Editoriais
PGR deveria investigar ação de Bolsonaro no
MEC
O Globo
Em resposta a questionamento da ministra
Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), a vice-procuradora-geral da
República, Lindôra Araújo, alegou falta de elementos que justifiquem a abertura
de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro no escândalo dos pastores no
Ministério da Educação (MEC).
Ora, o que não falta são indícios do
envolvimento de Bolsonaro na ação ilegal dos pastores Gilmar Santos e Arilton
Moura com a finalidade de liberar verbas do MEC para prefeituras, em troca de
propina. Se ainda pairar alguma dúvida à vice-procuradora (ou ao
procurador-geral, Augusto Aras, abordado durante as férias em Paris por
brasileiros com a cobrança de que investigue o caso), eles poderiam começar
pelo áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo em que o próprio ministro da
Educação, Milton Ribeiro (depois afastado do cargo), pede em nome de Bolsonaro
que sejam atendidos “todos os que são amigos do pastor Gilmar”.
Os dois deveriam consultar em seguida os registros da portaria do Palácio do Planalto, revelados pelo GLOBO depois que o governo tentou esconder a informação (e se viu obrigado a entregá-la para não desrespeitar a lei). O pastor Arilton esteve 35 vezes no local de trabalho de Bolsonaro, dez na companhia do colega Gilmar. Nely Jardim, apresentada como secretária dos dois, visitou quatro vezes a sede do governo. Há imagens de ambos na companhia do presidente.
E, se mesmo assim a Procuradoria-Geral da
República (PGR) ainda continuar com dúvidas, basta ouvir os prefeitos abordados
pela dupla, que relatam ter sido procurados pelos pastores com pedidos de R$ 15
mil a R$ 40 mil para facilitar a liberação de recursos no MEC. Houve até
cobrança de um quilo de ouro a um prefeito de uma região de mineração.
A esbórnia no MEC precisa ser investigada,
do contrário o risco é que o tráfico de influência continue na nova gestão.
Secretário executivo de Ribeiro, o interino Victor Godoy Veiga foi confirmado
no cargo por Bolsonaro na segunda-feira. Assume sem nenhuma expectativa de
mudança na forma com que o governo trata o setor, considerado pelo Planalto
apenas como campo de batalha na “guerra cultural” que os bolsonaristas dizem
travar contra a esquerda e o comunismo.
Na prática, há um descaso total diante de
questões fundamentais para a Educação. Não bastassem a pandemia e os efeitos do
fechamento das escolas no aprendizado, há problemas a resolver no ensino médio,
cuja reforma, aprovada no governo Temer, está em fase de implementação. O MEC
sob Bolsonaro chega ao quinto ministro e continua completamente omisso na agenda
vital de mudanças e aperfeiçoamentos no ensino público.
A gestão Ribeiro foi marcada pela debandada
de quadros técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), prejudicando o Enem, a pesquisa e a formação universitárias.
O único momento notável protagonizado pelo ex-ministro foi a gravação pedindo
aos prefeitos que atendessem os pastores, em nome de Bolsonaro. E a PGR não
acha que isso precisa ser investigado? Parece escárnio.
Cidades não podem permitir desfiles de
blocos sem a infraestrutura adequada
O Globo
É compreensível que o desejo de cair na
folia, represado por dois anos de pandemia, deixe inquietos os milhões de
órfãos do carnaval de rua, especialmente quando estão barrados no baile fora de
época desta semana, restrito apenas às escolas de samba no Rio e em São Paulo.
Mas é preciso considerar que as regras já estavam estabelecidas desde janeiro,
quando foi sacramentado o adiamento da festa, em decisão conjunta das
prefeituras carioca e paulistana diante da ascensão dos casos de Covid-19.
Sabia-se que haveria apenas os desfiles em lugares com entrada controlada.
