sábado, 30 de julho de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Riscos da letargia

Folha de S. Paulo

Memória da tragédia da Covid faz temer a inação do governo diante da varíola dos macacos

O mundo está às voltas com uma nova ameaça, a varíola dos macacos. Nada que se compare com a Covid-19, decerto, porém o retrospecto desastroso do Brasil no enfrentamento do coronavírus suscita certa preocupação.

A doença, similar àquela erradicada na década de 1970 com vacinação em massa, não chamava tanta atenção enquanto foi endêmica na África. O vírus conhecido pelo nome em inglês da moléstia, monkeypox, ganhou manchetes ao se espalhar em países ricos, ainda que de maneira lenta e limitada.

Foram registrados até agora cerca de 17 mil casos globalmente. O país mais afetado, Espanha, ultrapassa 3.000 infecções, seguido pelos EUA e por outras três nações europeias, Alemanha, Reino Unido e França.

O Brasil figura em sexto lugar, com mais de 1.000 diagnósticos, 70% deles no estado de São Paulo. Entre o primeiro caso confirmado e essa cifra transcorreram apenas seis semanas, permitindo supor que a transmissão já seja comunitária e provavelmente haja subnotificação. A primeira morte foi anunciada nesta sexta (29).

Rosamund Lewis, responsável da Organização Mundial da Saúde, qualificou a situação brasileira como preocupante. No último dia 23, a OMS afirmou que a varíola dos macacos constitui uma "emergência pública de preocupação global", embora sem o potencial do coronavírus para desencadear uma pandemia.

Não há, por ora, motivo para alarme. A enfermidade difere muito da Covid, que ainda grassa e poderia influenciar a percepção social.

A transmissão se dá de modo preponderante por via sexual. A maioria dos casos até aqui ocorreu entre homens que fazem sexo com homens. Eles são em geral mais atentos a lesões de pele por sua experiência com o HIV e mais propensos a buscar cuidados médicos, o que facilita o rastreamento.

A letalidade alcança no máximo 6% dos infectados, contra 30% da extinta varíola. Há duas vacinas razoavelmente eficazes e dois antirretrovirais para tratamento.

Por outro lado, as lesões podem ser sutis e confundir o diagnóstico, dificultando o isolamento de portadores. As vacinas são poucas e disputadas, e os medicamentos não estão disponíveis no Brasil. Nada garante que a transmissão siga confinada ao grupo mais atingido até aqui. Já se registraram dezenas de crianças afetadas.

Na sombra da incúria do governo de Jair Bolsonaro diante da Covid, preocupa a reação algo letárgica de Brasília. Sem coordenação empenhada e eficaz do Ministério da Saúde, a ampliação da capacidade de testagem e o acesso a vacinas e antirretrovirais poderão não chegar de forma tempestiva. Já vimos esse filme, e ele termina mal.

Perseguição na Funai

Folha de S. Paulo

Ações contra agentes federais apontam tentativa de enfraquecer órgão de proteção aos indígenas

Não é de hoje que o governo Jair Bolsonaro faz tudo para esvaziar a Funai (Fundação Nacional do Índio), o órgão responsável pela proteção dos direitos assegurados pela Constituição aos povos indígenas.

Apenas 4 de cada 10 cargos da instituição estão preenchidos, e posições chave estão desocupadas. Muitas funções passaram a ser exercidas por policiais e membros das Forças Armadas, em detrimento dos servidores da área.

Uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal à Justiça Federal do Amazonas na semana passada mostra que a investida adquiriu também ares policialescos.

Os procuradores acusam o atual presidente da fundação, Marcelo Augusto Xavier da Silva, de produzir um relatório de inteligência clandestino com o intuito de perseguir servidores do órgão e associações indígenas, tendo acionado a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) contra eles.

Tudo indica que a intenção era constranger os agentes, que Xavier acusa de obstruir o processo de licenciamento ambiental do Linhão de Tucuruí, linha de transmissão de energia projetada para ser construída entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR), cujo traçado passa pela terra indígena Waimiri-Atroari.

Xavier, que é delegado da PF, pediu também que os investigadores examinassem a conduta de um procurador federal que trabalha na Funai e assinou parecer jurídico a favor dos indígenas. Ele acusa os servidores da prática dos crimes de tráfico de influência e prevaricação no processo de licenciamento ambiental.

O Ministério Público promoveu o arquivamento do inquérito aberto a pedido de Xavier e agora o acusa de denunciação caluniosa. O presidente da Funai também representou à Procuradoria-Geral da República contra o procurador que encerrou a investigação, sem sucesso.

