quinta-feira, 30 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A verdadeira herança maldita

O Estado de S. Paulo

Não se sabe quem será o próximo presidente, mas isso não é importante para os que trabalham neste momento para manter o orçamento secreto intacto e sob controle do Centrão

Quem suceder a Jair Bolsonaro na Presidência da República encontrará um rastro de destruição em áreas essenciais da administração pública federal, como economia, saúde, educação, cultura, relações exteriores e meio ambiente. Mas poucos legados do atual mandatário terão sido tão nefastos para o futuro próximo do País quanto a entrega, pelo Poder Executivo, da responsabilidade que lhe cabe na gestão do Orçamento a um grupo de parlamentares oportunistas, que viram na debilidade moral, política e administrativa de Bolsonaro o ensejo para cobrarem do presidente um alto preço por sua permanência no cargo, malgrado a miríade de crimes de responsabilidade que ele cometeu – e segue cometendo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é figura de proa na arquitetura e na execução desse arranjo inconstitucional. Sob suas ordens diretas está a destinação da maior parte dos bilionários recursos que compõem o chamado orçamento secreto. Poucos políticos detiveram tanto poder em suas mãos na história recente do País como Arthur Lira detém hoje. E o presidente da Câmara sabe disso. Tanto que, à luz do dia, manobra para conservar não apenas o próprio orçamento secreto, mas, sobretudo, o seu papel central no esquema, seja quem for o vencedor da eleição presidencial em outubro.

Como revelou o Estadão no domingo passado, Lira pretende incluir um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – ou criá-lo por meio de uma resolução do Congresso – que torne obrigatórias as assinaturas do presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e do relator da LDO para as indicações das emendas do orçamento secreto, em conjunto com a anuência do relator-geral do Orçamento, que hoje é quem detém essa “prerrogativa”, chamemos assim, com exclusividade.

Até aqui, a ordem das coisas tem atendido bem aos interesses de Arthur Lira e seu grupo político. Os relatores-gerais do Orçamento nos últimos dois anos foram aliados do presidente da Câmara. Mas Lira, não é de hoje, já está com os olhos voltados para 2023, pensando não só em sua reeleição como presidente da Casa, como também em maneiras de conservar seu poder pessoal de direcionar a distribuição das emendas do orçamento secreto, que no ano que vem deverão somar R$ 19 bilhões. A estratégia eleitoral de Lira para seguir à frente da Câmara na próxima legislatura está umbilicalmente ligada à renovação de seu mandato pelos alagoanos, por óbvio, e ao seu poder de distribuir dinheiro entre os pares.

O relator-geral do Orçamento de 2023 será o senador Marcelo Castro (MDB-PI), um parlamentar que não faz parte do grupo político de Arthur Lira. Já o presidente da CMO será o deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de Bolsonaro e escolhido pessoalmente pelo presidente da Câmara para chefiar a comissão. Por fim, o senador Marcos Do Val (Podemos-ES) será o relator da LDO. Do Val, como os brasileiros puderam acompanhar durante a CPI da Pandemia, tem forte inclinação governista.

O que funcionou até aqui com relatores-gerais do Orçamento aliados de Arthur Lira pode não funcionar da mesma forma em 2023, quando a relatoria-geral estará a cargo de um parlamentar cuja atuação o presidente da Câmara pode não ter como controlar. É vital para Lira, portanto, diluir o poder de Marcelo Castro entre seus aliados na presidência da CMO e na relatoria da LDO e tornar o pagamento das emendas RP-9 impositivo, como é para as emendas individuais e de bancada. Já para o País, vital é acabar com o orçamento secreto.

O próximo presidente da República haverá de empreender um grande esforço para recuperar o controle do Orçamento que foi perdido durante o governo de Jair Bolsonaro. E recuperar esse controle não apenas para cumprir a transparência inscrita na Constituição, razão fundamental por si só e já ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, mas para também reconciliar o Orçamento com as grandes prioridades nacionais, que são muito distintas dos interesses paroquiais dos parlamentares que hoje se esbaldam com recursos públicos sem prestar contas a ninguém. 

