sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

PIB no chão

Folha de S. Paulo

Economia tem novo trimestre ruim e projeta, quando muito, alta medíocre em 2022

A economia está estagnada, com risco considerável de quedas recorrentes de produção e renda —vale dizer, do Produto Interno Bruto— nos próximos trimestres.

O desempenho do ano de 2022 ainda é uma incógnita, mas as possibilidades estão limitadas por deficiências crônicas, pela alta dos juros, pela inflação e por incertezas agravadas em razão do eleitoral.

Ainda que o PIB viesse a se expandir em 0,5% a cada trimestre a partir do final deste 2021, o ano que vem terminaria com um crescimento de apenas 1,5%, similar à média de 2017 a 2019.

Ou seja, em uma hipótese agora otimista, a economia voltaria àquele mesmo padrão de desempenho menos do que medíocre.

Tal perspectiva tornou-se mais clara com a divulgação do resultado do PIB de julho a setembro, uma contração de 0,1%. Ao longo de 12 meses, o produto avançou 3,9%. Ao final de 2021, terá aumentado o bastante para compensar as perdas do ano de maior impacto econômico da epidemia, 2020. Mas a recuperação rápida teve fim no primeiro trimestre deste ano.

Os números ruins desde então se devem também a choques diversos, mais ou menos circunstanciais. A inflação corroeu o rendimento do trabalho e minou a confiança dos consumidores.

Parte da elevação aguda e persistente dos preços decorreu de fatores externos, no entanto agravados pela desvalorização do real, provocada pelo tumulto institucional e pela perspectiva de nova escalada da dívida pública.

A consequente alta de juros e as convulsões domésticas derrubaram também o ânimo das empresas de investir. A escassez mundial de insumos industriais teve seu peso no terceiro trimestre seguido de decréscimo da produção do setor.

A seca elevou os preços de energia e provocou uma grande retração na produção agrícola, motivo circunstancial forte do recuo do PIB.

O setor de serviços ainda mostrou recuperação razoável no período. Assim pode prosseguir, a depender das vicissitudes da epidemia. As perspectivas para a safra no momento são positivas.

É possível que estados e municípios apliquem seus caixas bem fornidos em obras. Pode haver surpresas positivas na crise hídrica elétrica e no choque mundial de energia, o que traria alívio para a inflação, ainda que tardio.

No entanto, mesmo que 2022 ainda possa vir a ser menos negativo do que ora se prevê, juros e inflação altos vão cobrar seu preço. Caso se confirme esse cenário de estagnação, também devem desacelerar de modo relevante as melhorias no nível de emprego.

Não há muito mais o que fazer a não ser evitar degradação maior e ainda mais conturbação da política econômica. Candidaturas presidenciais responsáveis podem ajudar a conter danos com planos coerentes e politicamente viáveis.

De volta em Honduras

Folha de S. Paulo

Com Xiomara Castro, esquerda retoma o poder no país após golpe de 12 anos atrás

Salvar para Mesmo sem a totalidade das urnas apuradas, a eleição presidencial de Honduras, tudo leva a crer, já está decidida. Na terça (30), o Partido Nacional, que comanda o país, reconheceu a derrota para Xiomara Castro, que lidera a votação por margem expressiva de Mais do que um retorno da esquerda ao poder hondurenho, a vitória de Castro representa o regresso dela e de seu marido, Manuel Zelaya, ao lugar de onde foram defenestrados 12 anos atrás.

Em junho de 2009, um golpe de Estado depôs Zelaya, e o casal terminou expulso do país. De volta a Honduras às escondidas, em setembro, o ex-presidente viveu por quatro meses na representação diplomática do Brasil, à época governado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), até embarcar para a República Dominicana com um salvo-conduto expedido pelo novo governo.

Por todo esse passado, foram sem dúvida auspiciosas as primeiras palavras de Castro, prometendo um governo de reconciliação. "Estendo a mão a meus opositores porque não tenho inimigos", disse.

O gesto de paz da virtual futura presidente constitui um bom começo para alguém que nos próximos anos enfrentará um desafio sem dúvida titânico.