Para o Ministério Público, não há nenhuma irregularidade na conduta dos funcionários que se tornaram alvo de Xavier, e eles estavam apenas fazendo seu trabalho. Caberá agora à Justiça examinar o caso com a atenção que requer e impedir que as tentativas de intimidação prossigam.

Ao pôr em marcha a máquina estatal com o fim de pressionar os agentes da Funai a se afastar do exercício da sua missão institucional, a liderança da fundação assumiu postura digna de governos totalitários e mostrou o tamanho do seu descaso com as populações que o órgão deveria proteger.

Governo estimula os pobres a se endividar

O Estado de S. Paulo

Ao autorizar empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, governo distorce conceitos de políticas sociais orientadas pela redução da desigualdade e combate à pobreza

O governo Jair Bolsonaro está prestes a criar uma bolha de crédito sem precedentes na história brasileira. Incapaz de garantir condições dignas de sobrevivência para famílias carentes, o Executivo optou por destruir as bases do Bolsa Família, retirar suas contrapartidas e substituí-lo pelo eleitoreiro Auxílio Brasil. Definiu que o piso do programa seria de R$ 400 sem qualquer estudo técnico, independentemente do tamanho das famílias e da idade dos filhos, e, apavorado pela estagnação de Bolsonaro nas pesquisas, decidiu elevá-lo a R$ 600 seis meses depois. Agora, a título de facilitar o acesso ao crédito em um país de endividados, o governo achou por bem autorizar o contingente de atendidos pelo Auxílio Brasil a tomar empréstimos consignados, modalidade de financiamento em que a parcela é descontada do pagamento de forma automática.

Essa temeridade era parte de uma medida provisória enviada ao Congresso em março e que já recebeu o aval da Câmara e do Senado. Pelo texto aprovado, os beneficiários poderão comprometer 40% do valor que recebem em operações com prazo de até dois anos. A proposta ainda precisa ser regulamentada, mas já há instituições prontas para atender este público com escorchantes taxas de 4,98% ao mês e de 85,99% ao ano, como relatou a jornalista Adriana Fernandes em sua coluna no Estadão. O Executivo poderia ter tentado resguardar os mais vulneráveis ao impor um teto aos juros dessas operações. Se estivesse preocupado em reduzir as taxas cobradas na ponta, poderia ter colocado a União como garantidora em caso de inadimplência. Como não fez nada disso, o céu será o limite e cada um que se proteja da forma como puder.

Não há por que esperar uma atuação social consistente de um governo que pensa dia e noite na reeleição, mas dessa vez a temeridade atingiu o ápice. Dados mais recentes da Serasa Experian apontam que 66,6 milhões de pessoas estavam com o nome sujo em maio, o maior número de devedores de toda a série da pesquisa. Com a disparada da inflação e os juros em alta, milhões de brasileiros lutam pela sobrevivência diária em trabalhos informais que pagam baixos salários. Muitos escolhem quais contas deixarão de ser pagas a cada mês; outros procuram financiamentos para quitá-las. Há também quem busque alavancagem com novos empréstimos para pagar financiamentos mais antigos – ou seja, rolar dívidas. Quase metade da população está um pouco ou muito preocupada com sua situação financeira, e 6 em cada 10 brasileiros acham que não conseguirão pagar suas contas nos próximos seis meses, segundo pesquisa realizada pela Ipsos e publicada pelo Valor.

A dureza do cenário econômico já permitia vislumbrar um aumento da inadimplência nos próximos meses, mas a entrada de 20 milhões de famílias do Auxílio Brasil no mercado de crédito faz desta previsão uma certeza. Ao menos em tese, o aumento do piso do Auxílio Brasil é temporário e volta a ser de R$ 400 em janeiro. Não há, no Orçamento de 2023, recursos reservados para mantê-lo em R$ 600, a despeito das promessas de campanha feitas por Bolsonaro e pelo petista Lula da Silva. Para levantar um montante de R$ 2.500, o beneficiário terá que pagar R$ 160 mensais e receberá R$ 440 até dezembro; quando o valor pago pelo governo voltar a ser de R$ 400, a parcela que efetivamente chegará ao seu bolso será cortada para R$ 240, praticamente o mesmo que era pago em média pelo Bolsa Família em 2021. Ao fim dessa operação, terá pago quase o dobro do que tomou inicialmente e provavelmente estará devendo a agiotas que cobrarão juros ainda mais exorbitantes em operações paralelas.

