EDITORIAIS
PIB no chão
Folha de S. Paulo
Economia tem novo trimestre ruim e projeta,
quando muito, alta medíocre em 2022
A economia
está estagnada, com risco considerável de quedas recorrentes de
produção e renda —vale dizer, do Produto
Interno Bruto—
nos próximos trimestres.
O desempenho do ano de 2022 ainda é uma
incógnita, mas as possibilidades estão limitadas por deficiências crônicas,
pela alta dos juros, pela inflação e por incertezas agravadas em razão do
eleitoral.
Ainda que o PIB viesse a se expandir em
0,5% a cada trimestre a partir do final deste 2021, o ano que vem terminaria com
um crescimento de apenas 1,5%, similar à média de 2017 a 2019.
Ou seja, em uma hipótese agora otimista, a economia voltaria àquele mesmo padrão de desempenho menos do que medíocre.
Tal perspectiva tornou-se mais clara com a
divulgação do resultado do PIB de julho a setembro, uma contração de 0,1%. Ao
longo de 12 meses, o produto avançou 3,9%. Ao final de 2021, terá aumentado o
bastante para compensar as perdas do ano de maior impacto econômico da
epidemia, 2020. Mas a recuperação rápida teve fim no primeiro trimestre deste
ano.
Os números ruins desde então se devem
também a choques diversos, mais ou menos circunstanciais. A inflação corroeu o
rendimento do trabalho e minou a confiança dos consumidores.
Parte da elevação aguda e persistente dos
preços decorreu de fatores externos, no entanto agravados pela desvalorização
do real, provocada pelo tumulto institucional e pela perspectiva de nova
escalada da dívida pública.
A consequente alta de juros e as convulsões
domésticas derrubaram também o ânimo das empresas de investir. A escassez
mundial de insumos industriais teve seu peso no terceiro trimestre seguido de
decréscimo da produção do setor.
A seca elevou os preços de energia e
provocou uma grande retração na produção agrícola, motivo circunstancial forte
do recuo do PIB.
O setor de serviços ainda mostrou
recuperação razoável no período. Assim pode prosseguir, a depender das
vicissitudes da epidemia. As perspectivas para a safra no momento são
positivas.
É possível que estados e municípios
apliquem seus caixas bem fornidos em obras. Pode haver surpresas positivas na
crise hídrica elétrica e no choque mundial de energia, o que traria alívio para
a inflação, ainda que tardio.
No entanto, mesmo que 2022 ainda possa vir
a ser menos negativo do que ora se prevê, juros e inflação altos vão cobrar seu
preço. Caso se confirme esse cenário de estagnação, também devem desacelerar de
modo relevante as melhorias no nível de emprego.
Não há muito mais o que fazer a não ser
evitar degradação maior e ainda mais conturbação da política econômica.
Candidaturas presidenciais responsáveis podem ajudar a conter danos com planos
coerentes e politicamente viáveis.
De volta em Honduras
Folha de S. Paulo
Com Xiomara Castro, esquerda retoma o poder
no país após golpe de 12 anos atrás
Salvar para Mesmo sem a totalidade das
urnas apuradas, a eleição presidencial de Honduras, tudo leva a crer, já está
decidida. Na terça (30), o Partido Nacional, que comanda o país, reconheceu a
derrota para Xiomara Castro, que lidera a votação por margem
expressiva de Mais do que um retorno da esquerda ao poder hondurenho, a vitória
de Castro representa o regresso dela e de seu marido, Manuel Zelaya, ao lugar
de onde foram defenestrados 12 anos atrás.
Em junho de 2009, um golpe de Estado depôs
Zelaya, e o casal terminou expulso do país. De volta a Honduras às escondidas,
em setembro, o ex-presidente viveu por quatro meses na representação
diplomática do Brasil, à época governado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
até embarcar para a República Dominicana com um salvo-conduto expedido pelo
novo governo.
Por todo esse passado, foram sem dúvida
auspiciosas as primeiras palavras de Castro, prometendo um governo de
reconciliação. "Estendo a mão a meus opositores porque não tenho
inimigos", disse.
