EDITORIAIS
A conta da pandemia
Folha de S. Paulo
Dívida subiu no mundo e aqui; é preciso
disciplina para preservar gasto social
Os
dados mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que
a pandemia de Covid-19 impactou fortemente as finanças públicas no mundo.
A combinação de queda da atividade
econômica e receitas de impostos com maiores gastos para minimizar impactos
sociais deixou um legado de maior endividamento dos governos e novos desafios
para lidar com o problema.
O FMI estima que a dívida pública,
considerada globalmente, se estabilizará em torno de 98% do Produto Interno
Bruto, cerca de 15 pontos percentuais a mais do que antes da pandemia.
A maior parte do salto decorre de ações nos
países desenvolvidos, tendo em vista a maior capacidade de endividamento e
credibilidade institucional dessas economias.
Os emergentes tiveram menor espaço para
adotar políticas fiscais anticíclicas, pois gozam de acesso mais restrito a
financiamento, e viram suas dívidas subirem menos (de 54,7% para 64,3% do PIB).
A contrapartida é que, nas estimativas do FMI, tais economias em conjunto (excetuando a China) demorarão mais para retornar ao pleno emprego e também pagarão juros maiores, reduzindo espaço para outras despesas.
No caso do Brasil, os números do FMI
(apurados com metodologia diferente da adotada pelo Banco Central) apontam que
a dívida bruta de União, estados e municípios saltou de 87,7% em 2019 para
98,9% no ano passado, mas deve recuar a 90,6% neste ano e depois seguir leve
tendência de alta.
O resultado pode não parecer tão
catastrófico, porém cumpre lembrar que o país já era o mais endividado entre os
principais emergentes. Além disso, a aparente estabilidade decorre do grande
impacto inflacionário nas receitas e no PIB.
A inflação alta traz consequências, como
juros mais altos (a taxa Selic deve chegar a 8,25% até o final do ano) que
encarecem a rolagem de títulos adiante. Se não houver retomada sustentada do
crescimento econômico, a matemática do passivo público poderá piorar
rapidamente.
O estudo também traz recomendações para que
os países consigam manter margem de manobra nos seus orçamentos para o combate
aos efeitos sociais da pandemia.
À diferença da interpretação ligeira de
sugestões por mais gastos, o que o organismo na verdade postula é que prudência
na gestão das contas é fundamental, principalmente nos países em que a política
econômica dispõe de baixa credibilidade, caso do Brasil.
Regras institucionais que reforcem a
confiança da sociedade de que não haverá descontrole das finanças no futuro são
condição necessária para que se possam manter gastos no presente.
A opção nuclear
Folha de S. Paulo
Europa faz debate necessário sobre
incentivo à energia contra mudança climática
Utilizada como fonte de energia civil desde
os anos 1950, a energia nuclear segue dividindo opiniões. Há quem a considere
perigosa pelos riscos de acidentes e contaminação de seus dejetos, enquanto
outros a veem como a chave para um futuro mais sustentável.
Como os casos de Three Mile Island (EUA,
1979), Tchernóbil (União Soviética, 1986) e Fukushima (Japão, 2011)
demonstraram, o potencial destrutivo é de fato enorme.
No maior produtor mundial, os EUA, são
processadas 2.000 toneladas anuais de lixo radioativo, que demoram décadas para
se tornarem inertes —ou até milênios, nos 3% mais enriquecidos do material.
Há fatores psicológicos: a energia nuclear
foi dominada inicialmente para construir a bomba atômica, e o impacto público
de grandes incidentes não pode ser desprezado.
Países como a Alemanha cancelaram seus
programas nucleares na esteira de Fukushima, por exemplo. O mundo, contudo,
voltou em 2020 ao patamar de produção de energia anterior à tragédia. Hoje, 10%
da eletricidade consumida no planeta vem de reatores nucleares.
Mais do que isso, as vantagens da matriz
ganham espaço no debate sobre as mudanças climáticas.
A energia nuclear é bastante limpa: sua
emissão de carbono é zero na geração, sendo limitada aos processos de mineração
e refino do urânio que usa como combustível.
Matrizes eólicas e solares são ainda
melhores, mas elas não têm o caráter de perenidade que um reator possui, além
de sujeitas ao humor dos ventos e das nuvens.
