Editoriais / Opiniões
Sem sinal
Folha de S. Paulo
Estreia do 5G mostra que será preciso
cuidado para não acentuar desigualdade no acesso à tecnologia
A estreia da rede 5G,
nova geração da telefonia celular, teve impacto reduzido para a maioria dos
consumidores. A nova tecnologia promete velocidade até dez vezes superior à
oferecida pelo 4G à transmissão de dados, mas essa experiência ainda é muito
incomum.
Nas capitais que já têm antenas conectadas
à nova rede, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e João Pessoa,
a cobertura é
parcial e a resposta do sinal se mostrou oscilante nos
primeiros dias de operação, na semana passada.
Parte do problema era previsível a esta
altura do processo de instalação do sistema. A frequência usada pela rede exige
um número maior de antenas, separadas entre si a distâncias menores do que as
requeridas pelos sistemas atuais.
Será preciso tempo para instalar os
equipamentos que viabilizarão o funcionamento pleno da rede. Estima-se que o 5G
demandará dez vezes mais antenas do que as que sustentam as redes mais antigas.
Além disso, ainda são muito poucas as pessoas que carregam no bolso os aparelhos mais modernos, habilitados para se conectar ao sistema e usufruir os benefícios prometidos pela nova tecnologia.
Caberá às autoridades acompanhar com
atenção a expansão da
cobertura para evitar que o 5G amplie e aprofunde um problema
que muitos brasileiros já enfrentam no cotidiano, a desigualdade digital.
Seja por causa da oferta de sinal, do preço
dos aparelhos mais sofisticados ou dos pacotes das operadoras, a qualidade dos
serviços celulares já varia muito nos centros urbanos, com diferenças
entre bairros ricos
e pobres, e também entre grandes cidades e o interior do
país.
Segundo levantamento do Instituto Locomotiva
e do Instituto de Defesa do Consumidor, um quarto da população fica sem acesso
à internet por uma semana todo mês —em geral, porque a cota de dados garantida
pelos planos dos usuários de renda mais baixa se esgota antes de o mês acabar.
Embora celulares sejam essenciais para a
comunicação em áreas mais isoladas, muitas regiões do país ainda são
desprovidas de sinal. É esse contexto de disparidades que torna justificada a
atenção redobrada com a implantação do 5G.
Como a Folha mostrou, no lançamento da rede
em Brasília, o sinal ainda era precário em Taguatinga, cidade satélite da
capital federal que se tornou importante centro comercial. Não havia sinal
disponível no principal shopping da região.
Em São Paulo, segundo a Anatel, agência
reguladora do setor, a área com maior número de antenas no lançamento é também
a de maior concentração de edifícios de escritórios, onde trabalham pessoas com
maior poder aquisitivo. É de esperar que, com o tempo, essas diferenças sejam
corrigidas.
Troca na Argentina
Folha de S. Paulo
Novo ministro da Economia assume com amplos
poderes e promessa de medidas duras contra crise
A posse de um novo ministro
da Economia na Argentina, o terceiro a exercer a função em um
mês, dá uma ideia da gravidade da crise que se instalou na nação vizinha.
No início de julho, a súbita renúncia de
Martín Guzmán ao cargo, após ataques da vice-presidente Cristina Kirchner,
precipitou uma rápida e acentuada desvalorização
do peso em relação ao dólar.
Sua substituta, Silvina Batakis, uma
técnica respeitada mas com pouco expressão política, não teve tempo de
apresentar um plano para tentar colocar a economia do país em ordem. Caiu após
24 dias no cargo, em meio à crescente insatisfação popular com a inflação, que
acumulou variação de espantosos 64% nos últimos 12 meses.
Premidos pela crise, o presidente Alberto
Fernández e sua vice promoveram nova mudança de rota, com a criação de
um superministério,
resultado da fusão das pastas da Economia, do Desenvolvimento Produtivo e da
Agricultura e Pesca. Sergio Massa foi escolhido para dirigi-lo.