O gesto de paz da virtual futura presidente
constitui um bom começo para alguém que nos próximos anos enfrentará um desafio
sem dúvida titânico.
Castigada pela pandemia e por dois
furacões, a economia da nação caribenha recuou em 2020 nada menos que 9%. A
derrocada econômica agravou a crônica crise social hondurenha. O Banco Mundial
prevê que o país centro-americano, onde 36% da população se encontra na
indigência, vá terminar o ano com 700 mil novos pobres.
Não obstante tenha deixado o posto de nação
mais violenta do mundo, Honduras ainda ostenta índices de criminalidade
elevados e um cotidiano marcado pela atuação de gangues de narcotráfico.
A violência, a pobreza e a falta de
perspectivas vêm há anos expulsando os hondurenhos de seu território. Durante o
ano fiscal de 2021, pouco mais de 309 mil deles foram detidos na fronteira sul
dos Estados Unidos, número só menor que o de mexicanos.
Em vista desse cenário catastrófico, a
demandar ações urgentes, soa despropositada a intenção da vencedora de promover
uma reforma constitucional —vale lembrar, um dos estopins da crise que resultou
na queda de Zelaya.
Governo medíocre, PIB idem
O Estado de S. Paulo
Com mais um recuo, o País mantém um dos
piores desempenhos econômicos do mundo, longe da fantasia do ministro Paulo
Guedes
Com dois tombos em dois trimestres,
inflação disparada e desemprego muito alto, o Brasil mantém um desempenho
econômico desastroso, muito longe da ficção sustentada pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes. Sem nenhum grande avanço para celebrar, economistas discutem
agora se o País voltou à recessão, com duas taxas trimestrais negativas, ou se
está apenas estagnado, em contraste com a maior parte do mundo. A discussão
pode ir longe, enquanto a economia mal se move. No período de julho a setembro
o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,1% menor que nos meses de abril a junho,
quando já havia diminuído 0,4% em relação ao volume dos primeiros três meses.
Essa sequência, segundo analistas, caracteriza uma recessão técnica. Como as
quedas foram pequenas, há quem prefira falar de “estabilidade”, mas isso em
nada melhora o quadro.
Desmentindo o ministro Guedes e seus
auxiliares, os dados internacionais mostram o Brasil em posição muito
desvantajosa. O PIB cresceu nos três primeiros trimestres – 0,7%, 1,7% e 0,9% –
no conjunto de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Na União Europeia houve recuo de 0,1% nos primeiros três
meses e avanços de 2% e 2,1% nos períodos seguintes. Na maior parte dos grandes
emergentes os números também têm sido positivos. Além disso, o desemprego na
OCDE já caiu para 5,8% e a inflação nos 12 meses até outubro ficou em média em
5,2%.
No Brasil, todos os principais indicadores
são muito piores. Embora em queda, o desemprego ainda correspondeu no terceiro
trimestre a 12,6% da força de trabalho, com 13,5 milhões de pessoas em busca de
ocupação. A alta dos preços ao consumidor chegou a 10,73% nos 12 meses
terminados em novembro, segundo a prévia da inflação, o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). Enquanto os dados pioram no dia a
dia, pioram também as projeções para o próximo ano e até para o seguinte, o
primeiro do próximo período presidencial.
Não há surpresa, portanto, nos números
muito ruins do terceiro trimestre, em parte já indicados pelas prévias do PIB
publicadas mensalmente pelo Banco Central e pela Fundação Getúlio Vargas.
A maior parte da economia foi mal no
período de julho a setembro. Só um dos três grandes setores produtivos, o de
serviços, teve desempenho positivo no terceiro trimestre, com expansão real de
1,1%. A agropecuária produziu 8% menos que nos três meses anteriores, em parte
por causa da base de comparação elevada, em parte por causa das más condições
do tempo. O conjunto da indústria ficou estagnado, com variação zero. Isso é em
parte atribuível a falhas no suprimento de insumos, um problema global e muito
sério para a produção automobilística.
