Folha de S. Paulo
Se o texto tivesse sido rejeitado, governo
poderia apelar a decreto de calamidade, e desordem fiscal seria maior
O Senado acertou ao aprovar
o texto da PEC dos Precatórios. Defendi que assim fosse no programa "O
É da Coisa", que ancoro na BandNews FM. Não tardou para que chegasse a
indagação: "Tá bolsonarizando?" Não. Estava escolhendo o mal menor e,
no meu pequeno quintal, preferindo a política à desordem.
Como disse aquele, "é preciso cultivar nosso jardim". Ou tudo vira
terra crestada na esperança do quanto pior, melhor. Os petistas, por exemplo,
votaram a favor.
Quando o governo anunciou que daria um jeito de driblar o teto de gastos, juntando na tal PEC, a um só tempo, calote, furo do teto e pedalada fiscal, a Bolsa caiu e o dólar subiu. Agora, enquanto escrevo, a Bolsa sobe e o dólar tende a andar de lado. Salvo algum evento alheio à votação do Senado, assim deve fechar o dia.
Os comerciantes, inclusive os de dinheiro,
põem preço também nas expectativas e operam com juízos comparativos: "Qual
é o mal menor?" A PEC era pior do que manter o teto. Então a reação foi
negativa. Agora, a dita-cuja é melhor do que a alternativa —um eventual decreto
de calamidade—, então a reação foi positiva.
E olhem que assim são os números no dia em
que ficamos sabendo que o Brasil entrou na tal recessão técnica, o que projeta,
de fato, um 2022 mais próximo do realismo do mercado do que do otimismo de
propaganda de Paulo Guedes,
aquele que associa o ex-presidente Lula a mãos sujas de graxa. O cara é tão
incorrigível como seu chefe. Adiante.
Li uma declaração de David Rebelo Athayde,
subsecretário de Planejamento Estratégico de Política Fiscal do Tesouro
Nacional, assegurando que não haveria como abrir créditos extraordinários caso
a PEC fosse rejeitada porque nada justificaria eventual decreto de calamidade.
Entendo o seu esforço. Mas política é coisa complexa demais para técnicos da
área econômica.
Sem o truque fiscal, não haveria recursos
para pagar a correção do Auxílio
Brasil e para ampliar o número de atendidos por esse Bolsa Família
rebatizado. Escarafunchar caminhões de ossos ainda denota alguma inserção no
mundo do consumo. A miséria faz coisa bem mais degradante. Revira o lixo em
busca de comida.
O Senado melhorou
o texto que saiu da Câmara:
carimbou a folga fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil e despesas
referentes a Saúde, Previdência e assistência social; encurtou o prazo do
calote de 2036 para 2026 (o que será alongado de novo no futuro, aposto);
retirou do teto de gastos os R$ 16 bilhões de precatórios do Fundef e tornou
permanentes os recursos do programa social. "Não apontou a fonte de financiamento
do benefício, driblando a Lei de Responsabilidade Fiscal", gritam. Fato.
Ajeita-se adiante.
"Bolsonaro está de olho na
eleição". Bem, a seu modo, todos estão, não é mesmo? Ou os petistas não
teriam votado a favor da PEC. Isso indica, a meu ver, o realismo de quem antevê
a possibilidade de ser poder a partir de 2023. Qualquer alternativa, agora, à
aprovação da PEC, entendo, ou aprofundaria e estenderia a desordem fiscal, no
caso da abertura de créditos extraordinários, ou extremaria a miséria de muitos
milhões se nada se fizesse.
Se um governo inepto nos empurrou para
alternativas ruins, de modo a que nos vemos na contingência de escolher o mal
menor, dizer o quê? Isso tem de ser levado para a arena da política. É por isso
que o artigo 60 da Constituição estabelece, no inciso II do parágrafo 4º,
"o voto direto, secreto, universal e periódico" como cláusula pétrea.
Façamos política em vez de negá-la e depredá-la, como virou moda desde que a
praga obscurantista e burra do morismo contaminou o país.
Vai um rodapé. A luta política que defendo
aqui pedia a rejeição ao
nome de André Mendonça. Também por preceito bíblico, como em Mateus,
7:13-24. Nós nos fazemos conhecer por nossas obras. E ele tem um passado no
Ministério da Justiça e na AGU. Haveria um longo caminho até a redenção, que
não percorreu.
Na entrevista que concedeu após a
aprovação, associou sua ascensão ao STF à chegada do homem à Lua. Mau começo.
Vamos ver que frutos produz o selenita do dito "conservadorismo" por
intermédio dos seus votos.
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