Presidente da Câmara dos Deputados e com
experiência de governo, Massa é figura
conhecida da política argentina. Foi chefe de gabinete no
governo de Cristina, mas rompeu com ela e, em 2015, concorreu à Presidência
prometendo prendê-la por corrupção se fosse eleito. Quatro anos depois,
desistiu de uma segunda candidatura presidencial para apoiar Fernández,
voltando a se aliar ao kirchnerismo.
Ao tomar posse na quarta-feira (3), Massa
apresentou um plano de recuperação econômica com medidas para estabilizar os
mercados de câmbio, recompor as reservas do Banco Central, incentivar
exportações, compensar perdas salariais e rever gastos sociais.
O pacote coloca o ajuste fiscal no centro
da política econômica, num claro aceno aos investidores, mas foi recebido com
ceticismo por analistas e bancos internacionais, que duvidam da capacidade que
o governo terá de conter a expansão do déficit público.
Politicamente, a ascensão de Massa expõe a
fragilidade do presidente, que vive luta fratricida com sua vice. O novo
ministro deve atuar como uma espécie de premiê, esvaziando ainda mais o poder e
a credibilidade de Fernández.
Já Cristina, além de precisar recorrer ao
ex-desafeto, vê-se agora obrigada a apoiar políticas econômicas que sempre
criticou, num reconhecimento do fracasso das medidas adotadas até aqui para
salvar o governo kirchnerista.
O desvirtuamento da PGR
O Estado de S. Paulo
Atuação de Augusto Aras à frente da PGR tem deixado o País refém das agressões de Bolsonaro. Defender a ordem jurídica e o regime democrático é obrigação da PGR, não uma opção
Este jornal tem sido reiteradamente crítico
a algumas condutas de membros do Ministério Público que se tornaram frequentes
nos últimos anos: investigações sem objeto preciso que se estendem
indefinidamente, uso excessivo e indevido de delações, atuações midiáticas de
procuradores e interferências na esfera administrativa. Observa-se amiúde uma
compreensão ampliada e distorcida das funções do Ministério Público, como se o
papel da instituição fosse refundar a política nacional ou demandasse
competências ilimitadas.
Deve-se reconhecer que, não poucas vezes,
esses abusos foram tolerados e até mesmo incentivados pelo Judiciário. Por
exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF), indo além do que prevê o texto
constitucional, entendeu, em 2015, que o Ministério Público tem competência
para promover investigação de natureza penal.
O quadro suscita atenção. A Constituição de
1988 previu uma configuração institucional forte e precisa para o Ministério
Público, como meio de defesa da ordem jurídica e do regime democrático. No
entanto, esse arcabouço constitucional tem sido interpretado como se o
Ministério Público tivesse uma autonomia sem limite, sem critério e sem
controle – o que é inconstitucional e antirrepublicano.
De forma paradoxal, os problemas da
ausência de critério e de controle na atuação do Ministério Público têm sido
especialmente notados desde o segundo semestre de 2019, quando Augusto Aras
assumiu a chefia da PGR. Sob o pretexto de corrigir uma atuação do Ministério
Público fora dos parâmetros institucionais, o procurador-geral da República
adotou uma postura oposta, mas também equivocada. Alinhou-se ao Palácio do
Planalto, alegando que não cabe ao Ministério Público imiscuir-se em questões
políticas.
De fato, não é papel da PGR arbitrar
pendências políticas e, muito menos, promover a judicialização de assuntos que,
num regime democrático, devem ser decididos pelo Legislativo. No entanto,
precisamente porque o Ministério Público não pode fazer política, ele não deve
abandonar a defesa da ordem jurídica e do regime democrático para agradar ao
presidente da República.
É preciso fazer uma distinção. Uma vez que
está muito difundida uma compreensão ampliada e distorcida das funções do
Ministério Público – fruto não apenas de uma interpretação extensiva da
Constituição de 1988, mas de uma mentalidade tenentista ainda presente em
muitos setores da sociedade –, há críticas igualmente ampliadas e distorcidas a
respeito da atuação de Augusto Aras à frente da PGR. É impressionante como
alguns querem continuar outorgando ao Ministério Público um papel de tutela
sobre toda a vida social e política do País, limitando em pleno século 21 o
âmbito e a responsabilidade do exercício pessoal da cidadania.