Mas a explicação geral tem de ser mais
ampla, porque só um dos segmentos industriais, o da construção, teve resultado
positivo, com avanço de 3,9%. Parte importante da resposta deve estar na
demanda final. O consumo das famílias aumentou 0,9%, mas permaneceu muito
contido, por causa do desemprego, da inflação e da perda de renda. Em quatro
trimestres, o gasto com o consumo familiar aumentou só 2,1% enquanto o PIB
cresceu 3,9%. O empobrecimento, um dado inegável, condena a maior parte da
população a conter os gastos severamente, baixando os padrões de consumo e, em
muitos casos, limitando as possibilidades de desenvolvimento dos filhos.
Desemprego, inflação, perda de renda,
falhas nas ações anticíclicas e de ajuda emergencial mantêm o presente
estagnado e o futuro incerto. A insegurança quanto aos próximos anos é agravada
pelo risco de piora das contas públicas, ameaçadas pela irresponsabilidade
presidencial e pelo rompimento com as boas normas de uso do dinheiro público,
sujeito cada vez mais aos fins pessoais do presidente e ao apetite de seus
apoiadores. Quase encerrado o ano, os sinais econômicos positivos permanecem
escassos, enquanto as incertezas se acumulam, alimentadas também pelo temor de
novas cepas de coronavírus, tanto mais perigosas quanto maior a carência de um
governo sério e competente.
O credo do novo ministro do Supremo
O Estado de S. Paulo
Por quanto tempo André Mendonça será
vinculado a Bolsonaro e aos critérios inconstitucionais que o levaram ao STF,
só ele pode dizer
O Senado aprovou a indicação de André Mendonça
para o Supremo Tribunal Federal (STF) por 47 votos a favor e 32 contra.
Mendonça obteve apenas seis votos acima do mínimo necessário e chega à mais
alta instância do Poder Judiciário com a menor aprovação parlamentar da
história recente. Mas, a rigor, isso é apenas um reflexo dos obtusos critérios
que pautaram a sua indicação pelo presidente Jair Bolsonaro. O placar já não
tem a menor importância. Uma vez que o ex-advogado-geral da União seja
empossado, seus votos como ministro do STF valerão rigorosamente a mesma coisa
que os votos de seus dez colegas. E sobre Mendonça recairá a mesma e ingente
obrigação dos demais ministros: garantir a ordem constitucional do País acima
de tudo.
A partir de agora, portanto, os olhares
devem estar voltados para o futuro, um longo futuro. Com 48 anos, André
Mendonça poderá permanecer no STF por quase três décadas. Por um lado, isso
inspira preocupação porque é tempo demais para que tenha assento na Corte
Constitucional um ministro que, até o momento, só deu mostras nos cargos
públicos que ocupou de que não hesita em rebaixar a Constituição quando estão
em jogo valores da fé religiosa que professa ou os interesses de ocasião de seu
padrinho político, o presidente Bolsonaro.
Evidente que toda indicação ao STF é
política. A própria Corte é eminentemente política. Mendonça jogou o jogo para
ser indicado e, depois, aprovado pelo Senado. Assim é o arranjo constitucional
brasileiro no que concerne à composição do Supremo. O que merece atenção, no
caso particular de Mendonça, é que Bolsonaro fez questão de enfatizar o tempo
todo que só indicou o ex-advogado-geral da União ao cargo por ele ser o que
chamou de “terrivelmente evangélico” e, em tese, leal a seus interesses.
Bolsonaro é alguém que pensa o Estado e o exercício do poder sob a ótica do
patrimonialismo. Basta lembrar que há pouco tempo o presidente da República
afirmou ter “10% do STF”, e que só indicou o ministro Kassio Nunes Marques
porque este “toma tubaína” com ele nos fins de semana. Se Bolsonaro passará a
ter “20%” do STF, só André Mendonça pode dizer.
Por outro lado, o longo tempo que Mendonça
tem pela frente no STF – muito além de mandatos presidenciais – servirá para
que ele, que se diz “genuinamente evangélico”, mostre à sociedade que é, antes,
genuinamente um ministro da Corte, que tem como norte apenas a Constituição. É
o que se espera. Por quanto tempo o ministro calouro será identificado com
Bolsonaro e com os critérios inconstitucionais que orientaram sua indicação
depende exclusivamente dele.
