Folha de S. Paulo
Enquanto isso, da Colômbia à França há uma
mudança de paradigma calcada em valores e pragmatismo
A última semana foi frustrante para aqueles
que pensavam que, pela primeira vez, o clima teria um papel central na eleição.
A candidatura ao Senado de um dos mais
ilustres defensores do meio ambiente da República, Alessandro
Molon (PSB-RJ), está comprometida por trivialidades partidárias. Ciro Gomes
(PDT), que
há muito vagueia longe de terras democráticas, qualificou a questão
indígena de "política de papo-furado".
É muito difícil criticar Simone Tebet (MDB) depois do festival de machismo na convenção que formalizou a indicação da sua vice, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP). Mas, na condição de presidenciável, ela terá de explicar a contradição entre sua promessa de zerar o desmatamento e o envolvimento histórico do seu grupo na predação de terras em Mato Grosso do Sul.
Para explicar a má relação entre clima e
eleição, alguns apontam para a complacência política. Candidatas e candidatos
estão sem incentivos para investir na conquista de um eleitorado que já está
garantido. Afinal, depois do primeiro
governo ecogenocida do país, tudo será considerado progresso.
A segunda, mais cínica, sugere um problema
de demanda eleitoral. De acordo com essa tese, os brasileiros, assolados por
problemas materiais imediatos, não teriam tempo para se preocupar com a agenda
ambiental.
Falem isso para
o recém-empossado Gustavo Petro.
O primeiro presidente de esquerda da Colômbia jamais escondeu a agenda
ambiental durante a campanha. Mesmo nos momentos em que procurava alcançar o
empresariado, sua promessa de acelerar a transição do petróleo para as energias
renováveis foi mantida.
O mesmo
vale para Gabriel Boric
no Chile, que apesar de comandar um país ainda
mais dependente da exploração de seus recursos naturais do que o
Brasil, colocou a economia verde na matriz do programa de governo. Ambos
mostraram que a radicalidade na política climática é compatível com a busca de
alianças ao centro.
Fora da América Latina, o social-democrata
SPD só
voltou ao poder na Alemanha graças aos verdes. A coalizão de esquerda
Nupes, liderada pela França Insubmissa, também
deve tudo aos ambientalistas, e nada aos decadentes socialistas. A última
chance de Joe Biden de salvar o seu governo foi arrancada pelos ativistas que
se jogaram no chão do Congresso para obrigar
os senadores democratas a reabrirem as negociações por um pacote de
investimento climático.
Essa mudança de paradigma tem tanto a ver
com valores quanto pragmatismo. O desafio do aquecimento global dá nova
legitimidade à governança do Estado e amplia dramaticamente o horizonte da ação
pública. Ele permite a criação de novas iniciativas industriais, científicas e
sociais que eram tidas como inviáveis até poucos anos atrás.
Até o liberal Emmanuel Macron se dotou de
um quase soviético "Ministério
da Planificação Ecológica" para se aproveitar plenamente dessa nova
oportunidade. Em todas as democracias ameaçadas pela ultradireita, a
política climática tem tido um papel fundamental na refundação do Estado.
Cabe ao eleitor exigir que o Brasil se
torne uma infeliz exceção.
*Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC
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