segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Mirtes Cordeiro*: Pelo direito à vida

A vida é o nosso bem mais precioso. No entanto, no Brasil, a matança de pessoas é generalizada e já faz tempo se transformou em banalidade.

A violência generalizada atualmente incentivada tira não só a vida de pessoas, mas o direito de ir e vir, faz crescer a intolerância, incita o ódio, desarmoniza as famílias, cria novas regras nas comunidades e desconhece princípios e valores como a ética, o respeito, a humildade, o caráter, o amor, a compaixão, a solidariedade, entre outros, cultivados pela sociedade de acordo com sua cultura.

A violência no nosso país denuncia o mal funcionamento das instituições responsáveis pela garantia da lei e da ordem e aponta os males que afligem a população. A nossa sociedade há muitos anos padece de doenças sociais malignas, decorrentes dos poderes intolerantes, das ações desumanas, dos desempenhos medíocres, das consciências desvirtuadas e da precariedade institucional.

Atlas da Violência 2021, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,  revela que a taxa de homicídios em todos os estados brasileiros apresentou queda, com exceção do Amazonas que, entre 2018 e 2019, aumentou 1,6%. Entretanto, o número de mortes violentas por causas indeterminadas cresceu nos dois últimos anos.

De acordo com o estudo, o Brasil registrou um crescimento de 35,2% no número de mortes violentas por causas indeterminadas entre 2018 e 2019. Os maiores aumentos foram registrados no Rio de Janeiro (232%), no Acre (185%) e em Rondônia (178%).

No ano de 2018, o país registrou 57.956 homicídios. Já em 2019 foram 45.503, o que representa uma queda de 21,5%. De 2014 a 2019 a queda na taxa de homicídios é ainda maior: 24,8%.

Os dados apresentados, embora indicando que há um declínio, assusta a todos, dado o estado de intolerância e beligerância existente, vivenciado no dia a dia.

A agressividade vem se tornando uma marca, sobretudo nas redes sociais.

A violência no Brasil sempre foi usada como instrumento de repressão, desde o período colonial, por isso se reveste de certa complexidade, enraizada nas forças responsáveis pela proteção e repressão, em várias modalidades.

Sem dúvida, na atualidade o aguçamento da violência se dá pela grande desigualdade social vigente, quando os direitos fundamentais são negados à grande maioria da população, gerando um terreno fértil para tomar assento o tráfico de droga e o crime organizado.

A política de combate ao crime infelizmente tem sido equivocada, o que vem produzindo verdadeira guerra entre as facções do tráfico e entre essas facções e as polícias nos estados. Sem falar no surgimento das milícias, subproduto da desigualdade social e da ausência de políticas públicas.

Na semana que passou podemos contar algumas histórias de vida e morte de pessoas que convivem diariamente conosco e, mesmo quando ocorrem no nosso cotidiano, tão logo são esquecidas.

É a banalização da vida!

No Recife, a imprensa noticiou o assalto a uma mulher de 65 anos, avó que diariamente acompanhava o neto de sete anos de idade à escola. Dois assaltantes, para tomar a bolsa da idosa, arrastaram o seu corpo no meio da rua, na frente da criança, até tirarem a bolsa e fugir de bicicleta, com tranquilidade, num bairro de classe média, a Tamarineira. Posteriormente os assaltantes foram presos, mas apesar da televisão ter mostrado a monstruosidade da ação criminal cometida, e tendo a confissão dos criminosos na delegacia, os mesmos foram soltos por uma questão burocrática: o BO feito pela internet não havia sido validado pelo sistema de segurança.

No município de Glória do Goitá, duas adolescentes foram estupradas e mortas por um mesmo homem que já havia passado pelo sistema prisional e se encontrava na região em busca de praticar crimes semelhantes, como denunciaram algumas mulheres que foram ameaçadas.

No Rio de Janeiro, um imigrante, Moïse Kabagambe, natural da República Democrática do Congo, África, residindo e trabalhando na “Cidade Maravilhosa” com sua família, foi espancado até a morte no momento em que foi cobrar o pagamento pelo trabalho realizado num quiosque de uma das praias mais movimentadas do país, Barra da Tijuca. Observando o vídeo apresentado pela imprensa, foram muitas pauladas denunciantes da intolerância e da raiva que circunda os crimes cometidos contra aqueles que mais padecem por não terem seus direitos garantidos. Os criminosos foram presos após o vídeo mostrar a barbárie, homens de cor negra espancando e matando um homem também negro, de origem do mesmo país, o Congo, que mais enviou escravos para produzir riquezas no Brasil Colonial. Também produziram cultura.

Além dos marginais, dos traficantes, as polícias também matam. Quem não se lembra da chacina motivada por soldados do exército contra uma família que se dirigia para uma festa de aniversário no Rio de Janeiro? E as outras chacinas: Jacarezinho, Padre Miguel? E muitas outras… Tem sido comum em alguns estados brasileiros, pessoas, sobretudo crianças e jovens serem vítimas das chamadas balas perdidas, oriundas das armas dos militares no combate ao tráfico.

Algumas crianças mortas foram atingidas por balas dentro das escolas ou dentro de suas casas.

Diariamente, as barbaridades são cometidas em vários lugares do território nacional, inclusive linchamentos ou justiçamentos.  Segundo o sociólogo José de Sousa Martins, “os linchamentos expressam o pavor de uma sociedade do medo, de uma sociedade deteriorada”.

A sociedade brasileira está muito doente. O que fazer contra a suposta falta de controle que gera a violência e ao mesmo tempo o medo?

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. 

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