segunda-feira, 8 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Sem sinal

Folha de S. Paulo

Estreia do 5G mostra que será preciso cuidado para não acentuar desigualdade no acesso à tecnologia

A estreia da rede 5G, nova geração da telefonia celular, teve impacto reduzido para a maioria dos consumidores. A nova tecnologia promete velocidade até dez vezes superior à oferecida pelo 4G à transmissão de dados, mas essa experiência ainda é muito incomum.

Nas capitais que já têm antenas conectadas à nova rede, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e João Pessoa, a cobertura é parcial e a resposta do sinal se mostrou oscilante nos primeiros dias de operação, na semana passada.

Parte do problema era previsível a esta altura do processo de instalação do sistema. A frequência usada pela rede exige um número maior de antenas, separadas entre si a distâncias menores do que as requeridas pelos sistemas atuais.

Será preciso tempo para instalar os equipamentos que viabilizarão o funcionamento pleno da rede. Estima-se que o 5G demandará dez vezes mais antenas do que as que sustentam as redes mais antigas.

Além disso, ainda são muito poucas as pessoas que carregam no bolso os aparelhos mais modernos, habilitados para se conectar ao sistema e usufruir os benefícios prometidos pela nova tecnologia.

Caberá às autoridades acompanhar com atenção a expansão da cobertura para evitar que o 5G amplie e aprofunde um problema que muitos brasileiros já enfrentam no cotidiano, a desigualdade digital.

Seja por causa da oferta de sinal, do preço dos aparelhos mais sofisticados ou dos pacotes das operadoras, a qualidade dos serviços celulares já varia muito nos centros urbanos, com diferenças entre bairros ricos e pobres, e também entre grandes cidades e o interior do país.

Segundo levantamento do Instituto Locomotiva e do Instituto de Defesa do Consumidor, um quarto da população fica sem acesso à internet por uma semana todo mês —em geral, porque a cota de dados garantida pelos planos dos usuários de renda mais baixa se esgota antes de o mês acabar.

Embora celulares sejam essenciais para a comunicação em áreas mais isoladas, muitas regiões do país ainda são desprovidas de sinal. É esse contexto de disparidades que torna justificada a atenção redobrada com a implantação do 5G.

Como a Folha mostrou, no lançamento da rede em Brasília, o sinal ainda era precário em Taguatinga, cidade satélite da capital federal que se tornou importante centro comercial. Não havia sinal disponível no principal shopping da região.

Em São Paulo, segundo a Anatel, agência reguladora do setor, a área com maior número de antenas no lançamento é também a de maior concentração de edifícios de escritórios, onde trabalham pessoas com maior poder aquisitivo. É de esperar que, com o tempo, essas diferenças sejam corrigidas.

Troca na Argentina

Folha de S. Paulo

Novo ministro da Economia assume com amplos poderes e promessa de medidas duras contra crise

A posse de um novo ministro da Economia na Argentina, o terceiro a exercer a função em um mês, dá uma ideia da gravidade da crise que se instalou na nação vizinha.

No início de julho, a súbita renúncia de Martín Guzmán ao cargo, após ataques da vice-presidente Cristina Kirchner, precipitou uma rápida e acentuada desvalorização do peso em relação ao dólar.

Sua substituta, Silvina Batakis, uma técnica respeitada mas com pouco expressão política, não teve tempo de apresentar um plano para tentar colocar a economia do país em ordem. Caiu após 24 dias no cargo, em meio à crescente insatisfação popular com a inflação, que acumulou variação de espantosos 64% nos últimos 12 meses.

Premidos pela crise, o presidente Alberto Fernández e sua vice promoveram nova mudança de rota, com a criação de um superministério, resultado da fusão das pastas da Economia, do Desenvolvimento Produtivo e da Agricultura e Pesca. Sergio Massa foi escolhido para dirigi-lo.

Presidente da Câmara dos Deputados e com experiência de governo, Massa é figura conhecida da política argentina. Foi chefe de gabinete no governo de Cristina, mas rompeu com ela e, em 2015, concorreu à Presidência prometendo prendê-la por corrupção se fosse eleito. Quatro anos depois, desistiu de uma segunda candidatura presidencial para apoiar Fernández, voltando a se aliar ao kirchnerismo.

