Folha de S. Paulo
Se ele é mais um personagem da velha
política, as roupas de ditador-em-chefe já não lhe cabem
Paulo Guedes ameaça expor os nomes dos
padrinhos dos ocupantes de cargos no governo, o que foi entendido como
retaliação a movimentos de desembarque do governo por partidos e parlamentares.
Esses movimentos são um fato estilizado do funcionamento das democracias, mas
entre nós há singularidades. A principal delas: a abdicação do presidente
quanto a seu papel de coordenador político do governo.
Bolsonaro pato manco já era esperado, como
discuti neste
espaço. Sua ascensão foi produto de circunstâncias extraordinárias e, ao
fim e ao cabo, o nosso arranjo institucional acabaria impondo-se. Trata-se de
um presidente hiperminoritário, sem partido e contando com apoio modesto na
opinião pública para seu unilateralismo; e, mais importante, enfrentando
controles constitucionais imperfeitos, mas robustos.
Tendo sido produto de uma maioria negativa, que se forjou pela rejeição da opção rival, sob colossal polarização, não era difícil prever que uma minoria cacofônica não lhe garantiria sustentação extraparlamentar e que as lideranças desses setores evanesceriam.
É certo que um cataclismo sanitário com
impactos sistêmicos jogou luz sobre o líder acidental, magnificando sua
inépcia. O fator que permitiu a sobrevivência do Executivo, a partir de
abril de 2021, foi a formação de uma base parlamentar e escudo legislativo, o
que lhe garantiu a presidência das duas casas legislativas.
Mas esse movimento contribuiu para erodir
seu apelo, a negação de sua persona e suas bandeiras fortes. A política da
autenticidade —que era o seu trunfo— não sobreviveu quando o líder abraçou o
que antes renegava. Há incompatibilidade dinâmica entre o que é bom para
sobreviver politicamente e para ganhar eleições. O novo personagem matou a
persona política. Mas os fatores decisivos foram o recrudescimento e a
resiliência da pandemia e seu impacto sobre o nível de preços e desemprego,
além da política fiscal temerária, que levaram à reversão dos ganhos políticos
obtidos com programas emergenciais.
A falta de competitividade eleitoral do
presidente gera incentivos à defecção no seio da base de governo. O equilíbrio
é instável e o efeito manada é iminente. O apoio do bloco parlamentar existiu
enquanto a popularidade de Bolsonaro claudicava, mas o limiar já chegou.
Se Bolsonaro é mais um personagem carcomido
da velha política, as roupas do ditador-em-chefe já não lhe cabem. E a
narrativa de ameaça totalitária se enfraquece.
A maior ameaça, no entanto, já se
materializou: é sua incompetência em liderar o país na crise sanitária e em
cumprir o papel que a Constituição lhe reserva de ator central do sistema
político.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Bolsonaro não serve nem pra ser ditador,falta-lhe tudo.
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