CPI da Educação é um imperativo

O Estado de S. Paulo

Não investigar a corrupção no MEC é compactuar com bandalheira numa pasta fundamental para futuro do País

É imperativa a instalação, pelo Senado, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os escândalos relacionados ao Ministério da Educação (MEC). Com a obtenção de mais de 27 assinaturas, o direito constitucional da minoria de fiscalizar o Executivo deve ser garantido. Não há alternativa ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não a de ler em plenário o pedido protocolado pela oposição. É esse o papel que a sociedade espera que o Senado cumpra nos derradeiros meses de um governo que, malgrado seus inúmeros malfeitos, parece seguro da impunidade.

Se não bastasse o desmazelo com que o governo tratou a área desde o início do mandato – foi ausente na pandemia e envolveu-se mais com a pauta ideológica do bolsonarismo do que com problemas reais da educação –, o MEC é hoje a principal fonte de escândalos da administração pública. Estupefato, o País tomou conhecimento, por intermédio do Estadão, que havia no MEC um “gabinete paralelo” integrado por pastores que negociavam propina para liberar verbas a prefeitos. Nem o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro foi suficiente para impedir a demissão do então ministro da Educação Milton Ribeiro.

Se o funcionamento do gabinete paralelo no MEC é algo tão grave a ponto de se tornar alvo da Polícia Federal, o esquema liderado pelos pastores não é o único motivo a justificar a abertura da CPI. Merece profunda investigação dos senadores – e uma consequente reforma – a governança do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), há anos nas mãos de lideranças do Centrão. Em um País onde há 3,5 mil escolas com obras paradas por falta de recursos, este jornal mostrou que dinheiro do FNDE tem sido usado para autorizar a construção de milhares de novas unidades sem qualquer perspectiva de sair do chão, em um esquema muito semelhante a golpes aplicados em pirâmides financeiras. Não fosse o trabalho da imprensa, a verba do mesmo fundo teria viabilizado uma licitação para a compra de ônibus escolares com sobrepreço.

Ao contrário do que o governo quer dar a entender, o rol de escândalos relacionados ao Ministério da Educação não é simplesmente um erro ocasional. Nestes e em todos os outros casos revelados pela imprensa, há evidente intenção de privilegiar aliados – sejam políticos em campanha, sejam empresários em busca de enriquecimento, sejam pastores que atuam como atravessadores de recursos públicos. Há, portanto, muito mais do que um único fato determinado para justificar a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. 

Ademais, com a Câmara dos Deputados cooptada por emendas do orçamento secreto, resta ao Senado assumir a atividade de fiscalizar o Executivo, função que ganha ainda mais relevância quando sobram indícios de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. Não abrir a CPI do MEC por qualquer razão – pedidos de CPI protocolados anteriormente ou o calendário eleitoral – seria o mesmo que compactuar com a bandalheira em uma área fundamental para o futuro do País. Que o Senado não passe novamente pelo vexame de aguardar ordem expressa do Supremo Tribunal Federal para instalá-la. 

A leniência das Big Techs no Brasil

O Estado de S. Paulo

Pesquisas indicam que no País as plataformas digitais não têm mostrado o mesmo empenho em aplicar regras de moderação, como são obrigadas a fazer nos países desenvolvidos

Levantamento realizado pelo professor Marcelo Alves, do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, mostrou que o YouTube removeu só 4,4% dos vídeos com desinformação sobre o sistema eleitoral. O dado sugere uma defasagem das plataformas no cumprimento de suas próprias regras de moderação e de compromissos assumidos com o Poder Público.

