segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Sergio Lamucci: Banalização das PECs aumenta incertezas

Valor Econômico

Além do risco de piorar situação fiscal, iniciativas podem elevar insegurança jurídica num país que precisa fazer o possível para reduzi-la

Virou rotina. Para resolver problemas fiscais de curto prazo e/ou atender a objetivos eleitorais, o governo e a sua base no Congresso passaram a recorrer a Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Além do risco de aumentar a incerteza em relação às contas públicas, a banalização das PECs pode elevar a insegurança jurídica num país que precisa fazer o possível para reduzi-la, se quiser ampliar o investimento na economia.

Em março de 2021, foi aprovada a PEC Emergencial, para garantir o pagamento do auxílio emergencial no ano seguinte e regulamentar o acionamento de gatilhos quando as despesas obrigatórias atingissem 95% dos gastos totais. No fim do ano passado, foi a vez da PEC dos Precatórios, votada a toque de caixa por deputados e senadores para aumentar o valor do benefício do Auxílio Brasil, numa proposta que adiou o pagamento de parte das dívidas da União decorrentes de sentenças judiciais, considerada um calote por grande parte dos especialistas em contas públicas.

Na semana passada, surgiram duas PECs, uma na Câmara e outra no Senado, com o objetivo de reduzir ou zerar os impostos sobre os combustíveis, num cenário em que a disparada dos preços da gasolina e do diesel afeta a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A proposta da Câmara, apresentada pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), foi acertada com a ala política do governo, ignorando as objeções da equipe econômica. O projeto pode levar a uma perda de arrecadação de R$ 54 bilhões.

A PEC patrocinada pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), por sua vez, tem potencial ainda maior de causar estragos nas contas públicas, com um impacto estimado em mais de R$ 100 bilhões. Além de permitir a desoneração dos combustíveis, prevê medidas como o corte de impostos sobre energia, a criação de um auxílio diesel para caminhoneiros e subsídios à compra de gás pelas famílias de baixa renda. Não por acaso, foi batizada como “PEC Kamikaze” ou “PEC da Irresponsabilidade Fiscal” nos bastidores da equipe econômica.

O economista Armando Castelar aponta o aumento da incerteza que tende a ser causado por PECs como essas, que pretendem mudar a lei com propósitos eleitorais, “fora de uma lógica de política econômica mais ampla”. A mudança de regras e a falta de critério para que se entendam os motivos da alteração tornam tudo mais incerto, diz Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Ele destaca o efeito negativo da PEC dos Precatórios, que determinou um calote para parte de dívidas da União já reconhecidas por decisões judiciais. Em geral, os processos passam anos tramitando no Judiciário. “Isso tornou o quadro ainda mais incerto, ainda mais inseguro.”

Castelar ressalta a diferença entre essas PECs e propostas como as da reforma da Previdência, aprovada em 2019, um tema que passou anos sendo discutido. “PECs são apresentadas com frequência. Já há mais de 100 à atual Constituição. Mas elas não deveriam obviamente ser algo que se faz a toda hora e meramente para se obter resultado num ano eleitoral.”

PECs como a dos Precatórios e a dos combustíveis contribuem para aumentar a incerteza e a insegurança na economia, na contramão de outras medidas aprovadas nos últimos anos que as reduzem, como o marco legal do saneamento, sancionado em 2020. As novas regras para o setor deram mais confiança aos investidores, e os leilões de concessões na área têm sido bem-sucedidos, atraindo o setor privado. Regras estáveis são fundamentais para as empresas investirem com segurança em novos projetos. “Se você não sabe qual regra valerá no período em que vai obter o retorno do seu investimento, o risco é muito maior”, diz Castelar.

Com a popularidade de Bolsonaro em baixa, crescem as pressões por soluções populistas, das quais as PECs dos combustíveis, articuladas à revelia da equipe econômica, são o melhor exemplo. O petróleo em alta e um dólar ainda caro, apesar da queda ocorrida neste ano, elevam as chances de novos reajustes das cotações da gasolina e do diesel no curto prazo. Para tentar ofuscar esses aumentos, a ala política do governo e a base aliada no Congresso têm grande incentivo para aprovar propostas de redução de impostos sobre combustíveis e de ajuda a categorias como os caminhoneiros - a “PEC Kamikaze” prevê um auxílio de R$ 1.200 por mês para os motoristas.

Castelar enfatiza também o risco de que sejam apresentadas novas medidas para tentar melhorar o desempenho de Bolsonaro nas eleições, caso a situação do presidente nas pesquisas continue negativa. Para ele, é possível que haja outras iniciativas de cortes de impostos, aumentos de gastos ou mesmo tentativas de controles de preços, tanto de combustíveis como de energia elétrica, não necessariamente por meio de PECs.

Nesse ambiente de incerteza, a tendência é que o setor privado fique em compasso de espera em relação a novos investimentos, diz Castelar, para quem projetos mais ambiciosos de ampliação da capacidade produtiva devem ser afetados.

Além disso, dúvidas sobre a política econômica a ser adotada no próximo governo devem contribuir para travar o crescimento neste ano, avalia ele. Há incertezas sobre como será a política fiscal e sobre a capacidade de o país crescer. Ele nota que o PIB per capita brasileiro está num nível inferior ao de 2013.

Nesse cenário de indefinição, as perspectivas para a economia em 2022 são desanimadoras. Além das incertezas provocadas por PECs e outras medidas com objetivos eleitorais, os juros bem mais altos do que no ano passado e uma inflação resistente jogam contra a atividade econômica. O FGV Ibre, por exemplo, estima um crescimento de 0,6% neste ano, enquanto parte dos analistas projeta uma contração do PIB.

Iniciativas populistas de reduzir impostos e aumentar gastos, como as contidas nas PECs dos combustíveis, tendem a manter pressão sobre o câmbio ou no mínimo impedir valorização adicional da moeda brasileira, dificultando a tarefa do Banco Central (BC) de combater a inflação. Isso pode exigir juros mais altos por mais tempo, com impacto negativo sobre o mercado de trabalho - o contrário do que desejam Bolsonaro e a base aliada.

 

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