terça-feira, 24 de maio de 2022

Carlos Andreazza: Operação beco sem saída

O Globo

Análise do discurso. Contexto: o presidente que, pranteando por ter de bloquear porções do Orçamento concebido com os associados do consórcio Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, chora a dificuldade para dar reajuste salarial aos servidores.

Falou Bolsonaro, na quinta:

— Apareceu despesa extra essa semana, entre precatórios, Plano Safra e abono. Mais R$ 10 bilhões. De onde virá esse dinheiro? Desse Orçamento. Temos que chegar nos ministérios e cortar R$ 10 bilhões.

Gosto do “apareceu”. Que susto, né? Apareceu, ué. Talvez tenha assumido o cargo ontem, o pobre, herdeiro de uma falência cujos esqueletos na gaveta descobre, tadinho. Só que não — diriam os (mais) jovens.

Aboletado no trono há quase três anos e meio, ao menos sabe que os dinheiros terão de sair do Orçamento. O lance é: que Orçamento? O Orçamento de mentira forjado e operado por gente de verdade. O Orçamento que subestimou — deliberadamente — gastos obrigatórios. Os gestores do Orçamento ficcional sendo os mesmos que administram o realíssimo orçamento secreto — imexível.

Qual Orçamento? Aquele em que Bolsonaro vai de todo levado no meteoro de Guedes — essa sendo a cauda do governo que vendera a PEC dos Precatórios como solução para o descalabro fiscal que Planalto e sócios haviam criado. Criaram o saco sem fundo. O teto de gastos, que pensei somente conversível, afinal sem telhado mesmo.

Qual Orçamento? O Orçamento de fantasia, formulado para banquetes corporativistas e eleitoreiros, nem para contemplar o Plano Safra foi capaz de fingir algum mundo real.

Ainda tratarei do “Temos que chegar nos ministérios e cortar R$ 10 bilhões”.

Antes, isto aqui:

— A gente se esforça para dar reajuste, eu sei que pequeno, para servidores. Vou pedir para meu pessoal se encontrar com sindicatos de servidores e chegar a acordo. Se alguém me disser de onde tirar recurso, dou 10%, 15%, 20% de reajuste.

Está em casa, né, o patrimonialista? Se alguém disser de onde, ele vai — tira do bolso e dá até 20%. O Orçamento está mesmo privatizado. “Meu pessoal” chegará a um acordo; o “meu Exército” já mui bem contemplado na reforma da Previdência feita pelo Ministério da Defesa. Chegarão a acordo.

Mais interessante nessa passagem é Bolsonaro se referir à questão dos aumentos salariais como se problema que não tivesse origem nele. Ele plantou — inventou, regou — a crise. Foi em 16 de novembro de 2021, na viagem a ditaduras do Oriente Médio, que o presidente — animado pelo arreganho para gastos projetado pelo calote da PEC dos Precatórios — prometeu reajuste para os servidores da União. Para todos. Nunca mais parou de especular.

A intenção era óbvia. Colocava o bode na sala, o aumento geral, para, diante da reação da sociedade, recuar — tirar o bode — e reajustar salários apenas das categorias que lhe são estratégicas: policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários. Essa era a intenção. Continua sendo. Mas faltou combinar com os outros. E os outros se rebelaram. Poderiam não se rebelar?

Ainda tratarei do “de onde tirar recurso”.

Antes:

— É 5% [de aumento] pra todo mundo. Não atende a PRF. Para evitar que entre em greve... É triste falar isso aí, né? Gente que ganha no teto e quer mais reajuste. Se eu tivesse mais recurso, eu daria. Mas a proposta nossa, no momento, não tem como ir além.

Perdeu o controle. Prospera no descontrole. (Perdeu?) Age como se não fosse com ele — como se comentasse governo alheio. Pensou que tinha os agentes de segurança na mão. Mas eles não aceitam o aumento em linha. Querem a distinção prometida. A rebelião é geral. (De fora, alimentados, apenas os generais que Bolsonaro, decepcionado com quem ganha no teto e quer mais, fez ganhar acima do teto.) O presidente é o pai da criança. Prometeu para todos, para uns ainda mais — e agora, padrão, adia o desfecho. Deixa rolar. Vai rolar. Chegarão lá.

Está preocupado com greve, com que parem o país. Logo quem. Ou não terá sido Bolsonaro, nos anos 1980, o militar insatisfeito a ameaçar o Exército com a explosão de umas “espoletas”? Chamava-se Operação Beco Sem Saída. Certo? Com os sócios que tem, sempre há saída.

E finalmente:

— Vai cortar na saúde. Vai vir pancada em cima de mim, para poder atender os 5%. Vai cortar na educação, vai cortar todo mundo. Os ministérios vão perder essas verbas chamadas discricionárias para movimentar os ministérios para investimento.

Falemos do “de onde tirar recursos” e do “Temos que chegar nos ministérios e cortar R$ 10 bilhões”. Digo de onde tirar os recursos para honrar a palavra sem precisar cortar de Saúde e Educação. Que tal bloquear os R$ 16 bilhões destinados ao orçamento secreto?

Converse com os sócios Nogueira e Lira. E então preserve as verbas para investimentos sociais.

Que tal?

Não, né?

Vai vir pancada em cima de quem sempre paga a fatura.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é,Carlos Andreazza.