Não satisfeito em distorcer todos os conceitos de políticas sociais orientadas pela redução da desigualdade e pelo combate à pobreza, o que o governo faz agora é lançar milhões de famílias vulneráveis e desprovidas de qualquer noção de educação financeira ao precipício. As consequências de mais uma decisão marcada pelo improviso e pelo desespero eleitoral são mais do que previsíveis.

Enfim, algo se moveu no MEC

O Estado de S. Paulo

Fato raro no arruinado Ministério da Educação, anúncio de que Carlos Moreno, técnico respeitado, vai presidir o instituto responsável pela organização do Enem é uma decisão sensata

A poucos meses das eleições e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, um fato inusitado ocorreu no Ministério da Educação (MEC). Em uma decisão sensata, algo raro nos últimos três anos e meio, o MEC anunciou a nomeação de Carlos Eduardo Moreno Sampaio para presidir, interinamente, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) − autarquia responsável pelo Enem e pelas demais avaliações nacionais, bem como por estatísticas do setor. Servidor de carreira com mais de três décadas de casa, Carlos Moreno, como é conhecido, é um respeitado técnico que desde 2010 estava à frente da Diretoria de Estatísticas Educacionais do instituto.

A troca de comando foi anunciada na última quarta-feira pelo ministro da Educação, Victor Godoy. Moreno substituirá Danilo Dupas, um dirigente que vivia às turras com o corpo técnico do instituto e que nunca havia trabalhado com avaliações antes de virar presidente do órgão, em fevereiro de 2021. Conforme Godoy postou em redes sociais, Dupas sai “por motivos pessoais e a pedido”. O Estadão apurou, contudo, que a verdadeira razão para Dupas deixar o cargo foi um pedido do Palácio do Planalto, temeroso de que eventuais falhas na preparação do Enem ou mesmo que os constantes atritos do dirigente com servidores do instituto prejudicassem a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. 

Seja qual for o motivo, o resultado é ótimo para a educação. A longa carreira de Moreno como servidor do Inep, onde se destacou a ponto de ser condecorado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e de receber prêmio do movimento Todos pela Educação, joga luz sobre a qualificação de boa parte do corpo técnico na administração federal. Gente que domina sua área de atuação e conhece a máquina pública. Ou seja, que está disponível para contribuir para o desenvolvimento do País, mas acaba preterida por correligionários e apadrinhados. Por óbvio, isso não é exclusividade do atual governo. Sob Bolsonaro, porém, chama a atenção que servidores qualificados deem lugar a dirigentes despreparados ou sem experiência.

Vitrine dos desastres que o bolsonarismo é capaz de produzir, o MEC já deu origem a todo tipo de má notícia e mau exemplo nos últimos três anos e meio. Devaneios ideológicos, incompetência e a sombra da corrupção foram a face mais visível de um problema estrutural: falta, ao governo Bolsonaro, um projeto para que o ensino e a aprendizagem avancem no País − exceto se, por projeto, entendermos a atuação deliberada de muitos de seus dirigentes para fazer retroceder e implodir o que governos anteriores, com a participação da sociedade, lograram pôr de pé. 

Exemplo dessa lógica de desmonte, o Inep foi entregue a gente sem experiência ou mesmo que não era da área. Moreno deverá assumir o cargo em 1.º de agosto, como o quinto presidente do órgão em menos de quatro anos. Vale lembrar que o ministro Godoy também é o quinto nomeado para dirigir o MEC sob Bolsonaro − o terceiro, Carlos Alberto Decotelli, nem chegou a tomar posse, enquanto o quarto, o pastor Milton Ribeiro, chegou a ser preso pela Polícia Federal, já após deixar o cargo, na investigação do chamado “gabinete paralelo” − escândalo revelado pelo Estadão em que pastores foram acusados de intermediar repasses de verbas a prefeituras.

Na guerra ideológica promovida pelo bolsonarismo, o teor das questões do Enem virou um dos alvos prediletos, a ponto de que temas como sexualidade e ditadura militar fossem evitados. Sem falar na supressão de itens considerados sensíveis na edição de 2021, como revelou o Estadão à época − Dupas foi acusado de interferência e dezenas de servidores pediram exoneração. Bolsonaro chegou a declarar, então, que as questões do Enem começavam “a ter a cara do governo”.

No momento em que o presidente busca a reeleição e vai mal nas pesquisas, o governo promove a troca de comando no Inep. E o novo dirigente não vem da grei ideológica. Pelo contrário, é um técnico que entende de avaliação e educação. Por linhas tortas, ganha a educação brasileira.