Por isso preocupa a pressão exercida pelos
foliões do Rio e de São Paulo para que as prefeituras autorizem os blocos de
rua. Não há nenhum cabimento nisso. Primeiro porque, apesar das melhoras visíveis
nos indicadores, a pandemia ainda não está debelada. O país registra cerca de
cem mortes e em torno de 15 mil casos diariamente. Uma coisa é permitir a
entrada do público e dos foliões nos sambódromos mediante certificado de
vacinação. Outra bem diferente é franquear as ruas a milhões de foliões sem
nenhum controle.
Em segundo lugar, não há como autorizar os
desfiles sem que as prefeituras tenham tido tempo hábil para providenciar a
infraestrutura necessária, como banheiros químicos, esquema de segurança,
serviço médico, operação de trânsito e limpeza urbana. Se, em condições
normais, quando o planejamento é feito com meses de antecedência, já se ouvem
críticas ao impacto dos blocos, não é difícil imaginar o que acontecerá se eles
forem para as ruas sem o amparo do poder público.
Em São Paulo, representantes de blocos e
autoridades tentam chegar a um acordo. Uma das alternativas em discussão é
marcar outra data para a folia dos blocos — na prática, um terceiro carnaval.
Ao menos 50 cortejos estão decididos a ir às ruas no feriado de Tiradentes, com
ou sem autorização. Parte deles não divulgará os roteiros para atrair menos
gente e evitar repressão. No Rio, os grupos tradicionais prometeram recesso,
mas 140 assinaram manifesto contra as restrições. A Secretaria de Ordem Pública
avisou que os blocos não estão autorizados a sair, mas acrescentou que não
serão coibidos. O que isso significa na prática não se sabe.
É importante ter em mente que se vive um
momento excepcional numa pandemia que já matou mais de 660 mil brasileiros. Sem
dúvida o cenário epidemiológico hoje é muito mais favorável que no início do
ano, quando as decisões foram tomadas. Mas não se pode pôr a perder o que foi
conquistado graças ao avanço da vacinação e às medidas de restrição. Também não
é justo impor o caos à população, forçando a realização de um evento para o
qual não existe nenhum planejamento. As prefeituras do Rio e de São Paulo
deveriam se esforçar para evitar os cortejos não autorizados. A
responsabilidade, claro, não cabe apenas a elas. Espera-se que os foliões
tenham bom senso e respeitem o que foi acordado há três meses. No ano que vem,
com a pandemia controlada, São Paulo e Rio terão motivos para fazer o melhor
carnaval de rua da História.
Menos péssimo
Folha de S. Paulo
FMI sobe projeção de crescimento do Brasil,
que segue sem sinal de agenda sólida
Com a guerra na Ucrânia e novos problemas
de oferta em várias cadeias produtivas ocasionados pelo agravamento da pandemia
na China, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou novamente para baixo
sua projeção para o crescimento da economia mundial.
A expectativa para este ano caiu de 4,4%
para 3,6%, com mudanças para pior nas principais regiões. O Brasil, desta vez,
foi exceção, com
alteração de 0,3% para 0,8%. Mesmo assim, o desempenho da atividade
doméstica permanece abaixo do padrão global, como tem sido a norma desde a
década passada.
A nova previsão para o país é menos ruim do
que outras em circulação há poucos meses. Não se cogita agora o temido cenário
recessivo —e vai se firmando entre analistas uma taxa mais próxima de 1% —uma
quase estagnação.
Contribuem para a melhora os elevados
preços no mercado internacional das matérias-primas, inclusive petróleo, que o
país exporta em quantidades crescentes.
O efeito da alta nas cotações de produtos
agrícolas e minerais impulsiona a renda de setores que em conjunto perfazem
cerca de 25% do Produto Interno Bruto.
No caso do petróleo, o benefício fica
magnificado pelo impacto na arrecadação de impostos e royalties, com parte
relevante direcionada para estados e municípios, que podem assim impulsionar os
investimentos públicos.
