Folha de S. Paulo
A coalizão que empoderou as instituições de
controle em 1988 deu lugar a uma aliança maldita
A Constituição
de 1988 delegou vastos poderes às instituições de controle em sentido
amplo (Ministério Público, órgãos judiciais, tribunais de contas, política
federal). Esta delegação foi produto da coalizão forjada na constituinte entre
setores liberais e de esquerda. Os setores liberais estavam preocupados com o
abuso de poder pelo Executivo para o qual também ocorrera extensa delegação de
poderes através de instrumentos como medidas provisórias, iniciativa legal
exclusiva, e prerrogativas processuais.
Buscava-se uma coleira forte para um
cachorro grande: uma agenda
de transformação institucional discutida na década de 50 por figuras
como Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Hermes Lima.
Os setores de esquerda, por sua dura
experiência sob o regime militar, priorizavam direitos humanos e liberdades
públicas. Os limites da intervenção estatal era o foco de setores liberais
desde o Estado Novo, o que levou à aprovação, em 1950, de nossa primeira Lei de
Improbidade Administrativa.
Parte do arranjo de 1988 está sob ataque na PEC do CNMP (05/21). Mas agora o “jogo da delegação” é outro: mudam os atores, as coalizões, as temáticas. Destaco seis pontos:
1. Setores da esquerda agora estão aliados
ao Executivo para enfraquecer as instituições de controle, porque quando
estavam no poder seus desmandos foram punidos.
2. O fantasma do autoritarismo, sob
Bolsonaro, voltou a adquirir a centralidade que tivera com o fim do Estado Novo
e do regime militar, e que havia desaparecido. A posição dos setores da
esquerda torna-se assim paradoxal: aliar-se ao presidente e sua base e
simultaneamente buscar controlá-lo através do STF.
3. O presidente é agora protagonista; no
jogo das constituintes de 1946 e de 1988, o Executivo estava virtualmente
ausente.
4. A questão da corrupção adquiriu grande
saliência, o que não ocorreu em 1988. O tema é ortogonal à agenda institucional
anterior marcada pelo par direitos humanos e abuso presidencial; o que junto
com o tema dos desmandos na pandemia reconfigura o jogo.
5. Finalmente, o objeto do controle ampliou-se:
de desmandos do Poder Executivo para os dos próprios parlamentares —o que
explica o protagonismo destes no ataque ao Ministério Público.
6. No entanto, as instituições agora com
mais musculatura, podem proteger-se; o teste será como o STF irá atuar no caso.
A delegação de poderes ocorrida em 1988 fundava-se, em parte, na constatação dos limites estreitos do controle pela via parlamentar (ex.: CPIs), dado sua vulnerabilidade histórica frente ao Executivo. A PEC vai na direção contrária: aumenta o papel do Legislativo no processo. A investida insere-se em um processo mais amplo; encontrará forte resistência.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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