Folha de S. Paulo
Preço dos alimentos deve subir menos, mas
perda de renda com a inflação deve durar anos
O preço
da comida deve aumentar menos em 2022. A safra
de grãos deve crescer uns 14%, na previsão oficial, o que tende a
conter a carestia de alimentos industrializados e carnes. Choveu a tempo neste
ano, o que também ajudou a evitar
o colapso da produção de eletricidade, diga-se de passagem. Não ocorreram,
até agora, problemas climáticos, por aqui e pelo mundo, como na safra
2020/2021.
É um resumo de relatório dos economistas do
Bradesco, que prevê alta de 4,5% dos preços da comida em 2022. No entanto,
comida não é apenas
soja e milho; o arroz fica mais barato, mas a safra de trigo aqui e lá
fora não foi boa. Etc. O preço dos fertilizantes triplicou neste ano, pode ser
ruim no que vem. A taxa de câmbio estacionou em nível alto. As perspectivas
melhoraram, mas a vida no campo é incerta.
É um refresco muito parcial. Até outubro deste ano, a inflação anual da comida estava em 13,3%. Ou seja, a velocidade dos aumentos talvez seja menor, mas o preço continuará salgado, ainda mais porque os salários, na média, estão perdendo da inflação.
De agosto de 2019 até agosto de 2021, dado
mais recente, o rendimento médio do trabalho aumentou 7,1% (em termos
nominais: sem
descontar a inflação, dado calculado na Pnad do IBGE para o trimestre
encerrado nesses agostos). A inflação geral (IPCA) acumulada nesses dois anos
foi de 12,4%. A inflação da comida, de 24%.
Ou seja, o rendimento médio real
(descontada a inflação) caiu. Ficou ainda menor para quem gasta mais em comida
(os mais pobres, quando têm para gastar). Com base nos dados do IBGE, o salário
médio real caiu 3,4% nesse período.
A perspectiva para o rendimento do
trabalho, "salários", no ano que vem é ruim. Nos anos entre a
recessão de 2015-2016 e a epidemia (2020), o salário médio aumentou 1,5% ao
ano, em termos reais (além da inflação). O ano de 2022 está longe, é uma
incerteza, mas incerteza com o pé atolado na lama. Se o rendimento real do
trabalho crescer 2%, será um sucesso milagroso. Mas não será suficiente para
recuperar a perda média em relação a 2019.
Isto quer dizer que a inflação, mesmo menor
em 2022, terá efeitos duradouros no poder
de compra, dos mais pobres em particular.
Ainda há dúvida sobre o tamanho da queda da
taxa de inflação em 2022. Neste ano, a alta do IPCA deve ser de uns 10%. Para o
ano que vem, as previsões se aproximam de 5%, com tendência de alta. Mas esses
chutes informados costumam estar errados, se por mais não fosse porque ocorrem
choques, acontecimentos relevantes inesperados.
Para começar, não sabemos quão eficaz vai
ser a política monetária. Isto é, em quanto a alta de juros vai ser capaz de
conter a inflação. A dúvida é maior porque a economia brasileira tem mudado
muito nesta quase década de crise e de outras alterações.
Além do mais, não sabemos o que vai ser do
preço da eletricidade,
que daqui até o ano que vem depende essencialmente de chuva. O preço da energia
em geral depende do inverno no Hemisfério Norte, do fornecimento de gás russo
para a Europa, do que a Opep vai fazer com os preços do petróleo etc.
Não sabemos se o abastecimento de matérias
primas, peças e partes para a indústria mundial vai voltar a perto do normal em
meados do ano que vem, segundo a nova previsão (a deste ano, furou).
Não sabemos o que será da taxa de câmbio.
Uma bolsonarada qualquer chuta o preço do dólar para o alto. Uma campanha
eleitoral complicada pode piorar a situação.
A inflação e a fila dos desesperados do Auxílio Brasil vão ou podem ser dois assuntos maiores da eleição. Mas a gente está ocupada de temas que rendem "tretas" de Twitter.
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