sábado, 30 de julho de 2022

Ascânio Seleme - É fácil criticar Lula

O Globo

Para recuperar a simpatia que um dia teve de camadas maiores da população brasileira, o partido precisa fazer um mea-culpa correto e amplo

Foram cometidos inúmeros erros, equívocos e alguns crimes nos oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. É muito fácil criticar o ex-presidente. Pelo mensalão, por exemplo, crime pelo qual quase foi cassado e que começou a ser gestado ainda antes da sua posse. Quando o escândalo eclodiu, Lula alegou nada saber e demitiu o então ministro José Dirceu, articulador da troca de votos no Congresso por mesadas a parlamentares e partidos políticos. Pode-se criticá-lo também por ter sido em seu governo que o petrolão germinou, com a lotação de diretorias da Petrobras entre os partidos aliados.

No plano pessoal, Lula também pode ser desaprovado pelo tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia. Da mesma forma é condenável ter permitido que seu filho Fábio Luís assinasse um contrato com a Telemar, empresa na qual o governo tinha participação acionária. Pode-se também censurar Lula por algumas das escolhas políticas que fez. A pior delas talvez seja a aliança com o Centrão. Um líder de partido de esquerda, que assumira o governo prometendo mudar a forma de fazer política, cometeu o mesmo erro de seus antecessores e dos que viriam depois dele. A escolha solitária de Dilma para sucedê-lo também provou-se um equívoco.

Mas há também muitos acertos, alguns extraordinários, que devem ser elogiados e atribuídos a Lula. O mais importante, sem dúvida, foi o processo de inclusão social promovido pelo seu governo através de diversas políticas importantes, destacando-se o Bolsa Família e a valorização do salário-mínimo. Num país pobre como o Brasil, foram e ainda são fundamentais medidas que transfiram renda. Lula, ajudado pela conjuntura global, mas ainda assim sem lhe retirar o mérito, conseguiu melhorar a vida dos mais pobres sem reduzir os lucros de empresários e banqueiros.

Deve-se elogiá-lo também pelo combate ao desemprego. Ao final do seu segundo mandato, o país havia criado 22 milhões de postos formais de trabalho. A taxa de desempregados estava em 5,7% quando ele transferiu o governo para Dilma. Hoje situa-se em 9,8% e já chegou a 13,5% em 2020. Com emprego e salário melhor, houve uma migração forte da classe D e E para C e B. Por isso, aliás, os aeroportos viviam lotados, como o ex-presidente não se cansa de repetir. Nos dias turbulentos de hoje, o ministro da Economia reclama quando empregada doméstica quer ir para a Disney nas férias.

Não se pode negar o caráter democrático de Lula. Apesar da tentativa de instituir um certo controle externo da mídia, apelido para censura à imprensa inventado pelo ex-ministro e ex-jornalista Franklin Martins, o governo do petista foi pautado pelo respeito às instituições. Você pode dizer que isto não é mérito algum, que trata-se de obrigação constitucional de todo governante. Não há como discordar, claro. Mas, depois de três anos e meio desse governo abusivo, desrespeitoso e antidemocrático de Bolsonaro, vale salientar o oposto.

Lula pode ganhar a eleição no primeiro turno, como mostrou a pesquisa Datafolha desta semana, com o petista obtendo o equivalente a 51% dos votos válidos. Para assegurar a vitória, contudo, o candidato terá de se certificar que os eleitores entenderão que ele acertou mais do que errou. Lula sabe que na campanha seus adversários, sobretudo Bolsonaro, vão lembrar cada um dos seus pontos fracos.

Até aqui, apenas os petistas e seus aliados elogiam Lula. Difícil encontrar fora desse segmento quem faça as concessões corretas ao ex-presidente pelos muitos acertos de suas gestões. Não estou falando em esquecer os equívocos, mas em recordar os seus êxitos. Essa é a principal tarefa do petismo, não apenas para ganhar a eleição, mas recuperar a simpatia que um dia teve de camadas maiores da população brasileira. Para tanto, é necessário fazer um mea-culpa correto e amplo. Ou isso, ou o PT pode virar um instrumento político e ganhar apenas um único mandato. O da transição.

Bons candidatos

Muito boas as entrevistas da GloboNews com os candidatos a presidente. Excelente espaço para cada um mostrar o que pretende para o país, sem armadilhas, francas, com bastante tempo para todas as respostas. Os entrevistadores mandaram muito bem. E os três entrevistados também. Destaque para Ciro Gomes, o mais preparado para a função. Pelas pesquisas, contudo, não vai para o segundo turno. Mas, como ele mesmo lembrou, outros bons candidatos nunca foram presidente. A saber: José Serra, Mario Covas, Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Leonel Brizola.

O machão

Jair Bolsonaro disse às empresárias (quase todas brancas, quase todas loiras) com as quais se reuniu esta semana em São Paulo que o seu governo “foi o que mais encarcerou machão”. Referia-se a prisão de feminicídas e outros agressores de mulheres. Foi aplaudido pelas senhoras. Esqueceu de dizer que nunca como nestes anos de seu governo houve tantos crimes contra mulheres. Será por que, presidente?