Em março, o YouTube anunciou uma nova política para a redução da disseminação de informações enganosas sobre as eleições. Mas a pesquisa aponta que essa política não tem sido executada de forma contínua e transparente. Dias antes do anúncio, o levantamento identificou ao menos 1.701 vídeos com acusações infundadas ao sistema eleitoral. Dois meses depois, apenas 75 haviam sido removidos. Conteúdos como a live em que o presidente Jair Bolsonaro resgata boatos já desacreditados para questionar a segurança das urnas permanecem ativos. No total, os 1.626 conteúdos ativos acumulam 63 milhões de visualizações.

“O YouTube deu um passo na direção de reconhecer o problema”, disse Alves, “mas é bastante evidente que essa moderação é insuficiente para dar conta da instrumentalização e de apropriação da plataforma para fins de ataques antidemocráticos.”

Situação similar foi verificada pelo pesquisador Guilherme Felitti, da Novelo Data, sobre a propagação de vídeos enganosos sobre tratamentos ineficazes contra a covid-19. Em abril de 2021 houve uma mobilização inicial, que arrefeceu nos meses seguintes. “De maneira geral, os indícios sugerem que o YouTube não está interessado em efetividade”, disse Felitti. “Acho que existe um esforço em livrar a própria responsabilidade, de mostrar para as pessoas que está interessado quando elas estão olhando, mas depois é algo que volta ao padrão.”

O Brasil é um dos maiores mercados do mundo para as plataformas digitais, seja em número de usuários, seja em tempo de interação. Ainda assim, o desinteresse dessas plataformas pela moderação de conteúdo e combate à desinformação no País contrasta com o seu empenho em lugares como EUA ou Europa. Basta comparar, por exemplo, o rigor com que agiram contra a desinformação disseminada por Donald Trump e seus correligionários sobre fraudes nas eleições dos EUA com a leniência que têm dispensado às falsidades sobre o sistema eleitoral brasileiro.

Na Europa, segundo um relatório confidencial acessado pelo jornal Financial Times, as Big Techs estão a ponto de assinar uma versão atualizada do Código de Antidesinformação, obrigando-se a revelar o modo como estão removendo, bloqueando ou desestimulando a disseminação de conteúdo danoso. Elas terão de desenvolver ferramentas e parcerias com checadores de fatos, que podem levar à retirada de propaganda política e à inclusão de “indicadores de confiança” de informações verificadas independentemente sobre temas como a pandemia ou a guerra na Ucrânia. Além disso, precisarão fornecer detalhes sobre o número de robôs removidos, os sistemas de inteligência artificial empregados para ceifar fake news e o número de moderadores de conteúdo empregados em cada país.

O debate sobre a regulação das redes parte do pressuposto de que elas têm uma função não meramente comercial, mas pública. No Brasil, o Marco Civil da Internet protegeu as plataformas contra ações de responsabilização por conteúdos danosos produzidos por terceiros. Mas as discussões hoje, especialmente no âmbito do Projeto de Lei das Fake News, se referem à responsabilização das redes pela difusão e direcionamento de conteúdos danosos por meio de seus algoritmos.

Independentemente dos resultados dessa tramitação, as plataformas possuem suas próprias regras de moderação, incluindo compromissos assumidos com órgãos do Poder Público, como o Tribunal Superior Eleitoral. O problema é que, diferentemente de outros lugares, no Brasil elas estão se mostrando hesitantes no cumprimento dessas regras. Até porque esse cumprimento exige investimentos. Mas esses investimentos claramente não estão sendo realizados na proporção do volume de negócios realizados no País. 

A colheita de Putin

Folha de S. Paulo

Guerra fortalece Otan com novas bases e membros, em derrota do autocrata russo

Na pedra fundamental da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), deitada em 1949, residia o imperativo de conter a expansão soviética na Europa Ocidental. Durante décadas, deu certo. Em 1991, com o colapso do império comunista centrado em Moscou, a vitória poderia ser declarada.

De lá para cá, a Otan dividiu-se entre auferir ganhos sobre os derrotados e procurar novas razões para existir. Foi bem-sucedida no primeiro trabalho, englobando 14 Estados ex-comunistas em cinco rodadas de expansão desde 1999.