Castigada pela pandemia e por dois furacões, a economia da nação caribenha recuou em 2020 nada menos que 9%. A derrocada econômica agravou a crônica crise social hondurenha. O Banco Mundial prevê que o país centro-americano, onde 36% da população se encontra na indigência, vá terminar o ano com 700 mil novos pobres.

Não obstante tenha deixado o posto de nação mais violenta do mundo, Honduras ainda ostenta índices de criminalidade elevados e um cotidiano marcado pela atuação de gangues de narcotráfico.

A violência, a pobreza e a falta de perspectivas vêm há anos expulsando os hondurenhos de seu território. Durante o ano fiscal de 2021, pouco mais de 309 mil deles foram detidos na fronteira sul dos Estados Unidos, número só menor que o de mexicanos.

Em vista desse cenário catastrófico, a demandar ações urgentes, soa despropositada a intenção da vencedora de promover uma reforma constitucional —vale lembrar, um dos estopins da crise que resultou na queda de Zelaya.

Governo medíocre, PIB idem

O Estado de S. Paulo

Com mais um recuo, o País mantém um dos piores desempenhos econômicos do mundo, longe da fantasia do ministro Paulo Guedes

Com dois tombos em dois trimestres, inflação disparada e desemprego muito alto, o Brasil mantém um desempenho econômico desastroso, muito longe da ficção sustentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Sem nenhum grande avanço para celebrar, economistas discutem agora se o País voltou à recessão, com duas taxas trimestrais negativas, ou se está apenas estagnado, em contraste com a maior parte do mundo. A discussão pode ir longe, enquanto a economia mal se move. No período de julho a setembro o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,1% menor que nos meses de abril a junho, quando já havia diminuído 0,4% em relação ao volume dos primeiros três meses. Essa sequência, segundo analistas, caracteriza uma recessão técnica. Como as quedas foram pequenas, há quem prefira falar de “estabilidade”, mas isso em nada melhora o quadro.

Desmentindo o ministro Guedes e seus auxiliares, os dados internacionais mostram o Brasil em posição muito desvantajosa. O PIB cresceu nos três primeiros trimestres – 0,7%, 1,7% e 0,9% – no conjunto de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na União Europeia houve recuo de 0,1% nos primeiros três meses e avanços de 2% e 2,1% nos períodos seguintes. Na maior parte dos grandes emergentes os números também têm sido positivos. Além disso, o desemprego na OCDE já caiu para 5,8% e a inflação nos 12 meses até outubro ficou em média em 5,2%.

No Brasil, todos os principais indicadores são muito piores. Embora em queda, o desemprego ainda correspondeu no terceiro trimestre a 12,6% da força de trabalho, com 13,5 milhões de pessoas em busca de ocupação. A alta dos preços ao consumidor chegou a 10,73% nos 12 meses terminados em novembro, segundo a prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). Enquanto os dados pioram no dia a dia, pioram também as projeções para o próximo ano e até para o seguinte, o primeiro do próximo período presidencial.

Não há surpresa, portanto, nos números muito ruins do terceiro trimestre, em parte já indicados pelas prévias do PIB publicadas mensalmente pelo Banco Central e pela Fundação Getúlio Vargas.

A maior parte da economia foi mal no período de julho a setembro. Só um dos três grandes setores produtivos, o de serviços, teve desempenho positivo no terceiro trimestre, com expansão real de 1,1%. A agropecuária produziu 8% menos que nos três meses anteriores, em parte por causa da base de comparação elevada, em parte por causa das más condições do tempo. O conjunto da indústria ficou estagnado, com variação zero. Isso é em parte atribuível a falhas no suprimento de insumos, um problema global e muito sério para a produção automobilística.

