Valor Econômico
No caso dos assassinatos do jornalista
inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, é melhor não esperar nada
além da identificação dos executores do crime
Chico Mendes em 1988, Dorothy Stang em 2005
e agora Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira em 2022. A ocorrência desses três
crimes de grande repercussão poderia sugerir um ciclo macabro de assassinatos
contra ambientalistas a cada 17 anos na Amazônia brasileira. Antes fosse. A
organização Global Witness mantém uma planilha com dados de 1.540 pessoas
assassinadas no mundo entre 2012 e 2020 por envolvimento em conflitos de terras
e causas ambientais. 317 são brasileiros. O Brasil é o país que mais mata
defensores da floresta no planeta.
De Edvaldo da Silva, o Divaldinho, morto no dia 16/01/2012 pela ação de um pistoleiro contratado por um madeireiro na região de Itaituba, no Pará, a Claudomir Bezerra de Freitas, de 52 anos, assassinado por uma disputa de terras numa área do Incra na rodovia Transacreana em 26/10/2020, foram pelo menos 284 homens, 32 mulheres e um recém-nascido que perderam suas vidas por lutarem pelo direito a viver em harmonia com a natureza ou por enfrentarem poderosos interesses em suas regiões.
Pelo menos 55 eram indígenas. Yanomamis,
Mundurukus, Guajajaras, Krenyês, Gaviões, Kaxararis, Waiãpis, Ka’apors e outros
povos guardiões da Floresta Amazônica sofrem com a violência daqueles que
invadem suas terras em busca da riqueza preservada em seus territórios.
Pequenos produtores rurais, em geral
ribeirinhos que tiram seu sustento de atividades extrativas, também são vítimas
de grupos criminosos. São pelo menos 12 vítimas desde 2012.
Há também servidores públicos, como Maxciel
Pereira dos Santos, servidor da Funai executado com dois tiros na nuca na
frente da mulher e da filha em Tabatinga, Amazonas, como retaliação às suas
ações de fiscalização na mesma região onde agora Dom Phillips e Bruno Araújo
tiveram suas vidas ceifadas.
Mas não é preciso ir aos confins da
Amazônia para constatar a violência contra quem exerce seu dever em defesa do
meio-ambiente. Em maio de 2020 o guarda patrimonial Damião Cristino de Carvalho
Junior morreu com um tiro na cabeça durante uma fiscalização contra garimpo
ilegal no Parque Estadual Intervales, na região do Vale do Ribeira, em São
Paulo.
Segundo os relatórios da Global Witness, 54
assassinatos no Brasil estão associados à atividade madeireira, 31 à
agropecuária, 13 ao garimpo e mineração, 12 à construção de barragens e um está
ligado à captura de espécies nativas. 206 mortes foram classificadas como “conflitos
de terra sem confirmação de associação com algum setor específico”.
Sob o prisma dos executores, 27 eram
proprietários de terras e 25 matadores profissionais; quadrilhas e organizações
criminosas teriam sido responsáveis por 30 mortes, enquanto policiais e
seguranças privados são apontados como causadores do extermínio de 18 e 14
pessoas, respectivamente.
Como retrato de nossa incapacidade de
investigar e punir, 202 dos 317 assassinatos têm autoria desconhecida.
Chico Mendes era um líder reconhecido
internacionalmente pela sua luta em favor da preservação da floresta. Os tiros
de escopeta que tiraram sua vida causaram comoção mundo afora. A banda Living
Colour mencionou o seringueiro na sua música “Sacred Ground” (Solo Sagrado),
assim como o Sepultura dedicou a ele “Ambush”: “Gritando por mais justiça, a
Amazônia queima. Podem ouvi-los?”
No ano seguinte ao crime de Xapuri, Paul
McCartney dedicou a canção “How Many People” a Chico Mendes. Na letra o
ex-beatle questiona quantas pessoas nunca terão a chance de brilhar, e quantas
pessoas ainda morrerão.
Toda essa repercussão obrigou o governo a
agir. José Sarney, o presidente de plantão, mobilizou os aparatos do Ministério
da Justiça e da Polícia Federal a identificar o autor e seu mandante. Um mês
após o crime, Sarney editou uma medida provisória criando o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O assassinato da missionária americana
Dorothy Stang, brutalmente por sua luta contra madeireiros e grileiros na
região de Anapu, no centro do Pará, também exigiu uma ação rápida do governo
Lula para apurar o crime. Na celebração de um ano da sua morte o governo
decretou a proteção de 6,4 milhões de hectares de floresta no entorno da
rodovia Cuiabá-Santarém, área dos conflitos fundiários que ceifaram a vida da
freira.
Mártires da causa ambiental, as mortes de
Chico Mendes e Dorothy Stang escancararam para o mundo o que acontecia na
Amazônia brasileira. A pressão da sociedade brasileira e de governos e
entidades estrangeiros forçaram os presidentes Sarney e Lula a não apenas
agilizarem as investigações, como a de certa forma “compensarem” a falta de
controle governamental sobre a região com medidas estruturais de maior
preservação ambiental.
No caso dos assassinatos do jornalista
inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, é melhor não esperar nada
além da identificação dos executores do crime. Nos 1.266 dias transcorridos
desde a posse de Bolsonaro, não houve uma medida de proteção ambiental
implantada durante seu mandato. Muito pelo contrário.
Num show durante a conferência Rio+30,
Caetano Veloso lançou a canção “O Império da Lei”. A letra não faz referência
expressa à causa ambiental, mas é impossível não associá-la às centenas de
indígenas, ribeirinhos, ativistas, lideranças sociais e jornalistas mortos ao
longo dos últimos anos na defesa do meio-ambiente no Brasil.
“O império da lei há de chegar ao coração
do Pará, o império da lei há de chegar lá”, deseja. “Quem matou meu amor tem
que pagar, e ainda mais quem mandou matar”.
Justiça é o que esperam os familiares de
Dom, Bruno e dos pelo menos 307 brasileiros mortos em conflitos de terra e
ambientais no Brasil desde 2012.
Preservação e sustentabilidade na Amazônia
são o desejo dos quase 8 bilhões de habitantes do planeta Terra.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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