Já a segunda tarefa redundou mais em resultados fracos do que bons. Houve o fracasso de controlar a implosão da ex-Iugoslávia e o sucesso na criação do Kosovo independente. A intervenção na Líbia removeu uma ditadura, mas o que veio depois foi ainda pior.

Ao fim, como a presença acessória no Afeganistão e na Síria demonstrou, a aliança basicamente seguiu os passos erráticos do presidente americano de plantão.

Em 2014, ano em que Vladimir Putin mostrou que falava sério quando disse que não permitiria uma Ucrânia ocidentalizada, com a anexação da Crimeia e a guerra civil, os EUA gastavam com defesa mais que o dobro de todos os então outros 27 membros do clube.

Em 2021, com 30 integrantes, a proporção havia caído um pouco, para 2,24 vezes, ou cerca de 70% do US$ 1 trilhão despendido. A Guerra na Ucrânia levará a uma explosão dos valores, como indica o novo Conceito Estratégico da Otan.

No documento, primeiro do gênero desde 2010, a aliança reencontra no velho rival razão existencial e promete uma grande expansão, com novas bases, aumento de contingente pronto para agir e, por fim, englobando as historicamente neutras Suécia e Finlândia.

O último item foi dádiva da esquiva Turquia, buscando vantagens pontuais em troca de não vetá-lo. Outras fissuras permanecem, como a responsabilidade pela conta; com efeito, é dos EUA a principal assinatura nos cheques.

Nada disso ofusca o fato de que Putin colheu um fruto diverso daquele pretendido. Em vez de cindir a aliança, crente no poder de todo modo ainda robusto de sua indústria energética, ele a viu justamente crescer rumo a suas fronteiras.

Essa é uma derrota do russo, mesmo que seu objetivo de inviabilizar a Ucrânia como Estado esteja bem encaminhado. Finda a batalha, seja em meses ou anos, o embate de Moscou com o Ocidente prosseguirá e poderá ser ainda ampliado.

E isso provavelmente, como explicita a menção à China como ameaça pela Otan, no escopo do conflito entre Pequim, aliada de Putin até aqui, e Washington.

Racionalizar a Justiça

Folha de S. Paulo

Texto que limita recurso ao STJ tem objetivo correto de evitar processos sem fim

O sistema de Justiça brasileiro é excessivamente caro —custando, como fatia do Produto Interno Bruto, não raro mais de sete vezes o que se observa em países desenvolvidos— e entrega à população um serviço de baixa qualidade.

Aqui a Justiça é lenta, falha e não oferece previsibilidade jurídica, indispensável para a paz social e o desenvolvimento econômico.

Não há causa única para esse estado de coisas. São décadas ou séculos de distorções em áreas tão variadas quanto administração de pessoal e sistema recursal. Melhorar o panorama exigirá múltiplas mudanças, de variados calibres, que deveriam fazer parte de qualquer projeto de nação.

Uma dessas medidas está em discussão no Congresso. É a chamada PEC da Relevância, que cria filtros adicionais para a tramitação de recursos especiais no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um sistema judicial funciona bem quando a esmagadora maioria das demandas se resolve na primeira e na segunda instâncias. No Brasil, porém, o STJ e o Supremo Tribunal Federal acabaram se tornando cortes recursais de terceira e quarta instâncias, respectivamente, o que explica muito da infindabilidade dos processos.

Deveria ser desnecessário dizê-lo, mas os mais altos tribunais do país não deveriam perder tempo revisando brigas entre vizinhos e outros casos cujo impacto não vai além das partes envolvidas.

Pelo menos no papel, o STJ deveria dedicar-se a unificar as interpretações da legislação infraconstitucional, para o que deveria cuidar de casos paradigmáticos, com repercussão para além das partes.

É mais ou menos o que busca fazer a proposta de emenda constitucional ao exigir que os recursos especiais demonstrem a relevância das teses jurídicas ali tratadas para serem apreciados pela corte.