Desemprego menor, muita informalidade

O Estado de S. Paulo

Desocupação recua no 2.º trimestre, mas informalidade é recorde e o rendimento médio foi menor que o de um ano antes

Com 10,1 milhões de desempregados e 24,7 milhões de trabalhadores subutilizados, os brasileiros podem, apesar de tudo, registrar notícias positivas sobre o mercado de trabalho. O desemprego caiu de 11,1% no primeiro trimestre para 9,3% no segundo, a menor taxa para o período abril-junho desde 2015, quando ficou em 8,4%. O aumento da ocupação reflete principalmente a recuperação da atividade econômica, ainda modesta e liderada pelo setor de serviços, importante fonte de empregos informais e de baixa remuneração. Mas também reflete o aumento do trabalho por conta própria, frequentemente informal e adotado, em muitos casos, como única forma de escapar da fome. Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O número de trabalhadores por conta própria, de 25,7 milhões, foi o maior de um trimestre encerrado em junho desde o início da série, em 2012, superando por 1,7% o dos três meses anteriores e por 4,3% o de igual período de 2021.

O rendimento habitual dos ocupados, de R$ 2.652, ficou estável em relação aos três meses anteriores e foi 5,1% inferior, descontada a inflação, ao de um ano antes. A massa de rendimentos habituais, de R$ 255,7 bilhões, cresceu 4,4% em um trimestre e 4,8% em um ano.

Mesmo com esse avanço, o volume das vendas no varejo entre janeiro e maio foi apenas 1,8% maior que o dos primeiros cinco meses do ano passado. As famílias foram provavelmente forçadas a recompor suas despesas, concentrando-as em alguns bens e serviços essenciais, como comida, transporte, eletricidade e gás, por causa do grande aumento de preços desses itens.

Apesar da melhora recente do emprego, o quadro geral torna-se bem menos luminoso quando confrontado com dados internacionais. O desemprego médio ficou estabilizado em 5%, em abril e maio, em 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em apenas cinco desses países a desocupação superava a brasileira. Em 14, era inferior a 4%. Esse grupo incluía os Estados Unidos, com 3,6% de desocupados, e Alemanha, com 2,8%.

A taxa de informalidade, isto é, de ocupação sem registro oficial, ficou praticamente constante. Passou de 40,1% da população ocupada para 40% entre o primeiro trimestre e o segundo, reproduzindo a de abril-junho de 2021. O número de trabalhadores informais atingiu 39,3 milhões, o maior da série desse indicador, iniciada em 2016.

No setor privado, os empregados sem carteira assinada, 13 milhões, o maior contingente da série histórica, aumentaram 6,8% de um trimestre para outro e superaram por 23% o total do período correspondente no ano anterior. Empregados informais têm normalmente menor segurança e menos benefícios vinculados à relação de trabalho.

Com juros muito altos, muita insegurança entre investidores e crescimento econômico estimado na faixa de 1,5% a 2%, as condições de emprego dificilmente apresentarão melhoras duradouras antes da instalação de um novo governo.

Economia impõe desafio redobrado a novo governo

O Globo

Há sinais de melhora na inflação, emprego e crescimento, mas é preciso cuidado para não pôr tudo a perder

A dois meses da eleição, a economia brasileira emite sinais consistentes de melhora. A prévia da inflação aponta inversão na escalada de preços: em julho, o IPCA-15 ficou em 11,4%, abaixo dos 12% dos 12 meses anteriores. O desemprego também está em recuperação: no trimestre encerrado em junho, fechou em 9,3%, índice mais baixo para o segundo trimestre desde 2015. Finalmente, em sua projeção mais recente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu a estimativa de crescimento brasileiro em 2022 de 0,8% para 1,7% (números oficiais preveem 2%).

Ao mesmo tempo, o Ministério da Economia reavaliou sua projeção de déficit primário para R$ 59,4 bilhões (0,6% do PIB), R$ 6,1 bilhões abaixo da estimativa anterior. Os otimistas falam na possibilidade de superávit já em 2022, depois de oito anos de déficit. Tudo isso significa que, se o governo Jair Bolsonaro não cometer mais desvarios, o próximo presidente receberá as contas públicas em estado razoável. Mas a situação é frágil, e será preciso cuidado redobrado para não estragá-la.

Há diversas causas para a situação fiscal melhorar. A reforma da Previdência de 2019 reduziu o crescimento do déficit do INSS, fonte crônica de pressão sobre o Tesouro. O teto de gastos, mesmo tendo sido alvo de sucessivas sabotagens na gestão Bolsonaro, tem contribuído para conter o crescimento das despesas. A reforma trabalhista do governo Michel Temer ajuda a evitar um desemprego maior e traz receitas (o empregado com carteira assinada recolhe contribuições ao INSS). E a inflação tem o efeito ilusório — e passageiro —de alta na arrecadação.