Os dados são convincentes. A arrecadação
cresce rapidamente desde o ano passado, com ajuda da inflação elevada, e o novo
choque de preços deste início de 2022 reforçará o movimento. O caixa dos
estados atingiu valor recorde no final de 2021 —R$ 124,1 bilhões, com expansão
anual de 91%.
Dados reunidos pelo jornal Valor Econômico
mostram que governos estaduais, no agregado, investiram no primeiro bimestre R$
4,2 bilhões, um aumento real de 115% ante o mesmo período de 2021. O maior
salto se deu em Minas Gerais: o investimento passou de R$ 57 milhões para R$
991,7 milhões.
Outros elementos importantes são a retomada
dos serviços ainda deprimidos e a recomposição de estoques na indústria, embora
neste caso o quadro possa piorar com novos sobressaltos na China.
Se este ano pode ser menos desastroso do
que se temia, o próximo também tende a se mostrar difícil. A projeção do FMI,
uma alta de apenas 1,4%, corre risco de cair à frente. A escalada da taxa de
juros, que deve superar 13% anuais, deve provocar maiores consequências a
partir do segundo semestre.
O primeiro ano de um novo governo, além
disso, normalmente é acompanhado por aperto orçamentário. Pior, a pré-campanha
presidencial ainda não gerou sinais de agenda econômica sólida, sem a qual não
se vislumbrará progresso material e melhoria social.
O nome do crime
Folha de S. Paulo
É descabido usar investida no PR para
defender mudança na lei antiterrorismo
O ministro da Justiça, Anderson
Torres, classificou
a investida de bandidos em Guarapuava (PR) nesta semana como terrorismo e
defendeu mudanças na lei para endurecer as penas em casos como esse. Por
assustadora que tenha sido a ação criminosa, Torres não parece saber do que
fala.
Das muitas mazelas do Brasil, não consta o
terrorismo. Uma feliz combinação de geografia e história tem poupado o país da
chaga, que assola outras partes do mundo.
É claro que isso não nos isenta de contar
com uma legislação sobre o tema —o futuro, afinal, é incerto. Temos, além
disso, compromissos internacionais que nos obrigam a cooperar com outras nações
no combate a essa ameaça global.
A questão é que tal providência já foi
tomada. A legislação antiterrorismo de 2016 é peça relativamente atualizada e
plenamente adequada ao contexto brasileiro. Oferece, inclusive, ferramentas
para lidar com crimes contra o Estado democrático que possam ter sido
fragilizadas com a oportuna extinção da Lei de Segurança Nacional.
Numa interpretação honesta e desinteressada
das normas penais, o diploma jamais serviria para enquadrar os bandidos que
atacaram a cidade paranaense. Ao que tudo indica, eles agiram por interesse
financeiro, não por motivações políticas ou ideológicas.
Se os criminosos de Guarapuava deixarem de
ser punidos, não será por falta ou insuficiência de tipos penais. Os bandidos
violaram diversas páginas do Código Penal, o que bastaria para pô-los na cadeia
por um longo período.
Para que isso ocorra, entretanto, é
necessário antes identificar e capturar os bandidos, bem como reunir provas que
possam instruir um processo —o que depende de um bom trabalho policial.
A pasta de Torres não apenas abriga a
Polícia Federal como também tem, entre suas atribuições, a missão de coordenar
e apoiar o trabalho das polícias estaduais.
O ministro, porém, preferiu fazer eco aos
interesses eleitorais de Jair Bolsonaro (PL), que já vinha batendo na tecla de
que é necessário alterar a Lei Antiterror. O presidente diz isso porque o
discurso agrada à sua base eleitoral —que gosta de descrever atos patrocinados
por movimentos sociais como terrorismo.
A lei atual contém dispositivos que evitam essa interpretação e precisam ser preservados.