É natural que os advogados tendam a resistir a essa ideia, apontando, não sem alguma razão, que um dos riscos da PEC seria fechar portas da Justiça aos mais vulneráveis.
Para minorar tal perigo, o Senado introduziu no texto uma lista de casos em que a relevância é presumida.

Ela inclui matéria penal, ações de inelegibilidade e improbidade administrativa, contestação de jurisprudência dominante no STJ e causas com valores superiores a 500 salários mínimos.

A Câmara, para onde a PEC voltou, pode fazer novos aperfeiçoamentos, mas é importante que algum filtro seja adotado. Os processos judiciais precisam ter começo, meio e, principalmente, fim.

Aumento de armas não foi a causa de queda na violência

O Globo

O Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado nesta semana mostra que, em 2021, o Brasil registrou, para cada 100 mil habitantes, 22,3 mortes violentas intencionais — categoria que reúne homicídios, latrocínios e lesões fatais. O número caiu 6,5% em relação a 2020. Houve, portanto, queda expressiva na violência letal.

Ao mesmo tempo, o levantamento constata que, desde o início do governo Jair Bolsonaro, os registros de armas de fogo dispararam. Só os concedidos a caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs) cresceram 474%. Pelos cadastros do Exército (Sigma) e da Polícia Federal (Sinarm), havia em março 64% mais armas de fogo legais em poder dos brasileiros que em 2019, ano da posse. Considerando acervos de segurança e registros irregulares, o total chegava perto de 4,5 milhões.

O bolsonarismo costuma relacionar os dois indicadores: a perigosa escalada das armas de fogo e a redução das mortes violentas intencionais. Trata-se de um equívoco sem tamanho. Para entender por que, basta analisar com atenção os dados do Anuário.

Se houvesse associação entre o armamentismo e a queda da violência, ela estaria presente nos números regionais: estados e regiões onde a população tivesse comprado mais armas teriam alcançado queda maior nos índices de violência. Não foi o que ocorreu.

Considere o Amazonas. O estado foi palco de crescimento brutal no arsenal em poder de civis. Os novos registros no Sigma passaram de 160, em 2014, para 2.666 no ano passado, um salto de 1.566%. No entanto a violência também explodiu. Só entre 2020 e 2021 houve alta de 53,5% nos homicídios dolosos. Uma análise dos dados feita pelo FBSP a pedido do GLOBO não constatou nenhum “padrão definitivo que sustente de forma robusta” a associação do armamentismo com a queda na violência. No linguajar dos estatísticos, não há correlação detectável entre as duas variáveis.

Os exemplos regionais parecem, ao contrário, desmentir a tese bolsonarista. Na 12ª Região Militar (RM) — AM, AC, RO e RR —, os registros de armas cresceram 80% entre 2019 e 2021, e as mortes violentas aumentaram 17%. Na 9ª RM —MT e MS—, onde houve o maior salto nas armas em poder da população (114%), o indicador cresceu 4%. Na 11ª RM, que engloba o resto do Centro-Oeste, houve o menor crescimento no armamentismo (36%), e as mortes violentas caíram mais de 18%.

Para o FBSP, a queda nessas mortes está vinculada a outros fatores: mudanças demográficas (menos adolescentes e jovens, principais vítimas dos crimes); políticas locais; criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) pelo governo federal; redução de conflitos entre facções; e o próprio Estatuto do Desarmamento, por mais que tenha sido desfigurado. Antes dele, segundo o anuário, os assassinatos cresciam 6,5 vezes mais rápido.

De acordo com o FBSP, 76% das mortes violentas intencionais são cometidas com armas de fogo. Estudos do mundo todo mostram que, quanto mais armas e munição, maior a chance de crimes. O que reduz a violência são políticas públicas: equipar as forças de segurança e dar condições para que trabalhem com tecnologia e inteligência. Facilitar compra e porte de armas não é política de segurança. É tão somente uma forma de ludibriar a população com a mentira de que, armada, estará mais segura — ilusão que pode ser fatal.

