segunda-feira, 20 de junho de 2022

Patricia Tolmasquim: Na palma da mão

Estou em casa, com 61 anos, e é de casa, na palma da minha mão, que presencio e testemunho as barbaridades do mundo. Não preciso caminhar até a janela. Todas as janelas do mundo cabem na palma da minha mão. É daqui que vejo. É da palma da minha mão. Da palma da mão, da palma da mão. Meus olhos não querem acreditar no que vêem, na palma da mão, na palma da mão. Meus dedos não seguram canetas, deslizam letras e vão-se formando palavras. Na palma da mão. Meus olhos acompanham seu deslizar. Na palma da mão, na palma da mão. Minha garganta quer gritar, tá tudo lá, na palma da mão. Na palma da mão. 

Assassinaram com requintes de barbárie, o tráfico lá na Amazônia com o mesmo requinte que assassinaram Tim Lopes aqui. Esquartejaram corpos, incineraram, queimaram, jogaram no forno aqui no Rio, lá jogaram no rio. Seriam os mesmos? São outros? Meus dedos deslizam. 

Na palma da mão, na palma da mão. Foram assassinados pelo que seus olhos viram. Olhos que vêem, que testemunham tudo e gritam suas visões ao mundo. Eu vejo tudo, da palma da mão. 

Eles o dedo. Botaram o dedo lá na ferida da floresta. Com o dedo apontaram os malfeitos, os roubos, os maltratos e destratos, os abusos, os mandos e desmandos dos desgovernados. E eu, aqui, vendo tudo. Da palma da mão, da palma da mão. Estou em casa. Estou exausta, mas em outubro eu saio. Em outubro vou apontar meu dedo. Vou usar minha chance de gritar este grito silencioso que quase queima a palma da minha mão. Nas urnas, em outubro. Por agora, vou testemunhando, na palma da mão, o grito dos inocentes, suas mortes, minha indignação, na palma da mão. 

19 de junho de 2022.

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