quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Vinicius Torres Freire - Comida salgada na eleição 2022

Folha de S. Paulo

Preço dos alimentos deve subir menos, mas perda de renda com a inflação deve durar anos

O preço da comida deve aumentar menos em 2022. A safra de grãos deve crescer uns 14%, na previsão oficial, o que tende a conter a carestia de alimentos industrializados e carnes. Choveu a tempo neste ano, o que também ajudou a evitar o colapso da produção de eletricidade, diga-se de passagem. Não ocorreram, até agora, problemas climáticos, por aqui e pelo mundo, como na safra 2020/2021.

É um resumo de relatório dos economistas do Bradesco, que prevê alta de 4,5% dos preços da comida em 2022. No entanto, comida não é apenas soja e milho; o arroz fica mais barato, mas a safra de trigo aqui e lá fora não foi boa. Etc. O preço dos fertilizantes triplicou neste ano, pode ser ruim no que vem. A taxa de câmbio estacionou em nível alto. As perspectivas melhoraram, mas a vida no campo é incerta.

É um refresco muito parcial. Até outubro deste ano, a inflação anual da comida estava em 13,3%. Ou seja, a velocidade dos aumentos talvez seja menor, mas o preço continuará salgado, ainda mais porque os salários, na média, estão perdendo da inflação.

De agosto de 2019 até agosto de 2021, dado mais recente, o rendimento médio do trabalho aumentou 7,1% (em termos nominais: sem descontar a inflação, dado calculado na Pnad do IBGE para o trimestre encerrado nesses agostos). A inflação geral (IPCA) acumulada nesses dois anos foi de 12,4%. A inflação da comida, de 24%.

Ou seja, o rendimento médio real (descontada a inflação) caiu. Ficou ainda menor para quem gasta mais em comida (os mais pobres, quando têm para gastar). Com base nos dados do IBGE, o salário médio real caiu 3,4% nesse período.

A perspectiva para o rendimento do trabalho, "salários", no ano que vem é ruim. Nos anos entre a recessão de 2015-2016 e a epidemia (2020), o salário médio aumentou 1,5% ao ano, em termos reais (além da inflação). O ano de 2022 está longe, é uma incerteza, mas incerteza com o pé atolado na lama. Se o rendimento real do trabalho crescer 2%, será um sucesso milagroso. Mas não será suficiente para recuperar a perda média em relação a 2019.

Isto quer dizer que a inflação, mesmo menor em 2022, terá efeitos duradouros no poder de compra, dos mais pobres em particular.

Ainda há dúvida sobre o tamanho da queda da taxa de inflação em 2022. Neste ano, a alta do IPCA deve ser de uns 10%. Para o ano que vem, as previsões se aproximam de 5%, com tendência de alta. Mas esses chutes informados costumam estar errados, se por mais não fosse porque ocorrem choques, acontecimentos relevantes inesperados.

Para começar, não sabemos quão eficaz vai ser a política monetária. Isto é, em quanto a alta de juros vai ser capaz de conter a inflação. A dúvida é maior porque a economia brasileira tem mudado muito nesta quase década de crise e de outras alterações.

Além do mais, não sabemos o que vai ser do preço da eletricidade, que daqui até o ano que vem depende essencialmente de chuva. O preço da energia em geral depende do inverno no Hemisfério Norte, do fornecimento de gás russo para a Europa, do que a Opep vai fazer com os preços do petróleo etc.

Não sabemos se o abastecimento de matérias primas, peças e partes para a indústria mundial vai voltar a perto do normal em meados do ano que vem, segundo a nova previsão (a deste ano, furou).

Não sabemos o que será da taxa de câmbio. Uma bolsonarada qualquer chuta o preço do dólar para o alto. Uma campanha eleitoral complicada pode piorar a situação.

A inflação e a fila dos desesperados do Auxílio Brasil vão ou podem ser dois assuntos maiores da eleição. Mas a gente está ocupada de temas que rendem "tretas" de Twitter.

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