Economia deve seguir sendo dor de cabeça para campanha de Bolsonaro

O Globo

Faltando pouco mais de 12 semanas para as eleições, é cada vez menor a chance de o presidente Jair Bolsonaro receber um empurrão da economia. O acumulado da inflação em 12 meses segue em dois dígitos (12% em junho), e não será surpresa se chegar a outubro assim. É pouco provável que o desespero de Bolsonaro para baixar o preço dos combustíveis, ainda que de forma artificial e semeando ruína, resulte em alívio para a população.

Nem mesmo a permissão para o saque extraordinário de até R$ 1 mil do FGTS e a antecipação de 13º salário a aposentados e pensionistas do INSS, duas das poucas medidas sensatas adotadas pelo governo neste ano, deverão ter o efeito esperado. Um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou que 67% dos consumidores dizem que usarão esses recursos para quitar dívidas ou poupar.

Nenhuma das opções é motivo para otimismo. Entre os mais pobres, famílias com ganho mensal abaixo de R$ 2.100, é maior o percentual dos que pretendem pôr as contas em dia. Entre os mais ricos, com renda acima de R$ 9.600, a maioria diz que guardará o dinheiro, sinal de preocupação com o futuro.

Bolsonaro pode tentar culpar a guerra na Ucrânia e a alta do barril do petróleo, mas a inflação já vinha alta antes de os tanques russos invadirem o país. Dois fatores ligados ao presidente contribuíram para isso. Primeiro, a mania de gastar energia em brigas quase diárias com inimigos imaginários, em vez de usá-la para governar. Isso sempre foi fator de instabilidade, comprovável na depreciação do câmbio, que encarece os produtos importados. Segundo, o casamento com o Centrão aumentou os gastos do governo, também pressionando os preços.

O Banco Central começou a subir os juros na tentativa de segurar a inflação em março do ano passado. De lá para cá, houve 11 anúncios consecutivos para cima até chegar aos 13,25% atuais. É possível que em agosto a taxa aumente um pouco mais. Com Bolsonaro fazendo anúncios de “pix caminhoneiro” e aumento do Auxílio Brasil, sabe-se lá onde vai parar o ciclo de alta do Banco Central.

Parte dos saques do FGTS e da antecipação do 13º salário é destinada ao consumo e tem efeito positivo na atividade econômica. O problema é o tamanho do impacto. Em tempos normais, com um presidente minimamente sensato e competente, seria possível imaginar que os brasileiros mais pobres, uma vez quitadas as dívidas, voltassem ao mercado em busca de novos empréstimos para fazer compras, e os mais ricos, com o dinheiro extra, não adiassem mais planos de adquirir produtos e serviços. Só que o Brasil sob Bolsonaro é tudo menos normal. Com a taxa de juros nas alturas e subindo, obter crédito ficou mais difícil. Com um presidente dando sinais públicos de querer atacar o resultado da eleição em caso de derrota, até os mais abastados estão receosos.

Bolsonaro amplia liberação de recursos para se reeleger

Valor Econômico

Se as manobras financeiras irresponsáveis do presidente serão suficientes para reelegê-lo, só o eleitor poderá responder

A conta das despesas eleitorais do presidente Jair Bolsonaro não para de crescer e se aproxima dos R$ 300 bilhões. Ontem, o senador Fernando Bezerra, então relator da PEC dos Combustíveis, apresentou um pacote maior do que os R$ 29,6 bilhões previstos para furar o teto de gastos, para zerar a fila (1,7 milhão, pelos números oficiais) das pessoas que aguardam ingresso no Auxílio Brasil. A soma foi a R$ 38,7 bilhões, com o contrabando de um estado de emergência que legalmente não para em pé em ano eleitoral. Para tentar eximir-se de possíveis responsabilidades pelo esforço eleitoreiro questionável, o presidente atribuiu à Advocacia Geral da União a tarefa de dizer o que pode ou não pode em relação aos dispositivos legais que regem finanças públicas e eleições.