O grande salto para trás
O Estado de S. Paulo
Lula e Bolsonaro defendem ideias que destroem o que foi feito de positivo. A revogação da reforma trabalhista, como quer o PT, é apenas o mais recente exemplo disso
Com uma crise social e econômica que afeta
gravemente a população, o País precisa de propostas consistentes e viáveis,
aptas a enfrentar, com responsabilidade, os problemas nacionais. No entanto, a
depender das propostas dos dois políticos que aparecem na frente nas pesquisas
de intenção de voto para a Presidência da República, parece que a tarefa é
exatamente inversa: apresentar ideias que aprofundam a crise.
A situação é muito peculiar. Não é apenas
que Lula da Silva e Jair Bolsonaro não tenham a menor noção do que precisa ser
feito para recolocar o País no caminho do desenvolvimento social e econômico.
Os dois querem destruir – essa é a palavra – o que foi feito de positivo até
aqui. Em qualquer dos casos, o País dará um grande salto para trás.
Na semana passada, o diretório nacional do
PT aprovou que, no programa de governo a ser apresentado aos partidos aliados,
não se fale de “revisão” da reforma trabalhista de 2017. O termo não
expressaria fidedignamente o que os petistas almejam. Eles querem nada mais nada
menos que a “revogação” de todo o marco trabalhista aprovado pelo Congresso
durante o governo de Michel Temer.
O Brasil tem hoje 12 milhões de
desempregados, o que corresponde a 11,2% da força de trabalho. E qual é a
proposta do PT para esse cenário extremamente desafiador? Jogar fora todo o
trabalho de modernização das regras trabalhistas feito pelo Congresso em 2017.
É um completo disparate. Ninguém em sã consciência acha que a revogação da
reforma trabalhista possa incentivar a criação de novos postos de trabalho.
Mesmo assim, o PT anuncia que, em 2023, dedicará suas energias a restaurar o
atraso.
Outra área na qual Lula e Bolsonaro
prometem atraso e destruição é a responsabilidade fiscal. No caso, é puro
deboche com a população e com todas as evidências. Nas últimas três décadas,
todos os governos que foram responsáveis com as contas públicas conseguiram
conter a inflação, e todos aqueles que desprezaram o equilíbrio fiscal
produziram aumento da inflação.
Depois do sucesso do Plano Real e das
reformas feitas nos governos de Fernando Henrique, o PT foi capaz, com seu
descompromisso na área fiscal, de reintroduzir a inflação na vida nacional.
Dilma Rousseff entregou baixo crescimento e inflação alta. Pois bem. Perante
esse panorama desafiador, Michel Temer implantou uma política de
responsabilidade fiscal que, além de desbastar a inflação, possibilitou a
redução histórica da taxa de juros. Após os dois anos e meio do governo Temer,
o País não deveria ter mais nenhuma dúvida sobre política econômica: sobre o
que protege a população e sobre o que a prejudica, especialmente os mais
vulneráveis.
Jair Bolsonaro seguiu, no entanto, o
caminho petista da irresponsabilidade. Tal foi a adesão ao populismo que o
governo Bolsonaro não apenas não defendeu o teto de gastos aprovado durante o
governo Temer, como atuou para derrubar esse que foi o principal marco da
responsabilidade fiscal dos últimos anos. O empenho gerou o resultado esperado:
inflação alta, com o Banco Central tendo de elevar a taxa básica de juros mesmo
em um cenário de baixa atividade econômica.
Diante dessa trajetória, o que Lula e
Bolsonaro propõem para o País a partir de 2023? Só querem saber de destruir
ainda mais os alicerces da responsabilidade fiscal. Sentindo-se tão confortável
em seu populismo, Jair Bolsonaro já disse até que cogita dispensar Paulo Guedes
em eventual segundo mandato. Nenhum disfarce de responsabilidade seria mais
necessário.
A confirmar que o retrocesso não é mero
acidente, mas um objetivo, o lulopetismo e o bolsonarismo almejam, também,
reduzir a autonomia das agências reguladoras. Mesmo depois de a pandemia
mostrar a importância de ter uma Anvisa independente, Lula e Bolsonaro querem o
Executivo imperando sem controle.