No entanto, por mais que algumas críticas
sejam exageradas, salta aos olhos que a PGR de Augusto Aras não tem cumprido o
seu papel institucional de defesa da ordem jurídica e do regime democrático.
Argumentações supostamente técnicas têm sido invólucro para gravíssimas
omissões que, além de deixarem o País refém de agressões à Constituição e a
direitos fundamentais, colocam o presidente da República na condição de acima
da lei, como se seu agir fosse completamente impune.
Não haveria a escalada de Jair Bolsonaro
contra as eleições se a PGR tivesse defendido o regime democrático, acionando
no devido tempo o Judiciário. Para piorar, a PGR tem-se colocado em confronto
com o trabalho do Supremo. A recente manifestação da vice-procuradora-geral da
República, Lindôra Araújo, no inquérito que apura o vazamento de informações
sigilosas da Justiça Eleitoral por parte de Jair Bolsonaro é peça de audácia
inédita, com o Ministério Público rejeitando a priori provas que
possam ser produzidas contra Jair Bolsonaro.
Eis a consequência de pensar que, numa
República, pode haver órgãos estatais sem controle. A população se vê
desprovida de uma proteção prevista na Constituição, porque a PGR não presta
contas. Faz ou deixa de fazer o que bem entende.
Pela dignidade dos idosos
O Estado de S. Paulo
O papa, ele mesmo enfrentando as agruras da velhice, alerta para o abandono dos idosos; criar políticas públicas para essa população, cada vez maior, é demanda urgente no mundo todo
Aos 85 anos, o papa Francisco tem se
dedicado a ressignificar o lugar do velho no imaginário coletivo, revendo
conceitos e preconceitos, algo que ele já fazia antes de se tornar a autoridade
maior da Igreja Católica. A diferença, agora, é que o avançar da idade, somado
às fragilidades físicas decorrentes de uma cirurgia no intestino e a problemas
no joelho, tem exposto ao mundo a figura de um papa debilitado fisicamente.
Em recente visita ao Canadá, o pontífice
cumpriu grande parte dos compromissos de cadeira de rodas − e disse que terá de
diminuir o ritmo de viagens em função da saúde debilitada. A vulnerabilidade
física do papa, vis-à-vis sua ênfase ao defender o acolhimento das pessoas
idosas em um mundo cuja população mais velha não para de crescer, foi tema de
reportagem do New York Times. Para o papa Francisco, os idosos são as
“verdadeiras pessoas novas”, considerando que a humanidade nunca viu tamanha
expansão da população mais velha. “Nunca tantos quanto agora, nunca com tanto
risco de serem descartados”, resumiu ele.
No Canadá, o papa falou abertamente sobre o
problema do abandono, defendendo a construção de “um futuro em que os idosos
não sejam deixados de lado porque, do ponto de vista ‘prático’, não são mais
úteis”. E concluiu: “Um futuro que não seja indiferente à necessidade dos
idosos de serem cuidados e ouvidos”.
O envelhecimento da população é uma
realidade mundial que suscita respostas a diversos desafios, começando pela
área da saúde e por questões previdenciárias. Mas não só. Em sociedades em que
o culto à juventude também é cada vez maior, o aumento da parcela mais velha da
população exige um novo olhar para os idosos e suas necessidades. A palavra-chave
aqui é dignidade. E isso envolve tanto condições materiais de sobrevivência e
acesso aos serviços de saúde quanto atenção e respeito, seja por parte de
familiares, de cuidadores e de instituições públicas e privadas.
Projeções demográficas indicam um número
cada vez maior de idosos nas próximas décadas. Nos últimos anos, a Organização
das Nações Unidas (ONU) tem divulgado estimativas de que a população global de
60 anos ou mais vai dobrar até 2050, a maioria vivendo em países de renda baixa
ou média. No Brasil, não é diferente. O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) projetou que a partir de 2039 haverá mais brasileiros acima
de 65 anos do que crianças na faixa de 0 a 14 anos.