Mas a explicação geral tem de ser mais ampla, porque só um dos segmentos industriais, o da construção, teve resultado positivo, com avanço de 3,9%. Parte importante da resposta deve estar na demanda final. O consumo das famílias aumentou 0,9%, mas permaneceu muito contido, por causa do desemprego, da inflação e da perda de renda. Em quatro trimestres, o gasto com o consumo familiar aumentou só 2,1% enquanto o PIB cresceu 3,9%. O empobrecimento, um dado inegável, condena a maior parte da população a conter os gastos severamente, baixando os padrões de consumo e, em muitos casos, limitando as possibilidades de desenvolvimento dos filhos.

Desemprego, inflação, perda de renda, falhas nas ações anticíclicas e de ajuda emergencial mantêm o presente estagnado e o futuro incerto. A insegurança quanto aos próximos anos é agravada pelo risco de piora das contas públicas, ameaçadas pela irresponsabilidade presidencial e pelo rompimento com as boas normas de uso do dinheiro público, sujeito cada vez mais aos fins pessoais do presidente e ao apetite de seus apoiadores. Quase encerrado o ano, os sinais econômicos positivos permanecem escassos, enquanto as incertezas se acumulam, alimentadas também pelo temor de novas cepas de coronavírus, tanto mais perigosas quanto maior a carência de um governo sério e competente.

O credo do novo ministro do Supremo

O Estado de S. Paulo

Por quanto tempo André Mendonça será vinculado a Bolsonaro e aos critérios inconstitucionais que o levaram ao STF, só ele pode dizer

O Senado aprovou a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) por 47 votos a favor e 32 contra. Mendonça obteve apenas seis votos acima do mínimo necessário e chega à mais alta instância do Poder Judiciário com a menor aprovação parlamentar da história recente. Mas, a rigor, isso é apenas um reflexo dos obtusos critérios que pautaram a sua indicação pelo presidente Jair Bolsonaro. O placar já não tem a menor importância. Uma vez que o ex-advogado-geral da União seja empossado, seus votos como ministro do STF valerão rigorosamente a mesma coisa que os votos de seus dez colegas. E sobre Mendonça recairá a mesma e ingente obrigação dos demais ministros: garantir a ordem constitucional do País acima de tudo.

A partir de agora, portanto, os olhares devem estar voltados para o futuro, um longo futuro. Com 48 anos, André Mendonça poderá permanecer no STF por quase três décadas. Por um lado, isso inspira preocupação porque é tempo demais para que tenha assento na Corte Constitucional um ministro que, até o momento, só deu mostras nos cargos públicos que ocupou de que não hesita em rebaixar a Constituição quando estão em jogo valores da fé religiosa que professa ou os interesses de ocasião de seu padrinho político, o presidente Bolsonaro.

Evidente que toda indicação ao STF é política. A própria Corte é eminentemente política. Mendonça jogou o jogo para ser indicado e, depois, aprovado pelo Senado. Assim é o arranjo constitucional brasileiro no que concerne à composição do Supremo. O que merece atenção, no caso particular de Mendonça, é que Bolsonaro fez questão de enfatizar o tempo todo que só indicou o ex-advogado-geral da União ao cargo por ele ser o que chamou de “terrivelmente evangélico” e, em tese, leal a seus interesses. Bolsonaro é alguém que pensa o Estado e o exercício do poder sob a ótica do patrimonialismo. Basta lembrar que há pouco tempo o presidente da República afirmou ter “10% do STF”, e que só indicou o ministro Kassio Nunes Marques porque este “toma tubaína” com ele nos fins de semana. Se Bolsonaro passará a ter “20%” do STF, só André Mendonça pode dizer.

Por outro lado, o longo tempo que Mendonça tem pela frente no STF – muito além de mandatos presidenciais – servirá para que ele, que se diz “genuinamente evangélico”, mostre à sociedade que é, antes, genuinamente um ministro da Corte, que tem como norte apenas a Constituição. É o que se espera. Por quanto tempo o ministro calouro será identificado com Bolsonaro e com os critérios inconstitucionais que orientaram sua indicação depende exclusivamente dele.