Perante ideias tão profícuas, como alguém
pode ter a ousadia de dizer, como às vezes se ouve, que eventual vitória de
Lula, ou mesmo de Bolsonaro, já estaria precificada? É uma bela modalidade de
negacionismo.
A crise de um bom projeto político
O Estado de S. Paulo
Parece claro que somente a partir da retomada de seu perfil histórico, abandonado por interesses imediatistas, o PSDB poderá se apresentar como antídoto para o atraso
Na enésima manifestação pública de
desacordo entre as lideranças tucanas, o ex-governador João Doria substituiu o
coordenador de sua pré-campanha à Presidência da República: no lugar do
presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, assumiu Marco Vinholi, aliado do
ex-governador e dirigente do partido em São Paulo.
A razão da substituição, segundo a equipe
de Doria, foi a postura “pouco agregadora” de Araújo, que diminuía o papel do
ex-governador na disputa pela Presidência. De fato, em evento recente do PSDB,
Araújo afirmou que a aliança entre as legendas que articulam uma candidatura
única da chamada “terceira via” se sobreporia ao nome do partido à Presidência.
Daí não ter surpreendido a leveza com que tratou de sua substituição na
coordenação da campanha presidencial. Comentando-a nas redes sociais, ele
escreveu: “Ufa”.
A resistência à candidatura de Doria é
maior, por incrível que pareça, no próprio PSDB, apesar de o ex-governador ter
vencido as prévias realizadas pelo partido para definição de seu pré-candidato
à Presidência. Prévias que, ao invés de unir, acabaram desunindo ainda mais o
partido aos olhos de toda a opinião pública. A ponto de o candidato derrotado
ali, Eduardo Leite, ainda se declarar como opção para a disputa presidencial:
“Estou na pista”, disse ele recentemente.
A resistência de Leite em aceitar o
resultado de uma eleição não faz lembrar apenas de Jair Bolsonaro; remete
também ao seu correligionário Aécio Neves após a eleição presidencial de 2014.
Vale lembrar aqui a entrevista concedida a este jornal em 2018 por Tasso
Jereissati, ex-presidente nacional do PSDB. Segundo ele, na série de erros que
fragilizaram a reputação do partido nos últimos anos, o primeiro teria sido
questionar a vitória da petista Dilma Rousseff: “Não é da nossa história e do
nosso perfil. Não questionamos as instituições, respeitamos a democracia”,
disse Tasso.
Fundado em 1988, o PSDB reuniu quadros de
reconhecida seriedade e competência num projeto voltado à concretização do
ideário trazido pela Constituição Federal de 1988, de inspiração
social-democrata, cuja elaboração contou com a participação ativa de alguns de
seus membros, como Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso.
Fernando Henrique se elegeu presidente em
1994, e seu governo deixou marcas importantes, como a estabilização da moeda, a
introdução de um robusto arcabouço legal para a manutenção do equilíbrio fiscal
e a construção de marcos institucionais de diferentes políticas públicas:
urbana, de saúde, na educação e no combate à pobreza extrema.
O PSDB de hoje não dialoga com essa
herança. Alguns até dispensam a social-democracia que o partido carrega em seu
nome. O próprio João Doria, em 2019, encomendou pesquisa para avaliar uma
possível mudança de nome do partido. Ideia a que Geraldo Alckmin se opôs à época,
afirmando que se deveria “fortalecer aquilo que fez a origem, o nascimento do
PSDB, que é a social-democracia”.
No final de 2021, Alckmin deixou o PSDB
para se filiar ao PSB. E o fez para embarcar na candidatura de ninguém menos
que Luiz Inácio Lula da Silva, o que dá mais uma prova da pane no interior do
partido e mostra que o chamado de Tasso Jereissati à história e perfil do PSDB,
referido acima, valia também para seus líderes históricos.
