O Globo
Que emergência foi essa que surgiu agora,
às vésperas do início da campanha eleitoral?
O bug do milênio (lembram dele?) não veio
na hora marcada, à meia-noite da virada de 1999 para 2000. Esperava-se que
aviões despencassem das alturas, como se fossem cotação de criptomoedas. Que
computadores se recusassem a funcionar, feito os bloqueadores de chamadas
indesejadas no celular. Acabou sendo uma espécie de passagem do cometa de
Halley em 1986 ou apocalipse maia em 2012: um fiasco.
Mas o indesejado das gentes parece ter, com
duas décadas de atraso, desembarcado entre nós. Os sinais estão por todos os
lados, como as sobrancelhas padronizadas e os picaretas quânticos.
Só um bug épico explica o apoio maciço do Senado à PEC Kamikaze. Que emergência foi essa que surgiu agora, às vésperas do início da campanha eleitoral? Será que o PT (cúmplice da gastança, com o voto de seus seis senadores) quer é dar fôlego a Bolsonaro para que ele chegue ao segundo turno, inviabilizando a cada vez mais improvável terceira via? O que terá levado o PDT de Ciro Gomes e o combo MDB-PSDB-Cidadania de Simone Tebet a fazer o mesmo? Quem entrega 41 bilhões a um adversário, para fins evidentemente eleitoreiros, deve ter razões que a sensatez desconhece.
Em 2 de julho, tinha havido o bug na foto
do tradicional cortejo da Independência da Bahia — ops, da manifestação petista
em Salvador. Um drone clonou, inadvertidamente, imagens dos participantes.
Nunca antes na história do cortejo isso tinha acontecido — ou sido necessário.
Se é o início da revolução dos drones e da invasão dos clones (ou apenas de seu
aparelhamento ideológico), ainda é cedo para especular.
Deu bug também na concessão da Medalha da
Ordem do Mérito do Livro. Talvez uma pane no sistema tenha levado a Biblioteca
Nacional a agraciar, por “sua contribuição para o engrandecimento da cultura
nacional”, o ex-diretor geral da Abin Alexandre Ramagem e os deputados Hélio
Lopes e Daniel Silveira. Ou será que o cultivo do atraso, a colheita de
informações e o fisiculturismo contam como cultura?
Finalmente, o bug nos programas de
tradução. Com ajuda da inteligência artificial, tinham se reduzido as chances
de “manga comprida” ser entendida como “um extenso fruto da mangueira”. Isso
não impediu que a carioquíssima gíria “neguinho” (“pessoa indeterminada; gente,
indivíduo”, segundo o insuspeito Houaiss) fosse tomada por ofensa racial. Mais
ou menos o equivalente ao “cabra da peste” dos nordestinos ser interpretado
como “ruminante infectado” ou o “trem de doido” dos mineiros virar um comboio
de portadores de distúrbios psíquicos. Pelo jeito, “neguinho” pode ser racista,
“cabra” pode ser especista e “doido” pode ser capacitista —ou não, a depender
menos do contexto, e mais de quem diz.
Está agendado para outubro o bug das urnas
eletrônicas. Se o atual presidente for reeleito, elas terão refletido a vontade
popular. Se ele perder, é porque houve fraude. Em 26 anos, o sistema foi
continuamente aprimorado e usado sem questionamentos. Em 2022, teremos urnas de
Schrödinger: até ser abertas, serão ao mesmo tempo confiáveis e suspeitíssimas.
É muito bug pra pouca Matrix.
Um comentário:
Eu também acho que chamar alguém de ''neguinho'' não é racismo,é claro,também, que depende do tom de voz de quem enuncia.
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