Se a fé religiosa de Mendonça foi uma
espécie de passaporte para sua entrada no STF, agora se converte em um fardo do
qual o ministro precisa se livrar caso queira dissipar as suspeitas que pairam
sobre sua atuação na Corte. Não foi por outra razão que Mendonça abriu sua fala
na sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado afirmando
que defende, antes de tudo, a democracia e o Estado de Direito – era só o que
faltava dizer o contrário – e a laicidade do Estado. “Ainda que genuinamente
evangélico, comprometo-me com o Estado laico. Entendo não haver espaço para
manifestação pública ideológica durante sessões do Supremo”, disse Mendonça,
negando um pedido de Bolsonaro para que, uma vez ministro, fizesse uma “oração
semanal” no início das sessões do STF.
Durante a sabatina, na verdade uma
encenação coletiva, Mendonça deu respostas sob medida – corretas e longamente
treinadas – para delimitar seu comportamento como cidadão, pastor presbiteriano
e ministro do STF. “Na vida, a Bíblia”, disse o sabatinado, “no Supremo, a
Constituição.” Entretanto, já aprovado, Mendonça afirmou que sua entrada na
Corte era “um passo para o homem, um salto para os evangélicos.”
Espera-se que a paráfrase da notória fala
do astronauta americano Neil Armstrong tenha sido apenas uma espécie de
prestação de contas às lideranças evangélicas que fizeram intenso lobby pela
sua chegada ao STF, e não um sinal de como se portará o novo ministro daqui
para a frente.
Economia perde fôlego, e Congresso piora
situação
O Globo
Os dados divulgados ontem pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a economia engatou
marcha à ré. Os números comprovam dois trimestres consecutivos de retração,
situação que configura uma recessão pela definição técnica. No segundo
trimestre, houve queda de 0,4% em relação ao primeiro; no terceiro, de 0,1% em
relação ao segundo. A péssima notícia corre o risco de ficar ainda pior.
Poderia não passar de mera flutuação
estatística, não fossem os sinais a cada dia mais preocupantes vindos de
Brasília. O Senado aprovou ontem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos
Precatórios, que dá um golpe mortal no teto de gastos e abre um rombo na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Por sabotar nossas salvaguardas fiscais,
trata-se de medida flagrantemente inflacionária. O Brasil começa a reproduzir o
cenário de paralisia dos anos 1980, quando a combinação tóxica de estagnação e inflação
—apelidada estagflação —corroía ao mesmo tempo o poder de compra e as
perspectivas de crescimento, contribuindo para agravar a miséria e a
desigualdade.
É essencial lembrar que os dados do IBGE
são ainda uma visão pelo retrovisor. Não levam em conta os temores sobre os
efeitos da nova cepa Ômicron do coronavírus no comércio, na produção de bens e
na prestação de serviços. O Índice de Confiança Empresarial da Fundação Getulio
Vargas — que procura olhar para a frente, mas também foi medido antes da Ômicron
— exibe tendência declinante. A maior preocupação apontada pelo último
levantamento era com a desaceleração da economia sob influência da inflação
alta e do necessário aumento de juros. O ano de 2022 começa, portanto, sob o
signo da recessão combinada à alta de preços.
A retração dos últimos dois trimestres é
obra da falta de competência do governo — Executivo e Legislativo. As crises
sem fim alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro, a inépcia do Congresso para
produzir um Orçamento crível e levar adiante um programa consistente de
reformas, a inflação de dois dígitos, a alta dos juros, a crise energética, o
ataque às regras fiscais, tudo isso mina a recuperação da indústria, a
confiança dos empresários e os investimentos. A recuperação no setor de serviços
não tem sido suficiente para aplacar a queda na agropecuária e nas exportações.