Não é a primeira vez que Bolsonaro utiliza a AGU para defender interesses pessoais e não os da União. Recentemente, dispôs da AGU para a defesa de Wal do Açaí, funcionária fantasma de seu gabinete durante 15 anos, quando ele era deputado, que trabalhava em seus negócios com a fruta em Angra dos Reis, e nunca foi a Brasília. A situação agora é mais grave: o presidente, em campanha desesperada pela reeleição, pretende usar como escudo contra as leis outra instituição do Estado.

Os R$ 38,75 bilhões fora do teto podem não ser a última investida contra o limite de gastos, especialmente se vier junto com um matreiro estado de emergência feito sob medida. Na ausência de ideias produtivas para amenizar o impacto da alta internacional dos preços dos combustíveis, Bolsonaro e os líderes do Centrão, que o sustentam, resolveram distribuir dinheiro país afora para ver se melhoram as chances do chefe em outubro.

Bezerra deixará de lado a PEC dos Combustíveis para alterar a PEC 1/2022, do senador Carlos Favero, de mesmo objetivo, com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A manobra também tenta apagar a responsabilidade de Bolsonaro em criar gastos eleitorais proibidos, ao buscar vender o mesmo pacote da PEC dos Combustíveis em outra PEC e carimbá-la como uma iniciativa do Legislativo.

O governo aproveita-se do crescimento da arrecadação (9,9% reais até maio), bem maior do que o dos gastos (5,8% reais no período) para fazer o “bem” e ao mesmo tempo proclamar que não prejudica as contas públicas. O governo central, porém, não tem superávit primário. O déficit previsto antes do pacote é de R$ 65,5 bilhões e maio cravou rombo de R$ 34 bilhões, o segundo maior da série histórica. A erosão fiscal vem pela conta dos juros, que está disparando - o Tesouro paga em novas emissões 11,69% em 12 meses, com viés de alta. Despesas com juros subiram a 6% do PIB, mas não são contabilizadas no déficit primário. A situação fiscal conta com a ajuda equívoca da inflação. O denominador da relação dívida/PIB é o PIB nominal, que deverá fechar o ano em 11,7% (segundo a Instituição Fiscal Independente), reduzindo obviamente o resultado.

No curto prazo, a precariedade deste equilíbrio pode ser camuflada. Mas não passa desapercebida nos mercados, que têm elevado os juros, nem ao BC, que os aumenta para conter a demanda enquanto o governo a estimula, retardando os efeitos da enorme carga de aperto monetário já realizada.

Uma conta aproximada do estímulo fiscal/parafiscal mostra que não é pouco dinheiro. O ano eleitoral começou com duas emendas constitucionais que driblaram o teto e abriram espaço para gastos de R$ 113 bilhões. O adiantamento do 13º salário para aposentados antecipou R$ 34,6 bilhões à disposição do consumo antes das eleições. O corte do IPI de 35% reduziu receitas em R$ 7,6 bilhões este ano (segundo a IFI). A liberação do FGTS trouxe para a economia mais R$ 30 bilhões. Os Estados deixarão de arrecadar (logo, o consumidor não pagará) algo entre R$ 50 bilhões a R$ 65 bilhões este ano com a redução de tarifas de energia, combustíveis, telecomunicações e transportes a 17% - os Estados alegam que a conta é maior. A redução do PIS-Cofins sobre combustíveis adiciona outros R$ 17,6 bilhões. E por fim o pacote de Bezerra, elevado a R$ 38,7 bilhões.

Ainda que o cálculo seja aproximado, há injeção direta de cerca de R$ 300 bilhões ou 3,3% do PIB. As previsões do PIB para 2022 saíram de 0,3% para a casa dos 1,5% rapidamente. Se as manobras financeiras irresponsáveis do presidente serão suficientes para reelegê-lo, só o eleitor poderá responder. As pesquisas até agora não se moveram desde março e não são favoráveis a Bolsonaro.

 

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