Revista Veja
A energia deveria ser tema eleitoral: os
brasileiros pagam uma das mais caras do mundo
Metade da população foi avisada sobre
aumentos na conta de luz a partir deste semestre. Outra metade já está pagando.
Os reajustes neste ano eleitoral variam de 12% em São Paulo a 24% no Ceará. Não
é pouco para um país onde o gasto com eletricidade consome um quarto do
orçamento de uma família.
Energia no Brasil é das mais caras do
mundo. Paga-se uma das três tarifas residenciais mais altas entre 65 países,
informa a Agência Internacional de Energia. É o resultado de decisões políticas
paradoxais, porque o país possui fartura de água, sol, terra e gás, nas
reservas do pré-sal.
Os preços domésticos aumentaram
excessivamente nas últimas duas décadas: subiram (351%) muito além da inflação
(de 230%) no período de 2001 a 2020, calcula o Tribunal de Contas da União.
Acender uma lâmpada no Brasil custa, em dólares, o dobro do que em países ricos, como Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão, embora a renda média dos brasileiros seja até dez vezes mais baixa.
Metade da conta de luz nem é energia
elétrica. É composição de faturas que os governos e o Congresso há décadas
espetam nos bolsos dos consumidores, sob a forma de tributos, subsídios e auxílios
variados, quase sempre para atender a interesses de grupos empresariais e
políticos com poder de influência em Brasília.
A maioria nem percebe, mas ao pagar a luz
residencial ajuda a bancar coisas como: o deficitário complexo nuclear de Angra
dos Reis, no Rio, inacabado há meio século; a obsoleta indústria de carvão de
Santa Catarina e do Rio Grande do Sul; a queima de diesel em geradores na
Amazônia; a irrigação de lavouras para exportação; as empresas de saneamento
básico e de energia eólica; a iluminação de clubes de campo e até de igrejas do
interior.
“Tudo isso é feito com o seu, o meu, o
nosso dinheiro, e sem a menor transparência”, diz Paulo Pedrosa, presidente da
Abrace, organização criada por meia centena de indústrias brasileiras que,
juntas, consomem mais energia elétrica do que países como Chile, Colômbia ou
Peru.
A miríade de “auxílios” fica encoberta na
fatura mensal, dissimulada numa certa Conta de Desenvolvimento Energético. Ela
foi “um dos principais fatores” para o aumento de 12% na conta de luz na região
metropolitana de São Paulo nesta semana, explicou a concessionária Enel a 20
milhões de clientes.
É a consequência prática de políticas
públicas decididas sem clareza nem coerência, a um custo crescente e com
efeitos perversos — da corrosão do orçamento das famílias pobres ao incentivo à
migração de fábricas e empregos para a fronteira paraguaia. Dono de metade da
Usina de Itaipu, o Paraguai já atraiu duas centenas de indústrias brasileiras
com a oferta de energia mais barata.
Novos custos têm sido adicionados à conta
de luz, sem justificativa clara, para atender a interesses corporativos.
Recentemente, o Tribunal de Contas interpelou o Ministério de Minas e Energia
sobre mudanças nos custos do “risco hidrológico”, espécie de seguro para a
falta de chuvas. O ministério respondeu não ter informação.
Essa “apólice” representou um adicional de
70 bilhões de reais cobrado na conta de luz do governo Dilma Rousseff ao
de Jair Bolsonaro. Em valor, é quase o
dobro do pacote de emergência eleitoral em debate no Congresso. Os consumidores
perderam, as empresas geradoras de energia ganharam, mesmo sem as
justificativas necessárias.
A alta de preços da energia, responsável
por metade da inflação que está aí, também é influenciada pelo Judiciário. Caso
exemplar ocorreu em Minas Gerais. Em 2015, a mineradora Vale perdeu uma
hidrelétrica no desmoronamento da sua barragem em Mariana. Por decisão
judicial, no entanto, o setor público continuou remunerando a empresa pela
energia “gerada” para o sistema nacional. Até o ano passado, foram pagos 400
milhões de reais pela eletricidade inexistente da usina, que permanece
soterrada na lama.
A conta de luz não é tema relevante na
campanha eleitoral. Deveria ser, porque é chave na inflação, alvo de histórica
disputa político-partidária e de frequentes episódios de corrupção, mostram as
confissões de empreiteiros na Lava-Jato.
Além disso, a fatura é dupla. Paga-se tanto
pela energia consumida em casa como, também, nas compras. Pelas contas da
Abrace, hoje, quase metade (48%) do preço de 1 litro de leite e mais de um
terço (34%) do quilo de carne congelada no supermercado são apenas custo de
eletricidade.
Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797
Um comentário:
Está tudo pela hora da morte,barato é só o marido da barata mesmo.
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