Correio Braziliense
Não será surpresa se a próxima investida do
ex-presidente Lula for em direção à China. O paradigma a ser considerado são as
excelentes relações com a Argentina, a Venezuela, a Nicarágua e Cuba
A viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula
Silva à Europa está sendo um sucesso. O petista foi recebido calorosamente em
todos os lugares, com destaque para a ovacionada passagem pelo Parlamento
Europeu, no qual falou como um player da política mundial e foi aplaudido de
pé, e pela pomposa recepção de chefe de Estado que lhe foi oferecida pelo
presidente francês Emmanuel Macron, desafeto do presidente Jair Bolsonaro, no
Palácio do Eliseu, em Paris. No domingo, em Berlim, Lula havia se reunido com o
futuro primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, do SPD (partido social-democrata
alemão), que articula o novo governo, como sucessor da chanceler Angela Merkel.
Lula aproveitou-se do enorme distanciamento existente entre o presidente Jair Bolsonaro e a maioria dos líderes do Ocidente. De certa forma, com suas duras críticas ao atual governo brasileiro e o lastro de um veterano na diplomacia presidencial, o petista se recolocou na cena política mundial como vítima de perseguições políticas e grande líder democrata do país, para aprofundar o isolamento internacional de Bolsonaro, cuja eleição, em 2018, se deu num cenário completamente diferente. Àquela época, o presidente norte-americano Donald Trump; o ministro do Interior italiano Matteo Salvini; o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o primeiro-ministro húngaro Victor Orban, o único que permanece no cargo (desde 2010), eram as referências de Bolsonaro na política internacional.
Tudo mudou, mas engana-se quem imagina que
a política externa de Bolsonaro passou por alteração profunda. Perdeu o
histrionismo e a narrativa reacionária e rebuscada do ex-chanceler Ernesto
Araújo, chauvinista e bolsonarista-raiz. O novo chanceler Carlos Alberto Franco
França, mais sofisticado e competente, opera de forma mais suave um novo eixo
de relações reacionárias, mas que são modelos de modernização autoritária dos
mais eficientes da atualidade, como ficou evidente nessa viagem de mascate aos
emirados de Dubai, do Bharein e do Catar. São países que operam um modelo
econômico capitalista pós-economia do petróleo, em bases tecnologicamente avançadas,
porém, alicerçadas em sistemas políticos autocráticos, muito repressivos,
injustos do ponto de vista social e reacionários quanto aos costumes.
A corrida mundial
Um modelo completamente diferente do estado
de bem-estar social construído na Europa de pós-guerra, com base na democracia
representativa, que enfrenta uma crise de representação desde a década de 1980,
mas que sobreviveu a todas as tempestades econômicas e políticas até agora,
quando nada porque a memória de duas guerras mundiais, em particular do
Holocausto, não foi olvidada. Quando Lula fala da necessidade de governança
mundial para enfrentar a questão ambiental e as desigualdades sociais e
nacionais, isso é música para a União Europeia. Ao contrário, quando Bolsonaro
afirma que o Brasil vai muito bem, obrigado, e faz contrainformação ao falar da
nossa economia e da Amazônia, declara guerra à opinião pública europeia, cada
vez mais influente nessas questões.
Existe uma corrida mundial para reinventar
o Estado, em função das aceleradas mudanças tecnológicas que ocorrem no
planeta. Países asiáticos, como China e Cingapura, lideram essa corrida,
enquanto as democracias ocidentais patinam na aprovação e execução de reformas
com objetivo de acompanhar o desenvolvimento econômico desses países. Na
mudança de eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico, cuja
hegemonia é disputada pelos Estados Unidos e pela China, as autocracias do
Oriente Médio, principalmente do Golfo Pérsico, passaram a ter uma posição
ainda mais estratégica, em termos de logística e operações financeiras.
É natural que o Brasil esteja conectado às
economias desses países árabes, como grande produtor de commodities de
alimentos e minerais, e que também procure aumentar a complexidade da nossa
balança comercial, exportando também produtos industrializados nos quais ainda
temos competitividade, como é o caso dos aviões fabricados pela Embraer. Mas
esse não pode ser o eixo principal da nossa política externa, pois,
historicamente, estamos no campo das democracias do Ocidente, ainda que
tenhamos passado por ciclos autoritários de 1930 a 1945 (Vargas) e de 1964 a
1985 (regime militar).
O fato de a China ser o principal parceiro
comercial do Brasil é uma contradição em termos, porque o pragmatismo da
diplomacia de Pequim releva as diferenças ideológicas e políticas, ainda que
elas existam e sejam profundas. Nesse aspecto, Bolsonaro também abre o flanco
para o ex-presidente Lula, ao espicaçar o governo chinês regularmente, como se
o gigante asiático dependesse mais de nós do que nós dependemos dele, o que não
é o caso. Os sinais de que o presidente Xi Jinping “replanteou” a política
chinesa em relação ao Brasil de Bolsonaro são mais evidentes. Não será surpresa
se a próxima investida do ex-presidente Lula na política internacional for em
direção à China. O paradigma a ser considerado são as suas excelentes relações
com os governos da Argentina, da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba.
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