É preciso ficar atento à guerra de
narrativas que se avizinha. É provável que o governo martele que a economia
crescerá mais de 4% em 2021. O número está correto, mas precisa ser visto com
ressalva. Depende da base de comparação. No ano passado, houve longas
quarentenas, baixa circulação, alta no desemprego e queda na renda, resultando
na recessão de 4,1%. Com a vida voltando ao normal, a economia, na comparação,
certamente cresceu. Mas isso não significa avanço. Se estivesse num jogo de
tabuleiro, ocuparia hoje a mesma casa em que estava no fim de 2019 ou início de
2020, antes da pandemia — bem atrás do pico atingido no primeiro trimestre de
2014.
É inegável que a Covid-19 provocou uma crise econômica de alcance global. Mas o governo brasileiro mente ao creditar todas as más notícias à questão sanitária. A pandemia não pode ser escudo para sua vasta incompetência. O nome dos responsáveis por essa situação estará nas urnas no fim de 2022. Para evitar a volta da estagflação, o país precisará fazer escolhas melhores.
Filigranas jurídicas tornam Brasil ambiente
propício à corrupção
O Globo
O desmantelamento da Operação Lava-Jato nos
tribunais superiores segue de modo desassombrado. Sob os mais variados
pretextos, as condenações proferidas pelo ex-juiz Sergio Moro vêm sendo
derrubadas uma a uma. Não se trata apenas dos casos envolvendo o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, nem de ação restrita à ala garantista do Supremo
Tribunal Federal (STF). Há um movimento mais amplo em curso, e ele merece
atenção por dois motivos. Primeiro, por colocar em xeque o arcabouço jurídico
de combate à corrupção. Segundo, porque Moro e Lula são protagonistas da
corrida eleitoral de 2022, e todo movimento jurídico terá efeitos políticos
inevitáveis.
Nesta semana, o ministro Jesuíno Rissato,
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), anulou uma condenação de Moro contra o
ex-ministro Antonio Palocci e o ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto. O
pretexto alegado é o STF ter decidido, em 2019, que o julgamento de casos do
tipo cabe não à Justiça Federal, mas à Eleitoral. A sentença de Moro foi
proferida no contexto das delações dos marqueteiros petistas que confessaram
ter recebido dinheiro do departamento de propina da Odebrecht. Nela, Moro
afirma haver provas de que os crimes foram cometidos não apenas nas campanhas
eleitorais. A condenação é de 2017, portanto anterior à decisão do STF sobre o
assunto.
Outra filigrana processual foi alegada na
decisão que anulou, em 2019, a sentença de Moro contra o ex-presidente da
Petrobras Aldemir Bendine e outros executivos: eles não haviam sido ouvidos por
último nas alegações finais, como determinou outra decisão do STF. Bendine
assumira a Petrobras depois da Lava-Jato, com a incumbência de sanear a empresa
e, segundo a delação da Odebrecht, ainda assim continuou a receber propina. No
ano seguinte, quando voltou a examinar o caso, o juiz Luiz Antônio Bonat,
titular da Vara outrora ocupada por Moro, voltou a condenar Bendine.
Dois outros pretextos foram usados pela
Segunda Turma do STF para fazer desmoronar todo o edifício de provas e delações
que sustentaram as condenações de Lula e dezenas de réus: 1) a Vara de Curitiba
foi considerada incompetente para julgar casos sem impacto local, mesmo com
sentenças referendadas em instâncias superiores; 2) Moro foi julgado suspeito,
em virtude da relação próxima que manteve com os procuradores, comprovada pelo
conteúdo de mensagens furtadas.
Raros réus foram inocentados. As provas e confissões não deixam dúvida sobre a extensão da corrupção bilionária que cercou negócios do governo. Diante da impossibilidade de negar os fatos, a estratégia da defesa dos réus é o apego ao devido processo legal e o uso de qualquer brecha jurídica para protelar as condenações até a prescrição dos crimes. Ninguém há de ser contra o pleno direito de defesa, e todas as regras e decisões da Justiça têm de ser respeitadas. O desmantelamento da Lava-Jato demonstra, contudo, quanto elas favorecem a impunidade e quanto o Brasil continua a ser um ambiente propício à corrupção.