Sinal da força do argumento está na pujante
China, lar de 11 das 53 usinas em construção no mundo e que visa substituir as
poluidoras termelétricas a carvão.
Com isso, um
grupo de dez países pediu na semana passada que a União Europeia
chancele a energia nuclear com o selo verde do bloco, garantindo assim
incentivos tributários para sua expansão.
Não é casual que a França lidere o grupo:
além de tirar 70% de sua eletricidade do meio, o país tem uma indústria
desenvolvida de olho em novos mercados. Há aspectos geopolíticos: o continente
cada vez mais depende do gás natural vendido pela Rússia.
A iniciativa francesa é combatida por cinco
nações, encabeçadas pela Alemanha, que pedem o banimento da matriz nuclear do
bloco.
É ótimo que o debate ocorra e, se pautado pela ponderação científica, poderá ser de grande valia para o futuro da humanidade.
Economia dá novos sinais de perda de fôlego
Valor Econômico
Economia volta a convergir para a sua velha
tendência de expansão de longo prazo, sempre constrangida pelo limitado PIB
potencial
A atividade econômica deu novos sinais de
perda de fôlego em agosto, apesar do impulso no setor de serviços produzido
pela vacinação e o relaxamento no distanciamento social. Cada vez mais, o
desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) se defronta com os limites do lado da
oferta.
O Índice de Atividade Econômica do Banco
Central (IBC-Br), divulgado na sexta-feira, registra uma leve contração em
agosto, de 0,15%, ante julho. Também houve revisões nos dados estatísticos dos
dois meses anteriores, para pior. Esse é o indicador que autoridades de
Brasília, como o ministro Paulo Guedes, vêm destacando dentro da retórica de
que a economia brasileira teve uma volta rápida, em formato de “V”, depois do
choque da pandemia.
De fato, o desempenho até o primeiro
trimestre parecia promissor. Mas, a partir de então, passou a decepcionar.
Hoje, pelo IBC-Br, a economia brasileira está apenas 0,2% abaixo do nível de
fevereiro de 2020, quando foi atingida pela pandemia. A distância, no entanto,
é maior caso o indicador seja comparado com a trajetória de crescimento de
longo prazo da economia. As estimativas do Banco Central e do mercado
financeiro indicam que a recuperação cíclica se completará apenas em fins de
2022.
O setor de serviços se destaca como a
principal força de crescimento. A Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), divulgada
na quinta-feira, registra uma expansão de 16,7%, na comparação com agosto de
2020. O desempenho se deve sobretudo à reabertura da economia. É o caso dos
serviços prestados às famílias, cuja taxa de expansão mensal se acelerou de 2%
em julho para 4,1% em agosto. De abril para cá, o avanço salta aos olhos, com 50,4%.
A vacinação tem incentivado a população a consumir mais desses serviços.
Ainda assim, esse segmento de serviços
segue 17,4% abaixo dos níveis de antes da pandemia. Embora negativo, esse
número representa um alento: há espaço para a continuidade da expansão dos
serviços, conforme prossiga a tendência de relaxamento do distanciamento
social.
Já a indústria apresentou uma queda de 0,7%
em agosto. Esse foi o setor que reagiu primeiro, depois de atingido pela
pandemia, mas ultimamente perdeu ímpeto. Apresentou retração em seis dos
últimos oito meses, sentindo o impacto negativo da desorganização das cadeias
produtivas, que leva à falta de componentes, como eletrônicos. Os bens
duráveis, em particular, têm sido afetados, sobretudo a produção de automóveis,
mas a perda de dinamismo inclui ainda segmentos como eletrodomésticos e
mobiliários.
A crise de energia também pesa na atividade
industrial, além da alta nos preços internacionais de combustíveis. Do lado da
demanda, a reorientação do consumo aos serviços tende a reduzir a procura por
bens industriais. Restrições no lado da oferta poderão se mostrar um problema,
como o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) em um patamar
historicamente alto.
A queda de 2,5% nas vendas do comércio em
agosto é um outro dado desfavorável. A taxa de desemprego segue elevada e, com
as altas de juros básicos, tende a cair mais devagar. A renda real da
população, por outro lado, está sendo corroída pela inflação de dois dígitos.
