segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Jairo Saddi - Juros, juros e mais juros

Valor Econômico

Só estímulo à competição, redução da inadimplência e simplificação tributária e regulatória podem derrubar juros ao consumidor

Roberto Troster, em artigo neste Valor (“Métricas bancárias”, 15/07/22, pág. A-8), sugeriu acertadamente uma padronização no conceito e na convenção da aplicação de juros. Diz ele: “No Brasil, é desnecessariamente mais complexa, usando várias medidas de juros em vez de uma, como no resto do mundo. Um mesmo número pode representar valores muito díspares dependendo se a taxa vier expressa em taxa mês ou taxa ano, o ano com 252 dias ou com 365 dias, com e sem o IOF, que tem uma alíquota efetiva que varia de acordo com o dia do mês”. Acho que é meritório, a partir de sua sugestão, ampliar o debate.

O matemático José Dutra Vieira Sobrinho classifica as taxas de juros considerando: (a) o regime de capitalização: simples (ou linear) e composto (ou exponencial); (b) o valor do capital inicial tomado como base de cálculo: nominal, efetiva e real. Não se desconhecem os inúmeros problemas jurídicos que daí decorrem - especialmente no que diz respeito a juros reais, usura etc. desde o Decreto-Lei n. 22.626/33.

Contudo, já existe entre nós regulação sobre o cálculo e a informação do Custo Efetivo Total (CET) relativo à contratação das operações de crédito e de arrendamento mercantil (Resolução 4.881, de 23 de dezembro de 2020). Trata-se de dar ao consumidor maior transparência sobre o que se cobra dele, apesar de alguns problemas de divulgação, pois, muitas vezes, só se informa as taxas de juros e não os demais custos envolvidos no crédito, tais como tarifas, tributos, seguros e outras despesas vinculadas à operação, especialmente as relativas ao pagamento de serviços de terceiros.

O CET é um avanço: o Sol ainda é o melhor desinfetante, como já disse Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte Americana, mas a convenção do conceito de taxas de juros não é tema distinto e inconfundível.

Desde os tempos de inflação alta, em que havia a cultura do overnight, o Banco Central do Brasil adotou o sistema de 252 dias úteis para aplicações financeiras, baseado nos vencimentos de títulos públicos e que permeia muitos de seus regulamentos (por exemplo, a Circular 3.850, de 26 de setembro de 2017). Em resumo: entre nós, há o conceito de juros exatos, ou seja, o do calendário civil de dias úteis. O conceito de juros comerciais, com o mês de 30 dias e o ano de 360 dias, impera no imaginário popular, mas nem sempre dialoga com a prática bancária.

O tema é especialmente relevante quando se comparam taxas de juros de diferentes instituições bancárias ou fintechs, dando ao consumidor poder de escolha, especialmente relevante nestes tempos de open banking. É sempre importante lembrar que só se pode comparar coisas semelhantes, e, para isso, talvez fosse importante contar com a participação de todos os agentes interessados, a fim de criar um padrão universal de mercado, que pudesse ser usado como convenção e métrica de fácil compreensão.

Curiosamente, o Executivo tem se movimentado para tentar padronizar e simplificar coisas desnecessariamente complexas, como se refere Troster. O Decreto 10.139, de 28 de novembro de 2019, estabelece a obrigatoriedade de os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional de revisarem, atualizarem, simplificarem e consolidarem atos normativos “a fim de racionalizar o estoque regulatório”.

E, realmente, não deve ser difícil criar uma nova convenção sobre juros. Por exemplo, quando se pensa em rentabilidade na indústria de fundos, está se tratando de rentabilidade bruta, mas já sem taxas ou custos de administração e performance, e todos, aplicadores, administradores e gestores, usam e aceitam o mesmo critério. A Anbima publicou um Guia para publicidade e divulgação de material técnico de fundos de investimentos, e há ali capítulo específico sobre “Divulgação de rentabilidade, comparação, simulação e qualificação”.

O tema “juros” nunca sai de moda, ocupando espaços no debate nacional. Mas além dos conhecidos argumentos de que, para muitos, nossos juros são escorchantes, abusivos e apenas alimentam lucros exorbitantes de banqueiros inescrupulosos, há um micro-universo operacional que é preciso enfrentar. Só existem três fatores para determinar a redução no juro ao consumidor na economia brasileira: o estímulo à concorrência, a redução da inadimplência e a simplificação tributária e regulatória.

Como qualquer mercadoria - e o juro não passa de uma mercadoria - ele sofre os efeitos da oferta e da demanda - lei imutável da natureza econômica: se há mais gente querendo comprar “juros” o preço sobe, caso contrário, ele cai. Mas além das três questões mais macroscópicas citadas acima, é preciso olhar o detalhe, o particular. É importante avançar com a medida e a ideia deve ser melhor debatida e desenvolvida.

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