Criar e implementar políticas públicas que
deem conta da multiplicidade de demandas desse aumento exponencial da população
mais velha não é desafio para o futuro. Eis uma exigência que já bate à porta
de governos no mundo inteiro. Não à toa, a ONU definiu que esta é a Década do
Envelhecimento Saudável − um desafio agravado pela pandemia de covid-19 e seus
impactos ainda mais devastadores em pacientes idosos.
No Brasil, o IBGE estima que 10% dos
habitantes, o equivalente a 21,6 milhões de pessoas, tinham 65 anos ou mais no
ano passado. Para dar a devida dimensão do desafio, vale dizer que esse
contingente é mais do que toda a população do Chile. Como o recorte do IBGE
considera como idosa a população acima de 65 anos, ao passo que o Estatuto do
Idoso adota como referência a idade de 60 anos ou mais, presume-se que a população
idosa no Brasil, do ponto de vista legal, seja ainda mais numerosa.
Garantir o bem-estar dos mais velhos, no
caso brasileiro, passa pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o
que requer o engajamento do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e das
prefeituras. Atrasos na distribuição de fraldas geriátricas, por exemplo,
comprometem a qualidade de vida de quem se beneficia desse tipo de iniciativa.
Ainda mais em um país com a desigualdade socioeconômica do Brasil.
Garantir a dignidade da população idosa é dever das atuais e das futuras gerações. Do contrário, não faria sentido todo o esforço empreendido até aqui para tornar possível o aumento da expectativa de vida − o que, em boa hora, deu origem a essa “nova geração” de idosos.
Argentina à espera de um milagre
O Estado de S. Paulo
Novo ministro da Economia promete austeridade, câmbio estável e inflação menor
Se o novo “superministro” da Economia da
Argentina, o advogado Sergio Massa, conseguir fazer boa parte do que anunciou
logo após tomar posse no cargo no dia 3, não só o prestígio popular fortemente
abalado do governo do presidente Alberto Fernández poderá ser recomposto a
tempo de enfrentar em melhores condições as eleições marcadas para 2023, mas,
sobretudo, a economia do principal parceiro do Brasil no Mercosul retomará o
caminho da estabilidade e do crescimento sustentado. Seria bom para milhões de
argentinos cujas dificuldades financeiras e sociais se multiplicaram nos
últimos anos. E seria bom também para o Brasil, pois a Argentina é um dos
destinos mais importantes das exportações do País.
Buscar o ajuste das contas públicas, por
meio do cumprimento da meta de déficit primário acertado com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), fortalecer as reservas internacionais consumidas pela
crise cambial e combater as desigualdades geradas pela inflação são,
resumidamente, os eixos da política econômica que Massa colocará em prática.
O fato de Massa ser a terceira pessoa a
ocupar o cargo em um mês – Martín Guzmán demitiu-se do cargo no início de julho
e sua sucessora, Silvina Batakis, o ocupou por apenas 24 dias – é, mais do que
uma curiosidade, um sinal de quanto é difícil exercer a função.
A Argentina enfrenta a maior inflação em
muitos anos e já começa a se lembrar perigosamente do período em que, não faz
muito tempo, a hiperinflação causou tremendos danos a todos e desorganizou a
economia. O governo foi novamente compelido a assinar um acordo de ajuste com o
FMI para evitar uma crise cambial mais séria. No plano político, o presidente
Alberto Fernández enfrenta a oposição da vice-presidente Cristina Kirchner, o
que parece um contrassenso, mas é revelador de como se tornou complicado
governar o país.
Um observador otimista diria ser um cenário
desafiador. Para Massa é muito pior. Mas os meios para melhorá-lo foram
expostos de maneira coerente pelo novo ministro, num pronunciamento sob medida
para tranquilizar investidores e a população. A forma de torná-los reais,
porém, não é conhecida.
Há, reconheça-se, sinais positivos. Pouco
antes da posse, o novo ministro da Economia manteve com o FMI uma “reunião
produtiva” (expressão utilizada em nota pela instituição) em que se discutiram
a implementação do programa de ajuste acertado pelo governo Fernández e “a
importância de tratar dos desafios da Argentina”.