Os financiamentos às famílias tendem a perder um pouco do vigor, devido ao
aperto monetário e ao alto nível de endividamento. Além disso, caiu o nível de
confiança dos consumidores.
Os investimentos poderiam fazer a diferença
no momento atual, mas há desafios importantes. O alto Nuci, na teoria, deve
levar as empresas a desengavetar projetos de expansão. Mas, de novo, os juros
mais altos e a desaceleração no consumo doméstico podem servir como um freio,
embora a demanda externa siga favorável, com a alta de preços de commodities.
As incertezas fiscais seguram o espírito animal do empresariado.
Em suma, vários motores importantes da
recuperação cíclica da economia estão perdendo força. Depois de um crescimento
que, por algum tempo, acreditou-se que poderia passar de 5% neste ano,
caminhamos para uma taxa de expansão menor do que 2% no ano que vem. Nesse
ritmo, a economia volta a convergir para a sua velha tendência de expansão de
longo prazo, sempre constrangida pelo limitado PIB potencial. Depois de aprovar
algumas reformas importantes, como a trabalhista e a previdenciária, o Brasil
precisa recuperar o foco em uma agenda ambiciosa e consistente o suficiente
para ampliar os investimentos e a produtividade.
Desesperança
O Estado de S. Paulo
Cresce o número de brasileiros desesperançados que buscam uma vida digna em outros países
A imigração é uma faceta indissociável da identidade nacional. No século 19, à matriz de indígenas e descendentes de africanos e portugueses juntaram-se outras comunidades europeias, como alemães e italianos, acrescidas, no século 20, de imigrantes de partes mais distantes do mundo, como Síria, Líbano ou Japão. A partir da década de 60, o País deixou de ser um vasto celeiro de imigrantes e passou a exportar trabalhadores. Mas, então, a população ainda era jovem e as taxas de natalidade eram altas. As projeções para o século 21 são de que ela envelhecerá e encolherá. Mais do que nunca, seria o momento de implementar políticas para reter os brasileiros e estimular a imigração. Mas o que se vê é o contrário: o Brasil não só é cada vez menos atraente aos estrangeiros, como a fuga de brasileiros está se acentuando a níveis dramáticos.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o número de
brasileiros morando no exterior cresceu 35% na última década. Em 2010,
eram 3,1 milhões. Em 2020, 4,2 milhões. O levantamento revela que o crescimento
se concentrou nos últimos anos da década. Entre 2018 e 2020, a população de brasileiros
morando fora do País teve acréscimo de 625 mil pessoas.
Em junho, o estudo Atlas das Juventudes, coordenado por várias entidades em
parceria com a FGV Social, diagnosticou que, entre os jovens de 15 a 29 anos,
47% desejavam sair do Brasil, caso tivessem oportunidade. Segundo a
pesquisa Broken-System Sentiment in 2021, realizada pela consultoria
Ipsos em 25 países, a sociedade brasileira está no topo do ranking mundial de
desalento. Para 69% dos brasileiros entrevistados, o Brasil é um país “em
declínio”.
A desesperança parece se espraiar por todas
as faixas etárias e sociais. É cada vez mais comum brasileiros de classe média
e alta fugindo da violência para países como Portugal. A “fuga de cérebros”
também se acentuou em meados da década. Só em 2020, os vistos de permanência
nos EUA aos chamados “profissionais excepcionais” brasileiros cresceram 36% –
enquanto os demais vistos caíram 48%.
A pandemia agravou o mal-estar. Entre
outubro de 2020 e agosto de 2021, 47 mil migrantes brasileiros foram detidos na
fronteira dos Estados Unidos com o México. É mais do que a soma dos 14 anos
anteriores, quando 41 mil tentaram cruzar a fronteira. Isso mesmo com todas as
dificuldades impostas pela pandemia. Historicamente, 90% dos brasileiros sem
documentação ingressavam nos EUA com visto de turista e ficavam no país. Sem o
recurso do visto de turista, os brasileiros passaram a enfrentar os riscos
mortais das rotas ilegais, combinando vias terrestres, aéreas e marítimas. E
isso a um custo muito mais alto.
