Valor Econômico
Articulações por federações agitam política
brasileira
A política brasileira é feita de alianças
interesseiras e traições consentidas - casamentos duradouros são raridade. Além
do comportamento lascivo dos participantes, o ambiente convida à promiscuidade.
O desenho institucional do sistema político
brasileiro é muito permissivo, pois a frouxidão da legislação sobre o
estabelecimento e a gestão dos partidos, aliada à fartura de recursos públicos
para o seu financiamento, estimula a proliferação de agremiações.
Criar um partido político no Brasil é
extremamente fácil. Basta arregimentar 101 pessoas, provenientes de 9 Estados
diferentes, escrever um programa e um estatuto jurídico, realizar uma
assembleia e o resto é burocracia. Para poder disputar eleições, é preciso uma
lista de assinaturas de pouco menos de 500 mil apoiadores; não há número mínimo
de filiados.
Até recentemente, o registro de uma legenda no Tribunal Superior Eleitoral dava direito automático à propaganda gratuita no rádio e na televisão, além de uma cota mínima nos fundos partidário e eleitoral. Fundar um partido, portanto, era um grande negócio.
Numa rara tentativa bem-sucedida de
dificultar a proliferação de agremiações políticas no Brasil, o Congresso
Nacional aprovou em 2017 a Emenda Constitucional nº 97. O objetivo era melhorar
a governabilidade no país, proibindo as coligações nas eleições proporcionais
(vereadores e deputados estaduais e federais) e garantindo o acesso à
propaganda eleitoral e ao fundo partidário apenas àqueles que tivessem um
patamar mínimo de votos.
A partir daí a vida dos partidos pequenos
começou a se complicar. Siglas com poucos votos ficaram impossibilitadas de
vender seus tempos no rádio e na TV e de pegar carona nas coligações com as
legendas maiores. Também secou a fonte do fundo partidário para quem não
atingiu a cláusula de barreira em 2018.
Os resultados da minirreforma política de
2017 começaram a aparecer. O PRP foi incorporado pelo Patriota, o PPL uniu-se
ao PCdoB e o PHS foi absorvido pelo Podemos. PSL e DEM negociaram uma fusão e o
União Brasil deve ser aprovado pelo TSE nesta semana.
O número de fusões e incorporações na
política brasileira poderia ser maior se o Congresso submetesse à cláusula de
barreira não apenas o fundo partidário (R$ 1 bilhão por ano), mas também o
fundo eleitoral (que neste ano será de R$ 4,9 bilhões ou R$ 5,7 bilhões).
Como o fundão ficou de fora da Emenda nº
97/2017, o Unidade Popular, criado no fim de 2019, terá direito a R$ 3,5
milhões de recursos públicos para gastar neste ano - nada mau para um partido
ainda sem votos no plano nacional. Para muitos partidos pequenos, portanto,
ainda vale a pena continuar em carreira solo, ainda mais com a perspectiva de
afrouxamento dessas regras no horizonte.
Num esforço de sobrevivência, as siglas
nanicas conseguiram aprovar no ano passado a criação das federações
partidárias. Ao permitir que dois ou mais partidos se aliem e atuem como se
fossem um só nas eleições, a nova lei é um jeitinho para contornar os efeitos
do fim das coligações e da cláusula de desempenho.
Caso seja declarada a constitucionalidade
das federações nesta semana, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal atuará a
favor do caos em Brasília, onde a existência de dezenas de partidos com
representação no Congresso torna praticamente ingovernável o país.
Confiantes na liberação do STF, os partidos
se lançam na dança do acasalamento. Estamos acompanhando as idas e vindas do
namoro entre PT, PSB, PCdoB e PV, buscando viabilizar o “match” entre Lula e
Alckmin. O Cidadania é cortejado por Doria (PSDB), Moro (Podemos) e Ciro (PDT).
Moro já piscou para o União Brasil, enquanto PSDB e MDB iniciaram um flerte.
Lula é um mestre da sedução. Não teve
dificuldades em obter o “sim” do PCdoB, o mais fiel companheiro do PT, de
reconquistar o PV e, apesar do charme feito pelo PSB, certamente a novela terá
um final feliz. Rede e Psol ainda não definiram se celebrarão sua união em
papel passado, mas já fazem parte do poliamor da esquerda lulista.
Líder das pesquisas, Lula também pode
causar intrigas nos casamentos alheios. No seu longo percurso até se eleger
presidente pela primeira vez, em 2002, foi conquistando corações no Centrão. No
ano em que entregou a faixa para Dilma, o PT celebrou 259 coligações, dezenas
delas com PL, PP, PTB e Republicanos - o núcleo que hoje apoia Bolsonaro. O MDB
também foi parceiro de primeira hora do Mensalão até o impeachment.
À medida que se aproxima a hora da verdade,
aumentam as chances de traições nos acordos costurados pelos concorrentes.
Afinal, como diria Tim Maia, “paixão antiga sempre mexe com a gente”.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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