Assim, Massa garantiu que buscará a meta de
déficit primário do setor público (sem incluir a conta dos juros) de 2,5% do
PIB em 2022, de 1,9% em 2023 e de 0,9% em 2024. Disse também que não pedirá que
o Banco Central imprima dinheiro para financiar gastos públicos e que procurará
reduzir a enorme diferença entre o câmbio oficial e o paralelo (o primeiro com
o dólar cotado em 139 pesos e o segundo, em 298 pesos) e combaterá a inflação,
“a maior fábrica de pobreza” no país.
Não há como discordar desses objetivos. Mas convém perguntar se e quando eles serão alcançados.
Desleixo com Código Florestal prejudica o
país
O Globo
Relaxamento da fiscalização e descaso dos
estados incentivam desmatamento e punem agronegócio
O Código Florestal, aprovado em maio de
2012, enfrenta momentos difíceis. Parlamentares que temem a derrota do
presidente Jair Bolsonaro tentam aprovar projetos para alterá-lo, por julgá-lo
prejudicial ao agronegócio. Tramitam no Congresso dezenas de propostas com essa
intenção, e seus autores querem colocá-las na pauta nos poucos dias que restam
antes da campanha eleitoral.
Mesmo estando há dez anos em vigor, as
normas do Código Florestal, intensamente debatidas dentro e fora do Congresso
para harmonizar a agropecuária com o meio ambiente, ainda não entraram em vigor
em sua totalidade. Partes da lei avançaram, outras não. O Código ficou com a
aparência de um quebra-cabeça incompleto.
Ele enfrenta dificuldades desde a
promulgação. Entrou em vigor no governo Dilma Rousseff, conhecida por deixar o
meio ambiente em segundo plano. Passou pelo curto mandato de pouco mais de dois
anos de Michel Temer, que consumiu seu tempo ocupado com outros assuntos. Por
fim caiu no colo de um negacionista ambiental, Bolsonaro, no poder desde 2019.
A lei estabelece, a depender do tamanho da
propriedade, Áreas de Proteção Permanente (APPs), em particular nas margens de
rios e nascentes, e a Reserva Legal (RL), uma fração do terreno que deve ser
mantida intacta. As duas modalidades de preservação precisam ser fiscalizadas
por órgãos federais — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) — e pelas secretarias estaduais. É justamente essa
fiscalização que tem faltado nos últimos três anos e meio de governo Bolsonaro.
Cerca de 6,5 milhões de propriedades — ou
98% dos imóveis rurais, num total de 618,8 milhões de hectares (73% da
superfície brasileira) — estão registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Podem até ser localizadas por satélite. Desses 6,5 milhões de propriedades, 52%
declararam passivo ambiental e solicitaram adesão ao Programa de Regularização
Ambiental (PRA) para receber apoio no reflorestamento. Mas apenas 18.700
proprietários aderiram ao programa. O pedido de adesão só foi analisado e
concluído para menos de 0,3% dos 6,5 milhões.
Técnicos ambientalistas responsabilizam
estados por não implementarem seu próprio PRA. Apenas seis criaram o programa:
Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia. Nenhum está em
fase avançada de aplicação. Três — Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe — nem
sequer elaboraram projeto. Os 17 estados restantes têm PRA, mas praticamente
nenhuma adesão de proprietários rurais. Está claro que falta empenho nos entes
federativos para a aplicação do Código.
Se ele fosse cumprido à risca, já haveria
hoje um mercado de Cotas de Reservas Ambientais (CRAs), que podem ser emitidas
para proprietários com áreas de preservação acima do exigido pelo Código. Eles
poderiam negociar o excedente com proprietários rurais com falta de reserva. A
lei prevê esse tipo de compensação, que transforma a preservação ambiental em
ativo financeiro. Essas e outras vantagens da lei já seriam usufruídas, não
faltasse vontade política dos governos para impor seu cumprimento. Por ora, tem
prevalecido a leniência com a ilegalidade que levou o Brasil a quebrar
sucessivos recordes de desmatamento e a se tornar um pária na política
internacional.
