Folha de S. Paulo
A volta de um Moro antibolsonarista é
sintoma do desgaste do ex-capitão
Sergio Moro vem aí.
Deu o aviso de seu regresso ao Brasil e à política na cerimônia em que assinou
a ficha do Podemos e fez praça de discursar para o país, anunciando que está de
volta para retomar a cruzada contra a corrupção e combater a "degeneração
da vida pública" promovida pelos que colocam "interesses pessoais e
partidários" acima de tudo.
Sua fala o situa na mais autêntica tradição
da direita populista que, de tanto em tanto, irrompe na cena nacional, de
espada em punho contra os partidos e todo o sistema político: Jânio Quadros com
sua vassourinha para "varrer a bandalheira"; Fernando Collor de Mello
denunciando os "marajás"; e, por último, Jair Bolsonaro esbravejando
"contra tudo isso daí".
Variando em torno do mesmo tema,
apresentaram-se como não políticos, embora tivessem todos longas carreiras
durante as quais pularam de legenda em legenda conforme, aí sim, seus
"interesses pessoais e partidários".
Foram sobretudo hábeis em explorar o desamparo dos eleitores e sua descrença em governos e siglas. A corrupção na política —que realmente existiu, existe e desnatura a democracia— tem enorme potência simbólica e apelo eleitoral. Aos olhos das gentes, escancara a imensurável distância entre as oportunidades e formas de vida das elites políticas e as do cidadão comum.
Não se conhecem medidas efetivas de
qualquer espécie para combater esse grande mal da política que tenham sido
tomadas pelos cruzados da fronda anticorrupção alçados ao poder. E é sintomático
que, depois de tanto tempo dedicado à tarefa, Sergio Moro, nos 49 minutos de
sua alocução, não tenha apresentado uma única ideia valiosa sobre o que faria
caso lhe fosse dada a oportunidade de agir —a não ser retomar a controversa
proposta de prisão para os condenados em segunda instância.
A retórica da antipolítica, embelezada pela
denúncia da corrupção supostamente generalizada na vida pública, é boa para
ganhar votos, mas inútil para criar capacidade de governar. Não por acaso foram
abreviados os mandatos de Quadros e Collor, enquanto Bolsonaro permanece porque
arrimado no que de pior nosso sistema político produziu.
É sintoma do desgaste do ex-capitão que
venha perdendo apoio entre aqueles que, por oportunismo eleitoral em estado
bruto ou rejeição ao PT, contribuíram para elegê-lo. A volta de um Moro
antibolsonarista —de fala mansa e propostas frouxas— é disso a melhor prova.
Mas que tenha voltado para ser mais um populista com redação própria diz muito
sobre a qualidade da nova liderança de direita que o ex-juiz aspira a exercer.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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