Valor Econômico
Além do risco de piorar situação fiscal,
iniciativas podem elevar insegurança jurídica num país que precisa fazer o
possível para reduzi-la
Virou rotina. Para resolver problemas
fiscais de curto prazo e/ou atender a objetivos eleitorais, o governo e a sua
base no Congresso passaram a recorrer a Propostas de Emenda à Constituição
(PEC). Além do risco de aumentar a incerteza em relação às contas públicas, a
banalização das PECs pode elevar a insegurança jurídica num país que precisa
fazer o possível para reduzi-la, se quiser ampliar o investimento na economia.
Em março de 2021, foi aprovada a PEC Emergencial, para garantir o pagamento do auxílio emergencial no ano seguinte e regulamentar o acionamento de gatilhos quando as despesas obrigatórias atingissem 95% dos gastos totais. No fim do ano passado, foi a vez da PEC dos Precatórios, votada a toque de caixa por deputados e senadores para aumentar o valor do benefício do Auxílio Brasil, numa proposta que adiou o pagamento de parte das dívidas da União decorrentes de sentenças judiciais, considerada um calote por grande parte dos especialistas em contas públicas.
Na semana passada, surgiram duas PECs, uma
na Câmara e outra no Senado, com o objetivo de reduzir ou zerar os impostos
sobre os combustíveis, num cenário em que a disparada dos preços da gasolina e
do diesel afeta a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A proposta da
Câmara, apresentada pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), foi acertada com a
ala política do governo, ignorando as objeções da equipe econômica. O projeto
pode levar a uma perda de arrecadação de R$ 54 bilhões.
A PEC patrocinada pelo senador Carlos
Fávaro (PSD-MT), por sua vez, tem potencial ainda maior de causar estragos nas
contas públicas, com um impacto estimado em mais de R$ 100 bilhões. Além de
permitir a desoneração dos combustíveis, prevê medidas como o corte de impostos
sobre energia, a criação de um auxílio diesel para caminhoneiros e subsídios à
compra de gás pelas famílias de baixa renda. Não por acaso, foi batizada como
“PEC Kamikaze” ou “PEC da Irresponsabilidade Fiscal” nos bastidores da equipe
econômica.
O economista Armando Castelar aponta o
aumento da incerteza que tende a ser causado por PECs como essas, que pretendem
mudar a lei com propósitos eleitorais, “fora de uma lógica de política
econômica mais ampla”. A mudança de regras e a falta de critério para que se
entendam os motivos da alteração tornam tudo mais incerto, diz Castelar,
coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Ele destaca o efeito negativo da PEC dos
Precatórios, que determinou um calote para parte de dívidas da União já
reconhecidas por decisões judiciais. Em geral, os processos passam anos
tramitando no Judiciário. “Isso tornou o quadro ainda mais incerto, ainda mais
inseguro.”
Castelar ressalta a diferença entre essas
PECs e propostas como as da reforma da Previdência, aprovada em 2019, um tema
que passou anos sendo discutido. “PECs são apresentadas com frequência. Já há
mais de 100 à atual Constituição. Mas elas não deveriam obviamente ser algo que
se faz a toda hora e meramente para se obter resultado num ano eleitoral.”
PECs como a dos Precatórios e a dos
combustíveis contribuem para aumentar a incerteza e a insegurança na economia,
na contramão de outras medidas aprovadas nos últimos anos que as reduzem, como
o marco legal do saneamento, sancionado em 2020. As novas regras para o setor
deram mais confiança aos investidores, e os leilões de concessões na área têm
sido bem-sucedidos, atraindo o setor privado. Regras estáveis são fundamentais
para as empresas investirem com segurança em novos projetos. “Se você não sabe
qual regra valerá no período em que vai obter o retorno do seu investimento, o
risco é muito maior”, diz Castelar.
Com a popularidade de Bolsonaro em baixa,
crescem as pressões por soluções populistas, das quais as PECs dos
combustíveis, articuladas à revelia da equipe econômica, são o melhor exemplo.
O petróleo em alta e um dólar ainda caro, apesar da queda ocorrida neste ano,
elevam as chances de novos reajustes das cotações da gasolina e do diesel no
curto prazo. Para tentar ofuscar esses aumentos, a ala política do governo e a
base aliada no Congresso têm grande incentivo para aprovar propostas de redução
de impostos sobre combustíveis e de ajuda a categorias como os caminhoneiros -
a “PEC Kamikaze” prevê um auxílio de R$ 1.200 por mês para os motoristas.
Castelar enfatiza também o risco de que
sejam apresentadas novas medidas para tentar melhorar o desempenho de Bolsonaro
nas eleições, caso a situação do presidente nas pesquisas continue negativa. Para
ele, é possível que haja outras iniciativas de cortes de impostos, aumentos de
gastos ou mesmo tentativas de controles de preços, tanto de combustíveis como
de energia elétrica, não necessariamente por meio de PECs.
Nesse ambiente de incerteza, a tendência é
que o setor privado fique em compasso de espera em relação a novos
investimentos, diz Castelar, para quem projetos mais ambiciosos de ampliação da
capacidade produtiva devem ser afetados.
Além disso, dúvidas sobre a política
econômica a ser adotada no próximo governo devem contribuir para travar o
crescimento neste ano, avalia ele. Há incertezas sobre como será a política
fiscal e sobre a capacidade de o país crescer. Ele nota que o PIB per capita
brasileiro está num nível inferior ao de 2013.
Nesse cenário de indefinição, as
perspectivas para a economia em 2022 são desanimadoras. Além das incertezas
provocadas por PECs e outras medidas com objetivos eleitorais, os juros bem
mais altos do que no ano passado e uma inflação resistente jogam contra a atividade
econômica. O FGV Ibre, por exemplo, estima um crescimento de 0,6% neste ano,
enquanto parte dos analistas projeta uma contração do PIB.
Iniciativas populistas de reduzir impostos
e aumentar gastos, como as contidas nas PECs dos combustíveis, tendem a manter
pressão sobre o câmbio ou no mínimo impedir valorização adicional da moeda
brasileira, dificultando a tarefa do Banco Central (BC) de combater a inflação.
Isso pode exigir juros mais altos por mais tempo, com impacto negativo sobre o
mercado de trabalho - o contrário do que desejam Bolsonaro e a base aliada.
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