Pressa e fraudes recomendam maior
vigilância sobre novos gastos sociais
O Globo
Auxílio Brasil deixará de chegar a 8,3
milhões de necessitados — e criará nova oportunidade para desvios
No momento em que o governo amplia
programas sociais, é hora de perguntar se o dinheiro chega ao destino almejado:
a população carente. Na
PEC Eleitoral, foram reservados R$ 26 bilhões para aumentar de R$ 400
para R$ 600 até dezembro o Auxílio Brasil e zerar a fila de espera do programa,
atingindo 56,4 milhões de brasileiros (um quarto da população). Mas, de acordo
com cálculos dos economistas Alysson Portella e Sergio Firpo, do Insper,
revelados pelo GLOBO, erros no desenho do programa e o cadastro desatualizado
impedirão o auxílio de chegar a 8,3 milhões que necessitam do benefício.
A repetir-se o ocorrido com o Auxílio
Emergencial, pode ser ainda pior: muitos receberão sem necessidade. Uma
auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) no benefício distribuído em
2020 e 2021 a 68,2 milhões encontrou aberrações, como
o pagamento a 135.700 mortos. É grotesco, mas não surpreende. É crônica a
ineficiência do Estado ao implementar políticas sociais. Nem a vinculação de
mais de 90% do Orçamento a gastos específicos, como saúde ou educação, garante
que os recursos cheguem ao destino.
O Brasil continua gastando muito e mal. O
dinheiro do Auxílio Emergencial foi indevidamente destinado a funcionários da
União, entre os quais 58.900 integrantes das Forças Armadas. Até menores de
idade foram beneficiados. Aproveitando a falta de controles e a urgência ditada
pela emergência sanitária, aproximadamente 1,9 milhão de empregados formais
receberam a ajuda de forma irregular. Ao todo, 5,2 milhões se beneficiaram sem
ter direito ao auxílio, ou quase 8% dos beneficiários nos dois anos. Quem
garante que agora será diferente com o
novo Auxílio Brasil — que, ainda por cima, deixará de chegar a 8,3 milhões que
realmente precisam?
É verdade que, dos R$ 9,4 bilhões
distribuídos de maneira indevida, o Ministério da Cidadania informou ter
recuperado, até maio, R$ 7,7 bilhões. Mesmo assim é inaceitável que o governo
distribua dinheiro entre mortos, menores, militares e empregados, depois tenha
de despender esforços e recursos para reduzir o prejuízo.
Não se trata de caso isolado, como
demonstra a análise dos economistas do Insper. É praxe a falta de cuidado com o
dinheiro do contribuinte. A falha no desenho do Auxílio Brasil deriva de
dificuldades conhecidas para avaliar a linha de pobreza, mas desprezadas diante
da pressa ditada pelo calendário eleitoral. No caso do Auxílio Emergencial, foi
ainda mais grave. A CGU chegou aos desvios ao realizar cruzamentos com outras
bases de dados do próprio governo — procedimento lógico que deveria servir de
aprendizado. Nada mudou, ao que tudo indica.
O motivo é óbvio: o presidente Jair
Bolsonaro conta com mais dinheiro no bolso da população de baixa renda, dos
caminhoneiros e taxistas para tentar reduzir sua distância em relação ao
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já é o fim da picada a tentativa
descarada de comprar votos. Pior ainda havendo falhas na distribuição e no
controle do que é pago.
O 5G chegou, agora é hora de enfrentar seus
desafios
Valor Econômico
Só 2% dos municípios têm normas que
permitam ligar o sinal de 5G de maneira fluida, e somente 13 das 27 capitais
estão adequadas
A chegada da quinta geração de telefonia
celular às principais capitais do país reacende a necessidade de avanços em
questões frequentemente colocadas em segundo plano na agenda de gestores
públicos e executivos da iniciativa privada. O primeiro desafio tem a ver com
ajustes necessários em leis municipais de uso e ocupação do solo. As operadoras
afirmam levar entre seis meses e um ano, em média, nas tratativas burocráticas
para liberar a instalação de uma antena. Legislações que regem o assunto
entraram em vigência no fim dos anos 1900 ou no começo dos anos 2000, quando a
telefonia móvel ainda dava seus primeiros passos. Há um descompasso evidente
entre esse arcabouço normativo e a velocidade exigida para a difusão do 5G.
