sábado, 9 de julho de 2022

José Casado: Falta luz na conta

Revista Veja

A energia deveria ser tema eleitoral: os brasileiros pagam uma das mais caras do mundo

Metade da população foi avisada sobre aumentos na conta de luz a partir deste semestre. Outra metade já está pagando. Os reajustes neste ano eleitoral variam de 12% em São Paulo a 24% no Ceará. Não é pouco para um país onde o gasto com eletricidade consome um quarto do orçamento de uma família.

Energia no Brasil é das mais caras do mundo. Paga-se uma das três tarifas residenciais mais altas entre 65 países, informa a Agência Internacional de Energia. É o resultado de decisões políticas paradoxais, porque o país possui fartura de água, sol, terra e gás, nas reservas do pré-sal.

Os preços domésticos aumentaram excessivamente nas últimas duas décadas: subiram (351%) muito além da inflação (de 230%) no período de 2001 a 2020, calcula o Tribunal de Contas da União.

Acender uma lâmpada no Brasil custa, em dólares, o dobro do que em países ricos, como Estados Unidos, França, Reino Unido e Japão, embora a renda média dos brasileiros seja até dez vezes mais baixa.

Metade da conta de luz nem é energia elétrica. É composição de faturas que os governos e o Congresso há décadas espetam nos bolsos dos consumidores, sob a forma de tributos, subsídios e auxílios variados, quase sempre para atender a interesses de grupos empresariais e políticos com poder de influência em Brasília.

A maioria nem percebe, mas ao pagar a luz residencial ajuda a bancar coisas como: o deficitário complexo nuclear de Angra dos Reis, no Rio, inacabado há meio século; a obsoleta indústria de carvão de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul; a queima de diesel em geradores na Amazônia; a irrigação de lavouras para exportação; as empresas de saneamento básico e de energia eólica; a iluminação de clubes de campo e até de igrejas do interior.

“Tudo isso é feito com o seu, o meu, o nosso dinheiro, e sem a menor transparência”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, organização criada por meia centena de indústrias brasileiras que, juntas, consomem mais energia elétrica do que países como Chile, Colômbia ou Peru.

A miríade de “auxílios” fica encoberta na fatura mensal, dissimulada numa certa Conta de Desenvolvimento Energético. Ela foi “um dos principais fatores” para o aumento de 12% na conta de luz na região metropolitana de São Paulo nesta semana, explicou a concessionária Enel a 20 milhões de clientes.

É a consequência prática de políticas públicas decididas sem clareza nem coerência, a um custo crescente e com efeitos perversos — da corrosão do orçamento das famílias pobres ao incentivo à migração de fábricas e empregos para a fronteira paraguaia. Dono de metade da Usina de Itaipu, o Paraguai já atraiu duas centenas de indústrias brasileiras com a oferta de energia mais barata.

Novos custos têm sido adicionados à conta de luz, sem justificativa clara, para atender a interesses corporativos. Recentemente, o Tribunal de Contas interpelou o Ministério de Minas e Energia sobre mudanças nos custos do “risco hidrológico”, espécie de seguro para a falta de chuvas. O ministério respondeu não ter informação.

Essa “apólice” representou um adicional de 70 bilhões de reais cobrado na conta de luz do governo Dilma Rousseff ao de Jair Bolsonaro. Em valor, é quase o dobro do pacote de emergência eleitoral em debate no Congresso. Os consumidores perderam, as empresas geradoras de energia ganharam, mesmo sem as justificativas necessárias.

A alta de preços da energia, responsável por metade da inflação que está aí, também é influenciada pelo Judiciário. Caso exemplar ocorreu em Minas Gerais. Em 2015, a mineradora Vale perdeu uma hidrelétrica no desmoronamento da sua barragem em Mariana. Por decisão judicial, no entanto, o setor público continuou remunerando a empresa pela energia “gerada” para o sistema nacional. Até o ano passado, foram pagos 400 milhões de reais pela eletricidade inexistente da usina, que permanece soterrada na lama.

A conta de luz não é tema relevante na campanha eleitoral. Deveria ser, porque é chave na inflação, alvo de histórica disputa político-partidária e de frequentes episódios de corrupção, mostram as confissões de empreiteiros na Lava-Jato.

Além disso, a fatura é dupla. Paga-se tanto pela energia consumida em casa como, também, nas compras. Pelas contas da Abrace, hoje, quase metade (48%) do preço de 1 litro de leite e mais de um terço (34%) do quilo de carne congelada no supermercado são apenas custo de eletricidade.

Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Está tudo pela hora da morte,barato é só o marido da barata mesmo.