Folha de S. Paulo
Propaganda renova guerra cultural para
escapar de notícias ruins em outras áreas
Eduardo Pazuello produziu uma pérola em seu
depoimento à CPI da Covid, em maio. Quando senadores perguntaram sobre a ordem
de Jair Bolsonaro para cancelar a compra da Coronavac, o ex-ministro disse
que aquela
tinha sido só uma "posição de internet", sem prejuízos para a
vacinação. Nem o presidente deve ter acreditado no papo do general.
Bolsonaro gosta de jogar para a plateia e comanda um governo movido a incompetência pura. Mas também sabe acionar os botões da máquina de destruição operada por seus subordinados –tanto que, horas depois da "posição de internet" sobre a Coronavac, o número dois do Ministério da Saúde anunciou que não havia acordo para adquirir a vacina.
As tentativas de interferência no Enem
seguem esse mesmo processo. Assim que foi eleito, Bolsonaro avisou que cortaria
do exame questões ligadas a temas de sexualidade e gênero. Acrescentou que
faria isso porque o governo passaria a "tomar
conhecimento da prova antes".
O presidente apertou a tecla. No início do
mandato, uma comissão vetou perguntas consideradas sensíveis, e o exame deixou
de abordar a ditadura militar pela primeira vez desde 2009. Depois, o órgão
responsável pelo Enem propôs a criação de um tribunal para analisar a adequação
da prova a "valores morais".
Nas últimas semanas, servidores dizem ter
sofrido pressão para alterar o exame deste ano. Bolsonaro alegou que a prova
era um instrumento de "ativismo político" e que as questões passariam
a ter "a cara do governo". O pastor Milton Ribeiro, ministro da
Educação, negou
que tenha recebido "ordem de cima" para fazer uma devassa
ideológica no Enem. Nem precisava.
A educação é o campo de batalha favorito de
Bolsonaro em sua guerra cultural. Quando precisa escapar de notícias ruins e
animar sua base, o presidente espalha desinformação sobre escolas e faz
investidas políticas contra universidades. Com a economia patinando, ele deve
renovar seu rol de absurdos nessa área para reconquistar o voto conservador.
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