Como mostrou reportagem do Estado, na
rede mineira de “coiotes” – os criminosos que vendem a possibilidade de entrada
ilegal nos EUA –, por exemplo, cobra-se R$ 40 mil por pessoa na modalidade “sem
seguro” e R$ 80 mil “com seguro”. Com seguro, o migrante dá um valor de entrada
e, se não conseguir ficar nos EUA, não paga mais nada. Sem seguro, seja qual
for o resultado, fica-se com a dívida.
Por outro lado, as recentes ondas de imigrantes
recebidas pelo Brasil decorrem muito menos da esperança de criar uma família e
desenvolver uma carreira no Brasil do que do desespero em relação aos seus
países. É ele que motiva as dezenas de milhares de bolivianos, venezuelanos e
haitianos que vêm buscando refúgio no Brasil.
Esses dados mostram uma triste reversão. O
Brasil – em que pese as cicatrizes de seu passado escravocrata – é uma das
maiores democracias multiétnicas do mundo, só comparável aos EUA em
diversidade. Mas o seu grau de miscigenação é incomparável. Na era da
globalização, esse deveria ser um ativo para atrair cada vez mais estrangeiros,
ampliando continuamente a riqueza da pluralidade. Mas, longe de ser um País
acolhedor aos estrangeiros, o Brasil gera cada vez mais desesperança em seus
próprios cidadãos. Às vésperas de novas eleições nacionais, esse mal-estar
deveria motivar um profundo exame de consciência por parte de todos os
brasileiros, em especial daqueles que se propõem a liderar o País.
A lei penal muito mal aplicada
O Estado de S. Paulo
Severidade desmedida e impunidade são
expressões de um mesmo fenômeno
É frequente e generalizada a crítica à
impunidade. Haveria no País uma baixíssima aplicação da lei penal, o que
diminuiria – ou mesmo eliminaria – seu efeito dissuasivo. A quase certeza da
impunidade seria um dos fatores para os altos índices de criminalidade. Não há
dúvida de que, por diversas razões, muitos crimes ficam impunes, o que reduz a
finalidade preventiva da lei penal.
No entanto, há também muitos casos de uma aplicação
exagerada da lei, em que o braço penal do Estado recai, sem nenhuma
proporcionalidade, contra determinados cidadãos – quase sempre, pobres e
pretos. Essa desmedida severidade é resultado de uma específica interpretação
da legislação penal e processual penal, que, a rigor, não tem nada de técnica
ou mesmo jurídica, pois trata os fatos – e, não raro, a própria lei – com
incrível superficialidade.
Recentemente, a prisão de uma mãe de cinco
crianças chocou o País. Vivendo em situação de rua em São Paulo há mais de dez
anos, a mulher foi presa em flagrante pelo furto de dois pacotes de macarrão
instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó – produtos avaliados em R$
21,69. No momento da prisão, ela disse aos policiais que pegou os alimentos
porque estava com fome.
A juíza responsável pelo caso converteu a
prisão da mulher em preventiva, para “garantia da ordem pública”. Segundo a
magistrada, a conduta expressava “acentuada reprovabilidade, eis que estava a
praticar crime patrimonial”.
A possibilidade de prisão domiciliar foi
negada. “Não há indicação precisa de endereço residencial fixo que garanta a
vinculação ao distrito da culpa, salientando-se que a autuada declarou estar em
situação de rua, denotando que a cautela é necessária para a conveniência da
instrução criminal e de eventual aplicação da lei penal, nem de atividade
laboral remunerada, de modo que as atividades ilícitas porventura sejam fonte
ao menos alternativa de renda (modelo de vida), pelo que a recolocação em
liberdade neste momento (de maneira precoce) geraria presumível retorno às vias
delitivas, meio de sustento”, disse a juíza na decisão.
Submetida ao exame do Tribunal de Justiça
de São Paulo (TJSP), a decisão de primeira instância foi mantida. O órgão de
controle entendeu que a lei foi corretamente aplicada no caso. “Embora triste a
situação, impossível se negar a periculosidade avaliada em face da real e
intensa culpabilidade da agente”, disse o relator, desembargador Farto Salles.