Valor Econômico
O governo pretende dar um impulso à
economia gastando US$ 100 bilhões fora do tetoe evitar uma recessão em 2022
Os vários obstáculos simultâneos que a
economia brasileira enfrenta atuaram para produzir um novo resultado negativo
do Produto Interno Bruto no terceiro trimestre, de -0,1%, após um queda,
revista e maior, no segundo trimestre (-0,4%). A economia está estagnada, mesmo
que ela deva crescer um pouco acima de 4% neste ano e superar o estrago
provocado pela pandemia em 2020. As condições para o crescimento em 2022 não
são favoráveis e os números do IBGE divulgados ontem levaram mais bancos e
consultorias a prever um resultado negativo no ano que vem.
A crise hídrica produziu o único efeito
surpreendente dos componentes do PIB do terceiro trimestre, uma queda de 8% da
agricultura em relação ao trimestre anterior. Houve produtividade e safras
menores de culturas como café, algodão, milho, laranja e cana. Esse não foi,
porém, o único efeito relevante. Para tentar evitar um apagão, foi cobrada uma
nova bandeira tarifária mais cara para a energia. Isso teve impacto negativo
também nas atividades industriais de eletricidade, gás, água e esgoto, que
ajudou a derrubar os resultados da indústria de transformação, que encerrou o
trimestre com queda de 0,7% em relação ao trimestre imediatamente anterior, com
ajuste sazonal.
A indústria de transformação foi atingida
por outros fatores, não todos domésticos, como a falta de insumos e peças, e um
aumento significativo dos custos de produção, a começar pelos pesados reajustes
de energia e de combustíveis. A dificuldade de produzir mais e formar estoques
vai se estender até 2022 pelo menos, caso a nova variante do coronavírus, a
ômicron, não se revele agressiva nem se mostre ilesa às vacinas disponíveis.
Segundo levantamento recente da Confederação Nacional da Indústria, 7 em cada
10 indústrias tiveram problemas para comprar matérias primas e insumos.
Crise hídrica e oferta contida por
desarranjos nas cadeias globais de produção alimentaram a inflação (10,6% em
doze meses terminados em novembro), cujo principal impulso disseminador veio da
desvalorização do real, à qual se somou elevação dos preços das commodities (em
geral, câmbio e commodities caminham em direções opostas). Nesse caso, a falta
de rumos do governo Bolsonaro, suas tentativas de driblar restrições fiscais, o
abandono das reformas e outras coisas mais foram determinantes para impedir a
queda do dólar.
O setor de serviços teve recuperação
significativa com o fim de boa parte das barreiras à mobilidade, em especial os
retardatários, como outras atividades, o de maior peso no setor (ligados à
saúde, hotéis, artes, educação, gastos pessoais etc). Como um todo, serviços
cresceram 5,8% ante o trimestre anterior, e “outras atividades” 13,5%. O setor
depende muito da renda e deve perder força como indutor de crescimento mais à
frente. Como a Pnad Contínua mostrou, a renda média do trabalhador diminuiu 4%
no terceiro trimestre e 11,1% em relação ao mesmo período de 2020,
aproximando-a do menor nível da série histórica iniciada em 2012.
Inflação, queda de renda e desemprego ainda
elevado freiam o consumo das famílias, que compõem mais de dois terços da
demanda da economia. No terceiro trimestre, ele cresceu 0,9%, abaixo das
expectativas. O futuro não promete ser alentador. Para deter a inflação os
juros caminham para dois dígitos, restringindo o crédito, importante componente
dos gastos das famílias, já retraídos pela pancada dos reajustes de energia,
gás e alimentos, o trio que teve maiores aumentos no ano.
Quanto aos demais componentes do PIB,
segundo o IBGE, o comportamento do setor externo retirou pontos do crescimento.
Da mesma forma, houve pelo segundo trimestre consecutivo redução dos estoques,
puxando para baixo o resultado geral. A poupança bruta no terceiro trimestre
foi R$ 107,5 bilhões superior à do mesmo período de 2020 e, em relação ao
primeiro trimestre, diminuiu apenas R$ 4 bilhões. Com o aumento dos juros,
tende a manter-se alta, enquanto os investimentos deverão ser contidos pela
Selic mais elevada.
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