Chama atenção o atraso de prefeituras e
câmaras de vereadores em atualizar as leis. A Conexis (associação das teles)
estima que só 2% dos municípios têm normas que permitam ligar o sinal de 5G de
maneira fluida, e somente 13 das 27 capitais estão adequadas. Como se sabe, o
pleno funcionamento das redes requer dez vezes mais antenas do que a tecnologia
anterior.
O simples número não deve assustar, pois os
novos equipamentos ocupam menos espaço e podem ser implantados em lugares como
semáforos, fachadas de edifícios e postes de energia. Essa imprescindível
desburocratização, no entanto, precisará ser acompanhada de todo cuidado com a
preservação paisagística - um dos aspectos mais negligenciados nas cidades
brasileiras. A estética da urbe já tem sido maltratada demais, inclusive pelos
cabos de telefonia.
Ainda no âmbito das políticas públicas, mas
na esfera da União, outro desafio será fomentar a produção de semicondutores.
Com suas características de ultrarrapidez e baixa latência (tempo entre o
comando e a resposta da rede), o 5G impulsiona o que se convencionou chamar de
“internet das coisas”: utensílios domésticos inteligentes, veículos autônomos,
cirurgias remotas, sensores para a agricultura, impressões 3D.
Na mesma medida em que se redefine o
conceito de hiperconectividade, haverá a necessidade de multiplicar-se a
utilização de chips. O Ministério da Economia projeta que o mercado de
semicondutores, cujas vendas no Brasil hoje estão em cerca de US$ 1 bilhão,
chegará a US$ 5 bilhões em 2026 e poderia ir a US$ 12 bilhões em 2031. As
empresas que fazem o encapsulamento de chips no país - apenas uma das etapas da
cadeia - atendem 10% da demanda local. O país tem a missão de inserir-se
competitivamente nas demais etapas, como a fabricação dos processadores.
Um novo programa de atração de
investimentos no setor está sendo formulado pela equipe econômica. Foi
prometido para junho e até agora não saiu. A demora, tendo em vista a
proximidade das eleições, é o de menos. O que realmente importa é que os
esforços sejam bem direcionados e evitem a repetição de histórias que acabaram
mal, como a planta de semicondutores montada pela metade em Ribeirão das Neves
(MG) e uma estatal no Rio Grande do Sul que é ampliada ou sofre tentativas de
liquidação, conforme o gosto do governo de turno por políticas industriais.
Independentemente do que for a melhor estratégia, sempre algo discutível,
impressiona a descontinuidade.
Por fim, no mundo das empresas, cabe
repensar o papel da cibersegurança. As oportunidades abertas com a economia do
5G são proporcionais aos riscos. Na última pesquisa anual da consultoria PwC
com executivos de todo o mundo, 49% dos CEOs entrevistados em 89 países
apontaram as ameaças cibernéticas como maior fator de incerteza em 2022. Elas
despertam mais preocupação do que questões sanitárias (48%), mudanças
climáticas (33%), conflitos geopolíticos (32%). Ataques hackers e pedidos de
“ransomware” recentes, como o caso da operadora de oleodutos Colonnial
Pipeline, que teve o fornecimento de combustíveis prejudicado para 12 Estados
americanos no ano passado, podem ter sido só uma pequena amostra dos riscos
trazidos pela hiperconectividade, com cidades inteiras funcionando à base de
inteligência artificial e comandos remotos. A proteção contra essas ameaças
poderá doer no bolso de muitas empresas, mas será inevitável.
Já foi dito que o 5G representa um avanço
tecnológico superior às subidas de degrau anteriores na telefonia celular. A
breve lista de desafios mencionados indica que aumentou a complexidade dos
desafios. Sua chegada impõe aos gestores a necessidade de serem - também eles -
rápidos e certeiros nas decisões.
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