Ao indeferir por unanimidade o habeas
corpus impetrado pela Defensoria Pública, a 6.ª Câmara de Direito Criminal do
TJSP entendeu que o princípio da insignificância não poderia ser aplicado ao
furto de R$ 21,69, em razão da reincidência. Em outro processo, a mulher tinha
sido condenada pelo furto de desodorantes.
Duas semanas depois da prisão, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento do inquérito policial e
revogou a medida restritiva de liberdade. Segundo o ministro Joel Ilan
Paciornik, a “lesão ínfima ao bem jurídico e o estado de necessidade da mulher
não justificam o prosseguimento do inquérito policial”. Além disso, um furto de
alimentos, naquele valor, não preenchia os requisitos mínimos para ser
enquadrado como crime.
Oxalá essa história absurda – duas
instâncias da Justiça consideram que o furto de alimentos no valor de R$ 21,69
é motivo suficiente para levar uma mãe à prisão – fosse exceção. Infelizmente
não o é, especialmente no Estado de São Paulo. Com contumaz reincidência, o
TJSP aplica a lei penal e processual penal à revelia da jurisprudência das
Cortes Superiores, com um entendimento desarticulado do Direito e uma
apreciação muito peculiar dos fatos.
O mesmo tribunal que manteve a prisão da
mãe que furtou comida foi o que extinguiu a condenação pelo júri popular dos 74
policiais envolvidos no massacre do Carandiru. Depois, o STJ restaurou a
condenação. Pode parecer paradoxal, mas severidade desmedida e impunidade são
expressões de um mesmo fenômeno: o da lei que se curva à vontade, em vez de a
vontade se submeter à lei.
Legalizar jogos seria decisão mais sensata
O Globo
No mês passado, o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), criou um grupo de trabalho para analisar o PL 442/91, que
estabelece o Marco Regulatório dos Jogos no Brasil. O objetivo é atualizar a
proposta, aprovada numa comissão especial há cinco anos, sem ter ido a plenário
até hoje. A demora não é casual, mas fruto de pressões de bancadas religiosas.
A simples formação do grupo de trabalho desperta reações apaixonadas sobre um
assunto que precisa ser encarado com racionalidade, especialmente tratando-se
de um Estado laico.
Os jogos de azar foram proibidos no Brasil
em 30 de abril de 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra. As justificativas
dadas à época sugerem que a decisão foi tomada mais por razões religiosas,
ideológicas e de costumes que por motivos racionais. Em sete décadas e meia,
jogos nunca saíram de cena, apenas se esconderam atrás das cortinas. Alguém
realmente acredita que não há jogatina no Brasil? Basta uma caminhada pelas
ruas do Rio para deparar com apontadores do jogo do bicho — alguns nem fazem
cerimônia em instalar seus pontos nas imediações de delegacias. As roletas
clandestinas giram como nunca. Máquinas caça-níqueis fazem a fortuna de foras
da lei. E o avanço digital permite que apostas sejam feitas de qualquer lugar,
inclusive do Brasil, longe do alcance do Estado — e sem pagar impostos.
Em artigo no GLOBO, os deputados João
Bacelar (Podemos-BA) e Felipe Carreras (PSB-PE), que integram o grupo de
trabalho da Câmara, afirmam que o jogo ilegal no Brasil movimenta mais de R$ 27
bilhões por ano, superando em quase 60% os oficiais, que geram R$ 17,1 bilhões.
“O debate é essencial para amadurecer e criar uma legislação que permita aos
cidadãos exercer seu desejo de jogar, mas sob os olhos atentos do Estado, com
regras claramente definidas e efetivamente aplicadas”, dizem os parlamentares.
De acordo com dados apresentados nas
audiências na Câmara, a legalização dos jogos poderia gerar cerca de 200 mil
novos empregos e formalizar outros 450 mil, números nada desprezíveis numa
economia fragilizada. Estima-se que seriam arrecadados cerca de R$ 22 bilhões
por ano em tributos e R$ 7 bilhões com outorgas de cassinos. Sem falar que a
regulamentação teria grande impacto no turismo, setor no mundo inteiro
devastado pela pandemia.
