyx, cuja radicalização — a inexistência — mira o governo do Rio
Grande do Sul. O que mira Queiroga? Ser, acima de Pazuello, o ministro da Saúde
de Jair Bolsonaro?
À pressão bolsonarista, carga por submissão
total, reage Queiroga com mais demonstrações de bolsonarismo. Chamado de
vacinista, acusado de vacilante em defender a queda das máscaras, o ministro da
Saúde, médico e ressentido, mais ressentido que médico, produz e multiplica, em
busca de pontos no mercado interno reacionário, a oferta de dedos médios à
população brasileira, conforme visto em Nova York.
Quer existir. Mal sobrevive.
O sujeito não seria — jamais será —
suficientemente bolsonarista, por isso tem a cabeça pedida, porque nunca será
suficientemente bolsonarista; e a isso, a esse desafio, responde, porque quer
provar que pode, com mais bolsonarismo, e não pode; e por isso perderá a
cabeça, cedo ou tarde, de qualquer modo. Os dedos ficarão. Eis o ciclo.
Não existe. Não sobreviverá. Neste governo
captador de moralidades corrompidas: é entrar e então morrer.
Queiroga: o ressentido consciente de que só
poderia chegar a ministro num governo disfuncional como o de Bolsonaro; e que,
sob pressão para inexistir ainda mais, consciente de que sua permanência — que
toma por existência — dependerá de se extremar, radicaliza na linguagem
progressivamente, para agradar ao chefe e a seus sectários. Para sobreviver, o
morto-vivo. É uma descida sem fim.
Entrar e então morrer. Na história: Marcelo
Queiroga, o ministro da Saúde de Bolsonaro.
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