O Globo
“Não se pode criminalizar a política”. O
novo juiz terrivelmente evangélico, André Mendonça, mentiu muito na sabatina,
nem parecia servo de Deus. Disfarçou, lambeu a boca seca e repetiu o tique
nervoso de projetar o pescoço para o lado, o que revela ansiedade. Mas Mendonça
falou uma verdade incontestável: não se pode criminalizar a política no Brasil.
Porque ela já é terrivelmente criminosa.
As análises sobre o desempenho de Mendonça
variam. Uns dizem que ele foi inteligente, estratégico. Assim, ensinamos a
nossos filhos e netos. Quer ser inteligente, convincente? Minta muito quando
for preciso. Com a maior cara de pau. Se perceber que derrapou, como no “não
derramamento de sangue na ditadura militar”, peça logo desculpas e elabore uma
mentira mais estapafúrdia. Vai colar. Ainda mais se você for uma
autoridade.
Em que momento Mendonça conquistou o coração do Senado? “Não se constrói uma democracia sem política, sem políticos e sem partidos políticos”, afirmou. “Então, todos somos contra a corrupção, todos somos sabedores de que não se pode criminalizar a política”. Todos contra a corrupção, todos a favor da transparência. Teve checagem? É fake news? Humor? Não dá para fingir que a gente acredita. Seria passar recibo de suprema ingenuidade.
Não há espaço aqui para listar os crimes de
nossos políticos. Corrupção é o mais velho deles, não importa o partido no
poder. Cada um tem sua desculpa. A mais ouvida é: não dá para governar no
Brasil sem corromper ou ser corrompido. Agora, não querem dar nomes aos bois. É
vergonhosa a ginástica da Câmara e Senado, leia-se Lira e Pacheco, para
desrespeitar o Supremo. A determinação de Rosa Weber: abram o orçamento
secreto.
Eu quero saber, você quer saber, até as
torcidas do Flamengo e do Palmeiras querem saber quais foram os beneficiados
com os bilhões de emendas parlamentares. As verbas da União – que são nossas –
foram distribuídas, não para o bem do povo. O volume de “presentes” indecorosos
e de mentiras para não revelar quem se deu bem no toma lá dá cá nos dois
últimos anos...é de fazer corar. Acesso público, trombadinhas!
Quer ler a justificativa oficial do
Congresso para não abrir o orçamento? “A impossibilidade fática de estabelecer
retroativamente um procedimento para registro das demandas”. Entendeu? Não é
mesmo para entender. A linguagem também é secreta. Desculpe, pessoal, tal
palavreado em código! Combina com “PEC dos precatórios”. E com “prevaricação”.
Brasília precisa ter tradução simultânea. Decifra-me ou te devoro.
É, não se pode criminalizar a política. Eu
queria ver um juiz assumir com a promessa de acabar com a impunidade na
política. Porque é essa a realidade que a gente vive. A operação blindagem de
políticos que disseminam fake news é um exemplo.
Mais? A escandalosa impunidade do senador
Flávio Bolsonaro. Foro especial cruzado. Entendeu? É difícil. Ainda mais porque
tem miliciano no meio – e aí é crime diferenciado. Sigilo garantido nas
operações bancárias do Flávio, apesar de todas as provas de rachadinhas mil, chocolaterias
fantásticas, apartamentos com valores manipulados – coaf, coaf, coaxam os sapos
no pântano ou no Planalto. Por isso Bolsonaro não quer debater a famiglia.
Carlos, Eduardo, quanta vidraça suja, não tem como lavar a jato.
Talvez o título correto da coluna fosse “a
hipocrisia de Mendonça”. Mas não. O juiz comemorou seu “salto para os
evangélicos”. Vamos aderir ao êxtase da Michelle e entoar, com lágrimas,
glórias às alturas e não às baixarias.
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