Se a fé religiosa de Mendonça foi uma espécie de passaporte para sua entrada no STF, agora se converte em um fardo do qual o ministro precisa se livrar caso queira dissipar as suspeitas que pairam sobre sua atuação na Corte. Não foi por outra razão que Mendonça abriu sua fala na sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado afirmando que defende, antes de tudo, a democracia e o Estado de Direito – era só o que faltava dizer o contrário – e a laicidade do Estado. “Ainda que genuinamente evangélico, comprometo-me com o Estado laico. Entendo não haver espaço para manifestação pública ideológica durante sessões do Supremo”, disse Mendonça, negando um pedido de Bolsonaro para que, uma vez ministro, fizesse uma “oração semanal” no início das sessões do STF.

Durante a sabatina, na verdade uma encenação coletiva, Mendonça deu respostas sob medida – corretas e longamente treinadas – para delimitar seu comportamento como cidadão, pastor presbiteriano e ministro do STF. “Na vida, a Bíblia”, disse o sabatinado, “no Supremo, a Constituição.” Entretanto, já aprovado, Mendonça afirmou que sua entrada na Corte era “um passo para o homem, um salto para os evangélicos.”

Espera-se que a paráfrase da notória fala do astronauta americano Neil Armstrong tenha sido apenas uma espécie de prestação de contas às lideranças evangélicas que fizeram intenso lobby pela sua chegada ao STF, e não um sinal de como se portará o novo ministro daqui para a frente.

Economia perde fôlego, e Congresso piora situação

O Globo

Os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a economia engatou marcha à ré. Os números comprovam dois trimestres consecutivos de retração, situação que configura uma recessão pela definição técnica. No segundo trimestre, houve queda de 0,4% em relação ao primeiro; no terceiro, de 0,1% em relação ao segundo. A péssima notícia corre o risco de ficar ainda pior.

Poderia não passar de mera flutuação estatística, não fossem os sinais a cada dia mais preocupantes vindos de Brasília. O Senado aprovou ontem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, que dá um golpe mortal no teto de gastos e abre um rombo na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por sabotar nossas salvaguardas fiscais, trata-se de medida flagrantemente inflacionária. O Brasil começa a reproduzir o cenário de paralisia dos anos 1980, quando a combinação tóxica de estagnação e inflação —apelidada estagflação —corroía ao mesmo tempo o poder de compra e as perspectivas de crescimento, contribuindo para agravar a miséria e a desigualdade.

É essencial lembrar que os dados do IBGE são ainda uma visão pelo retrovisor. Não levam em conta os temores sobre os efeitos da nova cepa Ômicron do coronavírus no comércio, na produção de bens e na prestação de serviços. O Índice de Confiança Empresarial da Fundação Getulio Vargas — que procura olhar para a frente, mas também foi medido antes da Ômicron — exibe tendência declinante. A maior preocupação apontada pelo último levantamento era com a desaceleração da economia sob influência da inflação alta e do necessário aumento de juros. O ano de 2022 começa, portanto, sob o signo da recessão combinada à alta de preços.

A retração dos últimos dois trimestres é obra da falta de competência do governo — Executivo e Legislativo. As crises sem fim alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro, a inépcia do Congresso para produzir um Orçamento crível e levar adiante um programa consistente de reformas, a inflação de dois dígitos, a alta dos juros, a crise energética, o ataque às regras fiscais, tudo isso mina a recuperação da indústria, a confiança dos empresários e os investimentos. A recuperação no setor de serviços não tem sido suficiente para aplacar a queda na agropecuária e nas exportações.

É preciso ficar atento à guerra de narrativas que se avizinha. É provável que o governo martele que a economia crescerá mais de 4% em 2021. O número está correto, mas precisa ser visto com ressalva. Depende da base de comparação. No ano passado, houve longas quarentenas, baixa circulação, alta no desemprego e queda na renda, resultando na recessão de 4,1%. Com a vida voltando ao normal, a economia, na comparação, certamente cresceu. Mas isso não significa avanço. Se estivesse num jogo de tabuleiro, ocuparia hoje a mesma casa em que estava no fim de 2019 ou início de 2020, antes da pandemia — bem atrás do pico atingido no primeiro trimestre de 2014.

