O Globo
Candidato aceitou convite de Lula para
conversar sobre uma possível união ainda no primeiro turno
Esta coluna inaugura uma série analisando
os candidatos a presidente com maior intenção de voto.
Muita gente se surpreendeu quando uma pesquisa do Ipec em dezembro de 2021 deu 2% de intenção de voto para a Presidência a André Janones (Avante), à frente do então pré-candidato João Doria, do PSDB. Quem acompanha a dinâmica das mídias sociais, porém, sabia que Janones era uma potência. Era o único político do país que poderia competir em influência digital com Bolsonaro e Lula. Analisei sua trajetória numa coluna no GLOBO em 20 de fevereiro de 2021. Janones aceitou ontem convite de Lula para conversar sobre uma possível união ainda no primeiro turno e admitiu que poderia desistir da candidatura. Mas nada ainda está certo.
Ele é um dos candidatos que emergiram em
2018 na onda da renovação da política, tendo sido eleito deputado federal por
Minas Gerais com 178 mil votos. Tem 38 anos, mas uma trajetória antiga no
Triângulo Mineiro, que começa no movimento estudantil, passa pela defesa dos
direitos dos usuários do SUS, até ganhar projeção nacional como porta-voz na
greve dos caminhoneiros, sempre fazendo uso competente das mídias sociais.
Janones aproveitou a grande base de
seguidores que angariou na greve dos caminhoneiros e a manteve engajada durante
todo o seu mandato, combatendo a reforma da Previdência, denunciando desmandos
no Congresso e, depois, defendendo o Auxílio Emergencial.
É justamente esse compromisso com o Auxílio
Emergencial o coração de sua candidatura a presidente. Entre os candidatos com
mais intenção de voto, Janones é aquele que dá maior prioridade ao combate à
desigualdade. Propõe um programa de renda mínima — como o atual Auxílio Brasil
ou o antigo Bolsa Família —que ofereça R$ 600 e atinja 40 milhões de famílias.
Isso é mais que o dobro dos que recebem hoje o Auxílio Brasil e aproximadamente
o número de beneficiários do Auxílio Emergencial dos tempos mais duros da
pandemia.
Um programa de transferência de renda dessa
magnitude teria, efetivamente, grande impacto na desigualdade. Em 2020, quando
o Auxílio foi distribuído, o Índice de Gini, que mede a desigualdade, caiu de
0,544 para 0,524, o menor da série histórica.
O Auxílio Emergencial, em contrapartida,
foi um programa muito mal desenhado e implementado. Deixou de fora pessoas que
precisavam muito dos recursos e incluiu quem não precisava tanto. Focalizar o
acesso a um programa dessa magnitude não é tarefa trivial.
O maior desafio de um programa de renda
mínima tão ambicioso como o proposto por Janones é estabelecer a fonte dos
recursos. Ele diz que quer fazer uma ampla reforma tributária, introduzindo
progressividade no sistema. É a resposta tecnicamente correta. Mas uma reforma
tributária ampla requer muita articulação política, o que toma tempo, e um
programa social desse tipo requer implementação imediata.
Uma reforma tributária ampla exige
repactuar a distribuição das receitas entre União, estados e municípios e
convencer parte da classe média alta e dos muito ricos a pagar muito mais
impostos. Isso não se faz em seis meses, como ele espera, mas em anos. Janones
aposta no poder de pressão das mídias sociais. Não parece factível.
Quando jornalistas pediram para detalhar o
conteúdo da reforma, Janones deu algumas respostas muito ruins. Disse que uma
auditoria da dívida pública poderia reduzir em até 40% o gasto com juros e
amortizações — um delírio, já que não há grandes segredos sobre a composição da
dívida pública brasileira. A ênfase nas respostas fáceis de grande apelo em
detrimento das soluções conhecidas, mas difíceis, é um sinal ruim.
Além do programa de renda mínima e da
reforma tributária muito ambiciosos, Janones quer priorizar a educação básica,
implementando em todo o Brasil o ensino de tempo integral. A ideia é boa, mas
está pouco desenvolvida. Quando foi questionado por jornalistas, disse que
detalhes técnicos seriam definidos por uma futura ministra. Não é uma boa
resposta para um tema que diz estar no centro de sua agenda.
Janones não se diz nem de direita nem de esquerda. Não tem pudores em se definir como populista, na acepção técnica do termo. Adotou uma retórica contra os privilégios das elites e estabeleceu canais diretos de comunicação com a população por meio das mídias sociais. Também se apresenta como populista responsável, respeitando os limites constitucionais e as instituições de representação. Tem claramente se colocado contra os arroubos autoritários de Bolsonaro e já adiantou que estará contra ele num possível segundo turno.
Um comentário:
Se é contra Bolsonaro já conta ponto.
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