Nos Estados Unidos, onde há mais de mil
cassinos espalhados por 40 estados, a indústria gera 1,7 milhão de empregos e
concentra um negócio colossal de US$ 240 bilhões. Além dos EUA, países como
China, Índia, Alemanha, Japão, França, Itália, Reino Unido, Canadá e Austrália
legalizaram os jogos e os mantêm sob supervisão do Estado.
É fato que, no Brasil, apesar de proibido, o jogo corre solto. Sites hospedados fora do país oferecem apostas a qualquer um, inclusive a brasileiros. Portanto o mais certo é regular o setor, para que haja controle rigoroso. Existem modelos bem-sucedidos, como cassinos localizados em locais selecionados, acoplados a resorts, para incentivar o turismo, como em Cingapura. Parte dos impostos arrecadados com a atividade poderia ser destinada ao combate ao vício e ao jogo ilegal — hoje não falta tecnologia para supervisioná-lo — e a campanhas de conscientização. Seria mais sensato legalizar o jogo eletrônico e projetos de cunho turístico do que continuar apostando na hipocrisia, fingindo que a jogatina não existe.
Volta das aulas presenciais se impõe com o
declínio da pandemia no país
O Globo
É alentadora a notícia sobre a retomada, a
partir de hoje, das aulas presenciais na rede estadual de São Paulo, a maior do
país, com mais de 5 mil escolas e 3,5 milhões de alunos. Na semana passada, o
governo paulista determinou a volta de 100% dos estudantes, após um ano e meio
de escolas fechadas ou funcionando em esquema híbrido. Apenas adolescentes com
comorbidades que ainda não estão totalmente vacinados, grávidas e puérperas
poderão permanecer em casa. A decisão vale para as escolas estaduais, já que as
prefeituras poderão definir como adotá-la nas unidades municipais, e os
Conselhos de Educação darão a palavra sobre estabelecimentos privados.
Espera-se que a diretriz seja seguida por todos.
A volta das aulas presenciais foi
autorizada em 14 das 27 unidades da Federação. Além de São Paulo, Amazonas,
Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Piauí, Pará, Paraná e Santa Catarina já retomaram as
atividades presenciais ou marcaram data para a volta de todos os alunos.
Claro que, devido ao estrago perpetrado
pela pandemia, às decisões equivocadas de manter escolas fechadas por longo
tempo — que só agravaram a situação —, à falta de planejamento das Secretarias
de Educação e aos problemas crônicos do ensino, o retorno não será feito num
passe de mágica. Estima-se que, em São Paulo, apenas 24% das escolas estejam em
condições de receber de imediato 100% dos alunos. Em razão dos protocolos de
distanciamento, que impedem a ocupação plena das salas, a maior parte ainda
terá de funcionar com rodízio, pelo menos até que o distanciamento seja
suspenso — o que deverá ocorrer no mês que vem.
A volta das aulas presenciais é medida
sensata diante do avanço da vacinação em todo o país e do consequente declínio
da epidemia. Depois de nove meses de uma claudicante campanha de imunização,
refreada pela falta de doses e pelos arroubos antivacina do presidente Jair
Bolsonaro, o país chegou, na última quarta-feira, à marca de 100 milhões de
brasileiros com o esquema vacinal completo. Embora os números variem de um
estado a outro, no país como um todo mais de 70% já receberam ao menos a primeira
dose, e quase 50% completaram a vacinação. Os percentuais estão ainda longe do
ideal, mas é visível o impacto na queda de hospitalizações e mortes.
Lamenta-se que se tenha levado tanto tempo
para tomar medida tão necessária quanto a volta às aulas presenciais. E que
ainda não seja realidade em quase metade das unidades da Federação. Não há por
que adiá-la mais. Espera-se que o MEC e as Secretarias de Educação tenham
aprendido com o erro de fechar escolas enquanto a maior parte das atividades
permanecia aberta na pandemia — o Brasil foi um dos países em que elas passaram
mais tempo inoperantes. Agora é hora de acolher os alunos, seguindo,
obviamente, todos os protocolos sanitários; ir atrás dos que não voltarem;
inventariar os danos — que não são irrelevantes — e planejar como repor todas
as perdas. O desafio está apenas começando.
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