É inegável que a Covid-19 provocou uma crise econômica de alcance global. Mas o governo brasileiro mente ao creditar todas as más notícias à questão sanitária. A pandemia não pode ser escudo para sua vasta incompetência. O nome dos responsáveis por essa situação estará nas urnas no fim de 2022. Para evitar a volta da estagflação, o país precisará fazer escolhas melhores.

Filigranas jurídicas tornam Brasil ambiente propício à corrupção

O Globo

O desmantelamento da Operação Lava-Jato nos tribunais superiores segue de modo desassombrado. Sob os mais variados pretextos, as condenações proferidas pelo ex-juiz Sergio Moro vêm sendo derrubadas uma a uma. Não se trata apenas dos casos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nem de ação restrita à ala garantista do Supremo Tribunal Federal (STF). Há um movimento mais amplo em curso, e ele merece atenção por dois motivos. Primeiro, por colocar em xeque o arcabouço jurídico de combate à corrupção. Segundo, porque Moro e Lula são protagonistas da corrida eleitoral de 2022, e todo movimento jurídico terá efeitos políticos inevitáveis.

Nesta semana, o ministro Jesuíno Rissato, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), anulou uma condenação de Moro contra o ex-ministro Antonio Palocci e o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto. O pretexto alegado é o STF ter decidido, em 2019, que o julgamento de casos do tipo cabe não à Justiça Federal, mas à Eleitoral. A sentença de Moro foi proferida no contexto das delações dos marqueteiros petistas que confessaram ter recebido dinheiro do departamento de propina da Odebrecht. Nela, Moro afirma haver provas de que os crimes foram cometidos não apenas nas campanhas eleitorais. A condenação é de 2017, portanto anterior à decisão do STF sobre o assunto.

Outra filigrana processual foi alegada na decisão que anulou, em 2019, a sentença de Moro contra o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine e outros executivos: eles não haviam sido ouvidos por último nas alegações finais, como determinou outra decisão do STF. Bendine assumira a Petrobras depois da Lava-Jato, com a incumbência de sanear a empresa e, segundo a delação da Odebrecht, ainda assim continuou a receber propina. No ano seguinte, quando voltou a examinar o caso, o juiz Luiz Antônio Bonat, titular da Vara outrora ocupada por Moro, voltou a condenar Bendine.

Dois outros pretextos foram usados pela Segunda Turma do STF para fazer desmoronar todo o edifício de provas e delações que sustentaram as condenações de Lula e dezenas de réus: 1) a Vara de Curitiba foi considerada incompetente para julgar casos sem impacto local, mesmo com sentenças referendadas em instâncias superiores; 2) Moro foi julgado suspeito, em virtude da relação próxima que manteve com os procuradores, comprovada pelo conteúdo de mensagens furtadas.

Raros réus foram inocentados. As provas e confissões não deixam dúvida sobre a extensão da corrupção bilionária que cercou negócios do governo. Diante da impossibilidade de negar os fatos, a estratégia da defesa dos réus é o apego ao devido processo legal e o uso de qualquer brecha jurídica para protelar as condenações até a prescrição dos crimes. Ninguém há de ser contra o pleno direito de defesa, e todas as regras e decisões da Justiça têm de ser respeitadas. O desmantelamento da Lava-Jato demonstra, contudo, quanto elas favorecem a impunidade e quanto o Brasil continua a ser um ambiente propício à corrupção.

 Estagnação da economia não será revertida a curto prazo

Valor Econômico

O governo pretende dar um impulso à economia gastando US$ 100 bilhões fora do tetoe evitar uma recessão em 2022

Os vários obstáculos simultâneos que a economia brasileira enfrenta atuaram para produzir um novo resultado negativo do Produto Interno Bruto no terceiro trimestre, de -0,1%, após um queda, revista e maior, no segundo trimestre (-0,4%). A economia está estagnada, mesmo que ela deva crescer um pouco acima de 4% neste ano e superar o estrago provocado pela pandemia em 2020. As condições para o crescimento em 2022 não são favoráveis e os números do IBGE divulgados ontem levaram mais bancos e consultorias a prever um resultado negativo no ano que vem.