Parece claro que é somente a partir dessa
história e desse perfil que o PSDB poderá eventualmente reerguer-se. O espírito
social-democrata que inspirou a fundação do partido reclama o desenho de um
projeto para o País que vá além de um único ciclo eleitoral; que explique aos
cidadãos que o País em que vivemos pode ser melhor, desde que se respeitem os
limites fiscais e que se direcionem os recursos públicos para enfrentar os
grandes problemas nacionais; que mire não o eleitor vingativo, aquele que se
põe “contra tudo o que está aí”, mas o eleitor que sabe que a política é o
único meio de debater e solucionar os problemas nacionais.
Ou o partido pode seguir em sua estratégia atual e assemelhar-se cada vez mais a um partido do Centrão, aquela entidade amorfa que tão bem representa o abastardamento da política.
A cruzada farsesca da gasolina barata
O Estado de S. Paulo
Bolsonaristas agora culpam o cartel da Opep pela alta dos combustíveis, cujos efeitos o governo é incapaz de enfrentar
O mais novo integrante do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gustavo Augusto Freitas de Lima,
disse, em entrevista ao Estadão,
que, como parte do esforço para reduzir o preço dos combustíveis, o Brasil
deveria ser menos “leniente” com a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep), que atua como cartel.
Ex-assessor especial de Bolsonaro, o
conselheiro do Cade disse que a Petrobras, ao assumir uma política de preços de
combustíveis alinhada às variações do petróleo no exterior, teria agido em
associação com a Opep, razão pela qual a estatal brasileira estaria praticando
condutas anticoncorrenciais. “O Cade foi leniente com a Opep, mas qual órgão
regulador enfrentou a questão? Talvez o Brasil seja pioneiro”, disse Lima.
A pretensão do conselheiro do Cade em
relação à Opep é risível. O cartel do petróleo, fundado em 1960, é um fato
consumado, atuando desde então para controlar o preço internacional do produto.
Nem grandes potências como os EUA são capazes de desafiar, na prática, o poder
da Opep.
Mas o discurso do conselheiro Lima, tirante
o delírio sobre a Opep, tem um alvo bem definido: a Petrobras. Ele disse
suspeitar que possa haver um “conluio” para a Petrobras “não produzir o que
poderia, para maximizar o lucro e inflar o preço”. O uso do termo “conluio” não
parece gratuito: significa conspiração, trama, mancomunação, com o objetivo de
lesar os consumidores brasileiros. O espírito da declaração não poderia ser
mais bolsonarista: não importa o fato de que a Petrobras precisa alinhar-se aos
preços internacionais sob pena de sofrer prejuízos que, ao fim e ao cabo, serão
pagos por toda a sociedade; o que interessa é fazer Bolsonaro posar de cruzado
da gasolina barata. “É extremamente difícil chegar ao posto de gasolina, ver o
preço a R$ 8 e achar que é normal”, disse o valente conselheiro.
Enquanto Bolsonaro encena sua luta contra
gananciosos executivos da Petrobras, contra governadores insensíveis que só
pensam em arrecadar impostos sobre combustíveis e, agora, contra o tirânico
cartel da Opep, os preços dos combustíveis no mercado interno voltaram a subir
– mas, mesmo que o conselheiro Lima se espante, permanecem inferiores aos
preços internacionais.
A principal consequência desse descolamento
praticado pela Petrobras recai sobre os próprios consumidores, já que os
importadores simplesmente pararam de operar para não perder dinheiro. Com a
guerra na Ucrânia e o boicote europeu à Rússia, o risco, agora, é faltar diesel
no País, como têm alertado distribuidoras e postos. Isso já tem ocorrido no
Espírito Santo, segundo o sindicato local, e deveria ser motivo de preocupações
dentro do Cade, uma vez que a escassez do insumo tende a pressionar ainda mais
os preços. Sobre esse problema real e que demanda solução, no entanto, é claro
que o governo não se manifestou.
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