Vários riscos ainda pairam sobre o equilíbrio fiscal futuro. O mais evidente é a intenção declarada do atual líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de revogar o teto de gastos, sem dizer o que porá no lugar. Embora a despesa do governo esteja sob controle, abaixo de 19% do PIB, ainda é necessário um ajuste fiscal maior para evitar a explosão na dívida pública. Revogar o teto para distribuir aumentos ao funcionalismo (fetiche ideológico da esquerda) significará deterioração imediata no quadro positivo.

Além disso, o governo pediu nesta semana às maiores estatais — Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES — que antecipem o pagamento de dividendos à União, sob o argumento de deixar as contas no azul. O estado das finanças públicas mostra que essa antecipação, além de desnecessária, prejudicará o início do próximo governo, que terá menos recursos à disposição.

Por fim, a expectativa do FMI para a economia global é negativa: de um crescimento de 6,1% em 2021, o PIB mundial deverá desacelerar para 3,2% neste ano e, a depender das economias americana e chinesa, o desaquecimento contaminará 2023 e afetará o Brasil sob o governo eleito em outubro.

Em janeiro, o novo mandatário assumirá com dificuldades conhecidas: manter o prumo nas contas públicas, atingidas pelos arroubos eleitoreiros deste ano, e promover as reformas essenciais para tirar a economia do longo ciclo de estagnação (tributária e administrativa). Será desastroso se persistirem as incertezas sobre os gastos. É considerada inevitável a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600. Haverá maior instabilidade se o novo governo revogar o teto de gastos, der reajustes gerais ao funcionalismo, conceder mais isenções de impostos e enveredar pela irresponsabilidade fiscal.

Responsabilidade por crime ambiental ultrapassa as fronteiras da Amazônia

O Globo

Garimpo e madeireiras ilegais vicejam sob conexões políticas que chegam aos gabinetes de Brasília

O assassinato do indigenista e funcionário da Funai Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, no Amazonas, revelou uma região sob controle do crime organizado no garimpo, na exploração da madeira e na pesca. O crime, confessado por pescadores ilegais, mobilizou as Forças Armadas e a Polícia Federal, mas por enquanto não passou disso.

Presos os implicados nas mortes, o Vale do Javari voltou a ser o que sempre foi: um entroncamento de rios em que traficantes e outros criminosos se deslocam numa região estratégica, na fronteira com a Colômbia e o Peru, países conhecidos como fornecedores mundiais de cocaína. Sem um aparato de segurança eficaz para deter a criminalidade, grupos armados voltam a ameaçar servidores que trabalham na região e a população.

Um desses grupos, ligado a garimpeiros, pressionou, de acordo com ofício revelado pela Folha de S.Paulo, funcionários da Funai para saber quantos servidores trabalham no local, em atitude de clara intimidação. No início do ano, a Funai localizara 19 balsas de garimpo próximas de sua base no Rio Jandiatuba, a 30 quilômetros das terras onde há o maior número de índios isolados no país. Foram encontrados 14 pontos de garimpo na região, protegidos por seguranças armados, segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). A Funai pediu ajuda às Forças Armadas, que não deveriam ter se afastado da região. O recuo deu espaço ao retorno do crime.

A Amazônia repete um roteiro conhecido no Rio, em que o tráfico de drogas prospera na ausência do Estado. O descaso do governo com a preservação da floresta incentivou a proliferação de garimpos, a ampliação das frentes existentes de desmatamento e o surgimento de novos pontos de devastação. É dessa forma que vicejam os grupos paramilitares, formados para dar segurança a desmatadores e garimpeiros.

Faz tempo que a destruição da Amazônia deixou de ser responsabilidade de posseiros desinformados que retiram a madeira, incendeiam a floresta e poluem os rios com mercúrio de garimpos. Em recente operação da Polícia Federal contra o garimpo ilegal em Jutaí, no Alto Solimões, um dos alvos foi o prefeito da cidade, Pedro Macário Barboza (PDT), acusado de receber, com secretários, propina em ouro para acobertar a prospecção do minério em zonas de preservação e terras indígenas. Macário e seus auxiliares foram afastados dos cargos por 90 dias, e as autorizações para garimpos na região foram cassadas.

Nada garante que tudo não volte a ser como antes. Ficou claro no governo Bolsonaro que o modelo de exploração predatória da Amazônia tem fortes conexões fora da região. A começar por Brasília.

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