A crise hídrica produziu o único efeito surpreendente dos componentes do PIB do terceiro trimestre, uma queda de 8% da agricultura em relação ao trimestre anterior. Houve produtividade e safras menores de culturas como café, algodão, milho, laranja e cana. Esse não foi, porém, o único efeito relevante. Para tentar evitar um apagão, foi cobrada uma nova bandeira tarifária mais cara para a energia. Isso teve impacto negativo também nas atividades industriais de eletricidade, gás, água e esgoto, que ajudou a derrubar os resultados da indústria de transformação, que encerrou o trimestre com queda de 0,7% em relação ao trimestre imediatamente anterior, com ajuste sazonal.

A indústria de transformação foi atingida por outros fatores, não todos domésticos, como a falta de insumos e peças, e um aumento significativo dos custos de produção, a começar pelos pesados reajustes de energia e de combustíveis. A dificuldade de produzir mais e formar estoques vai se estender até 2022 pelo menos, caso a nova variante do coronavírus, a ômicron, não se revele agressiva nem se mostre ilesa às vacinas disponíveis. Segundo levantamento recente da Confederação Nacional da Indústria, 7 em cada 10 indústrias tiveram problemas para comprar matérias primas e insumos.

Crise hídrica e oferta contida por desarranjos nas cadeias globais de produção alimentaram a inflação (10,6% em doze meses terminados em novembro), cujo principal impulso disseminador veio da desvalorização do real, à qual se somou elevação dos preços das commodities (em geral, câmbio e commodities caminham em direções opostas). Nesse caso, a falta de rumos do governo Bolsonaro, suas tentativas de driblar restrições fiscais, o abandono das reformas e outras coisas mais foram determinantes para impedir a queda do dólar.

 

O setor de serviços teve recuperação significativa com o fim de boa parte das barreiras à mobilidade, em especial os retardatários, como outras atividades, o de maior peso no setor (ligados à saúde, hotéis, artes, educação, gastos pessoais etc). Como um todo, serviços cresceram 5,8% ante o trimestre anterior, e “outras atividades” 13,5%. O setor depende muito da renda e deve perder força como indutor de crescimento mais à frente. Como a Pnad Contínua mostrou, a renda média do trabalhador diminuiu 4% no terceiro trimestre e 11,1% em relação ao mesmo período de 2020, aproximando-a do menor nível da série histórica iniciada em 2012.

Inflação, queda de renda e desemprego ainda elevado freiam o consumo das famílias, que compõem mais de dois terços da demanda da economia. No terceiro trimestre, ele cresceu 0,9%, abaixo das expectativas. O futuro não promete ser alentador. Para deter a inflação os juros caminham para dois dígitos, restringindo o crédito, importante componente dos gastos das famílias, já retraídos pela pancada dos reajustes de energia, gás e alimentos, o trio que teve maiores aumentos no ano.

Quanto aos demais componentes do PIB, segundo o IBGE, o comportamento do setor externo retirou pontos do crescimento. Da mesma forma, houve pelo segundo trimestre consecutivo redução dos estoques, puxando para baixo o resultado geral. A poupança bruta no terceiro trimestre foi R$ 107,5 bilhões superior à do mesmo período de 2020 e, em relação ao primeiro trimestre, diminuiu apenas R$ 4 bilhões. Com o aumento dos juros, tende a manter-se alta, enquanto os investimentos deverão ser contidos pela Selic mais elevada.

Os números dos trimestres contra os imediatamente anteriores mostram que desde o fim da recessão, no quarto trimestre de 2016, a economia brasileira oscila entre crescimento zero e um pouco acima de zero. O governo pretende dar um impulso à economia gastando US$ 100 bilhões fora do teto, a maior parte com o Auxílio Brasil de R$ 400, e evitar uma recessão em 2022. Dessa aposta dar certo depende a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, cuja popularidade está afundando junto com a economia.

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