Surpresa

Surpresa em Brasília: embaixadores de alguns dos países não convidados para o encontro com Bolsonaro na semana passada fizeram chegar ao Itamaraty sua contrariedade por terem sido esquecidos pela chancelaria brasileira. Bobagem. Na verdade, estes embaixadores deveriam agradecer por não terem participado do mico histórico.

Sem surpresa 1

Pergunta: aqueles que achavam que Jair Bolsonaro já estava bem representado na PGR foram surpreendidos por mais uma valiosa contribuição de Lindôra Araújo (que mandou arquivar as denúncias da CPI da Covid apesar da tonelada de evidências que exigiam investigação)? Claro que não. Entre os procuradores, a senhora já é conhecida como “Dona Gavetinha”.

Sem surpresa 2

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, disse que o Brasil respeita o compromisso da OEA em favor da democracia. Surpresa? Nenhuma. Queriam o quê? Que o general não assinasse a Carta Democrática Interamericana? Ele pode não ser o suprassumo da inteligência, mas bobo também não é.

Lindbergh

O vereador Lindbergh Farias mandou mensagem dizendo que este colunista errou ao dizer que ele não havia aprovado leis nos seus dois anos de mandato. Erro provocado por ele e sua assessoria. No site da Câmara, que deve ser abastecido pelos gabinetes dos parlamentares, até quinta-feira da semana passada, constava um redondo número zero (0) no item de leis de sua autoria (o print da página foi enviado pelo colunista ao vereador). Lindbergh diz que aprovou dez (10) leis ordinárias, uma (1) lei complementar e uma (1) emenda à Lei Orgânica Municipal.

Sarney solidário

Episódio narrado por Maria Lúcia, mulher do ex-governador Pezão, mostra que além de ser um dos políticos mais tolerantes da História do Brasil, José Sarney é também um homem solidário. Quando Pezão foi preso, a então mulher do petista José Dirceu ligou para Maria Lúcia para lhe oferecer consolo e perguntar se o MDB estava prestando alguma ajuda a ela. Nenhuma, respondeu Maria Lúcia. Nunca. A mulher de Dirceu disse que o PT também não lhe deu qualquer apoio. Da turma política, disse ela, apenas Sarney ofereceu ajuda, mandava eventualmente comida para ela e telefonava regularmente perguntando se precisava de alguma coisa.

Setúbal e Stédile

O já falecido banqueiro e ex-chanceler Olavo Setúbal ligou certa vez para Frei Betto, com quem conversava eventualmente “para ouvir gente que pensava de forma diferente” da dele, e perguntou se ele podia levar o João Pedro Stédile para bater um papo. Duas semanas depois se deu o encontro, um almoço na sala do dono do Itaú. O banqueiro perguntou ao líder dos sem terra o que ele achava de Lula. Stédile fez algumas ponderações, reclamando que Lula não cumpria algumas de suas promessas, sobretudo as fundiárias. No que Setúbal emendou: “Lula foi uma decepção. Uma decepção para quem esperava algo dele. Como eu não esperava nada, admito que ele é um gênio”. Com lucros estratosféricos, nenhum banqueiro àquela altura podia mesmo reclamar qualquer coisa de Lula.

Fast Track

Pode ser boa a ideia dos bolsonaristas de aprovar lei que dá a ex-presidentes mandatos vitalícios de senador. É a forma mais rápida de garantir que Bolsonaro pague pelos inúmeros crimes que cometeu ao longo do seu mandato, já que senador tem foro privilegiado no STF. Se for pela Justiça dos comuns, a que alcança você e eu, os crimes vão ser analisados por três instâncias, passar por todas as chicanas jurídicas que se conhece, e quando forem finalmente julgados pelo Supremo, provavelmente já terão prescrito.

Lula pode perder

Claro que em eleição o melhor é dar palpite só depois da apuração. Mas uma coisa agora é certa, Bolsonaro pode derrotar Lula se abrir mão da sua candidatura. Se o petista não vencer no primeiro turno, a chance de ser derrotado pelo segundo classificado cresce muito. Tem gente da campanha que jura que o presidente fala nisso sempre que sai uma nova pesquisa, como na quinta, quando o Datafolha o retratou mais uma vez estacionado. A história comprova esta tese.

E o pato?

Depois do importante manifesto de empresários e banqueiros em favor da democracia, espera-se finalmente que o pato da Fiesp ganhe a Avenida Paulista portando um cartaz com os dizeres: “Ditadura nunca mais!”.

3 comentários:

Anônimo disse...

Excelente a avaliação dos mandatos presidenciais de Lula feita pelo colunista. Lula decepcionou em vários aspectos, mas seus governos foram democráticos e progressistas, melhorando visivelmente a qualidade de vida da maioria dos cidadãos. Comparado a Bolsonaro, Lula é um santo!!

Jorge disse...

Porquê boas cabeças pensantes do Brasil insistem em apoiar Lula e Bolsonaro?

ADEMAR AMANCIO disse...

Apoiar Lula eu até entendo,mas apoiar Bolsonaro,não mesmo.