Valor Econômico
Lula é hoje o grande beneficiário das
importantes reformas institucionais, aprovadas ao arrepio do PT
A menos de quatro meses da eleição, o país
assiste a um presidente desesperado, diante da provável derrota, partir para o
tudo ou nada, mediante uma intervenção no ICMS incidente sobre combustíveis e
várias outras medidas arbitrárias e populistas. Paradoxalmente, a ação
flagrantemente eleitoreira do governo estaria sendo ainda mais intensa se o PT
tivesse conseguido impedir a aprovação de importantes avanços institucionais,
implantados após o afastamento de Dilma Rousseff.
Embora o Brasil seja hoje exportador de petróleo bruto, a capacidade nacional de refino é de apenas 80% do consumo de combustíveis, de modo que os 20% restantes precisam ser importados. Devido à guerra na Ucrânia, o preço do petróleo bruto e dos combustíveis disparou no mercado internacional. Nenhuma distribuidora privada importaria combustíveis caros no exterior, caso tivesse que vendê-los com prejuízo no mercado nacional. Para que os preços domésticos da gasolina e diesel ficassem abaixo da paridade internacional, como deseja Bolsonaro, seria necessário que a Petrobras assumisse toda a importação, vendendo-a com enorme perda no mercado doméstico.
Outra alternativa é a redução da tributação
sobre os combustíveis, como busca neste momento o governo. Mas esta é
condenável por diversos motivos. Ela reduz pontualmente a inflação neste ano
eleitoral, mas elevará no futuro, em igual magnitude, a inflação do ano em que
a isenção tributária for revista. Compromete recursos públicos que poderiam ter
usos muito mais eficientes em outras áreas. Tem caráter regressivo, pois pobres
não possuem automóvel. Trata-se de um subsídio a uma energia ambientalmente
condenável. Além disso, no caso do teto de 17% para o ICMS, além de comprometer
o equilíbrio fiscal dos Estados, a alíquota cria um parâmetro que dificultará a
implantação de uma futura boa reforma tributária do consumo, baseada num IVA em
alíquota uniforme sobre todos os bens e serviços.
O caráter populista da iniciativa ilustra
por que amarras institucionais são tão importantes para bom funcionamento da
democracia. Em 2016, o governo Temer aprovou duas regras que hoje contêm o
ímpeto presidencial de manipulação de políticas públicas com fins puramente
eleitoreiros: a Lei das Estatais e o Teto de Gastos. Em 2021, o Banco Central
ganhou independência operacional, passando sua presidência e diretoria a ter
mandatos fixos que não podem ser abreviados por uma deliberação arbitrária do
presidente da República.
A Lei das Estatais é o instrumento jurídico
que vem impedindo Bolsonaro de usar a Petrobras para baixar temporariamente a
inflação, mediante congelamento de preços de combustíveis. Sendo a União o
acionista controlador, o chefe do Executivo até conseguiu derrubar três
presidentes da empresa que se recusaram a abandonar a paridade de preços
domésticos com os internacionais. Mas se a Lei das Estatais não estivesse em
vigor, Bolsonaro estaria repetindo a mesma manipulação de preços adotada por Dilma
Rousseff em 2014, que impôs imensas perdas à empresa, mas lhe assegurou vitória
sobre Aécio. Não é surpresa que o presidente, o Centrão e o PT se movimentem
para derrubar a lei.
Analogamente, o Teto de Gastos, ou o que
sobrou dele após a flexibilização motivada pela surpresa dos precatórios, é a
amarra institucional que hoje limita uma gastança eleitoreira ainda maior.
Junto com a PEC dos precatórios, Bolsonaro transformou o bem focado programa
Bolsa Família no atabalhoado e caro Auxílio Brasil, com o qual pretende
conquistar os eleitores de Lula no Nordeste. Quantas outras despesas com forte
impacto eleitoral, mas pouco foco na melhoria da distribuição de renda,
estariam atualmente em curso se o Teto não existisse?
A independência operacional do Banco
Central é um terceiro exemplo de aprimoramento institucional que impede a
manipulação eleitoreira de uma importante política pública. Diante da forte
pressão inflacionária observada desde o ano passado, o Banco Central elevou
gradualmente a taxa básica de juros, entre março de 2021 e junho de 2022. O
aumento total foi enorme, de 2% ao ano a 13,75%, seguindo parâmetros técnicos à
revelia de pressões políticas. Alguém acredita que Bolsonaro estaria assistindo
resignado a essa contínua alta dos juros se o Banco Central ainda fosse um mero
apêndice do governo, cuja diretoria pudesse ser trocada por um simples decreto
seu? Essa era a regra do passado que provocou inúmeros episódios de alta
inflação.
Os três aprimoramentos institucionais
citados acima, ao retirarem do governante de plantão instrumentos que poderiam
ser usados para ajudá-lo a se reeleger, são exemplos de amarras institucionais
que fortalecem a democracia. Curiosamente, os três, quando estavam sob
tramitação no Congresso, foram acirradamente combatidos pelo PT e seus aliados.
Populistas, à esquerda ou à direita, não gostam de regras, pois preferem a
discricionariedade que lhes gera ganhos no curto prazo, mas comprometem o bom
desempenho da economia no médio e longo prazo.
Diante da polarização entre Lula e
Bolsonaro, o petista é hoje o grande beneficiário das importantes reformas
institucionais, aprovadas ao arrepio do PT, que limitam a capacidade de
Bolsonaro manipular a economia a favor de sua reeleição. Entretanto, uma
primeira versão do programa do partido aponta para um grande retrocesso nessa
direção. Altos dirigentes do PT, e o próprio Lula, não cansam de mandar sinais
dúbios sobre a Lei das Estatais, o Teto dos Gastos - sem dizer o que colocarão
no lugar - e outros avanços institucionais, como se eles fossem impedimento ao
crescimento econômico e boas políticas sociais. Ao contrário, são justamente
eles que permitirão, a quem quer que seja eleito, implementar políticas
consistentes capazes de reduzir a inflação de forma permanente e retomar o
crescimento sustentável.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é
professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
*Renato Fragelli Cardoso é
professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).
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