Ao tomar posse na quarta-feira (3), Massa apresentou um plano de recuperação econômica com medidas para estabilizar os mercados de câmbio, recompor as reservas do Banco Central, incentivar exportações, compensar perdas salariais e rever gastos sociais.

O pacote coloca o ajuste fiscal no centro da política econômica, num claro aceno aos investidores, mas foi recebido com ceticismo por analistas e bancos internacionais, que duvidam da capacidade que o governo terá de conter a expansão do déficit público.

Politicamente, a ascensão de Massa expõe a fragilidade do presidente, que vive luta fratricida com sua vice. O novo ministro deve atuar como uma espécie de premiê, esvaziando ainda mais o poder e a credibilidade de Fernández.

Já Cristina, além de precisar recorrer ao ex-desafeto, vê-se agora obrigada a apoiar políticas econômicas que sempre criticou, num reconhecimento do fracasso das medidas adotadas até aqui para salvar o governo kirchnerista.

O desvirtuamento da PGR

O Estado de S. Paulo

Atuação de Augusto Aras à frente da PGR tem deixado o País refém das agressões de Bolsonaro. Defender a ordem jurídica e o regime democrático é obrigação da PGR, não uma opção

Este jornal tem sido reiteradamente crítico a algumas condutas de membros do Ministério Público que se tornaram frequentes nos últimos anos: investigações sem objeto preciso que se estendem indefinidamente, uso excessivo e indevido de delações, atuações midiáticas de procuradores e interferências na esfera administrativa. Observa-se amiúde uma compreensão ampliada e distorcida das funções do Ministério Público, como se o papel da instituição fosse refundar a política nacional ou demandasse competências ilimitadas.

Deve-se reconhecer que, não poucas vezes, esses abusos foram tolerados e até mesmo incentivados pelo Judiciário. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF), indo além do que prevê o texto constitucional, entendeu, em 2015, que o Ministério Público tem competência para promover investigação de natureza penal.

O quadro suscita atenção. A Constituição de 1988 previu uma configuração institucional forte e precisa para o Ministério Público, como meio de defesa da ordem jurídica e do regime democrático. No entanto, esse arcabouço constitucional tem sido interpretado como se o Ministério Público tivesse uma autonomia sem limite, sem critério e sem controle – o que é inconstitucional e antirrepublicano.

De forma paradoxal, os problemas da ausência de critério e de controle na atuação do Ministério Público têm sido especialmente notados desde o segundo semestre de 2019, quando Augusto Aras assumiu a chefia da PGR. Sob o pretexto de corrigir uma atuação do Ministério Público fora dos parâmetros institucionais, o procurador-geral da República adotou uma postura oposta, mas também equivocada. Alinhou-se ao Palácio do Planalto, alegando que não cabe ao Ministério Público imiscuir-se em questões políticas.

De fato, não é papel da PGR arbitrar pendências políticas e, muito menos, promover a judicialização de assuntos que, num regime democrático, devem ser decididos pelo Legislativo. No entanto, precisamente porque o Ministério Público não pode fazer política, ele não deve abandonar a defesa da ordem jurídica e do regime democrático para agradar ao presidente da República.

É preciso fazer uma distinção. Uma vez que está muito difundida uma compreensão ampliada e distorcida das funções do Ministério Público – fruto não apenas de uma interpretação extensiva da Constituição de 1988, mas de uma mentalidade tenentista ainda presente em muitos setores da sociedade –, há críticas igualmente ampliadas e distorcidas a respeito da atuação de Augusto Aras à frente da PGR. É impressionante como alguns querem continuar outorgando ao Ministério Público um papel de tutela sobre toda a vida social e política do País, limitando em pleno século 21 o âmbito e a responsabilidade do exercício pessoal da cidadania.

No entanto, por mais que algumas críticas sejam exageradas, salta aos olhos que a PGR de Augusto Aras não tem cumprido o seu papel institucional de defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Argumentações supostamente técnicas têm sido invólucro para gravíssimas omissões que, além de deixarem o País refém de agressões à Constituição e a direitos fundamentais, colocam o presidente da República na condição de acima da lei, como se seu agir fosse completamente impune.

Não haveria a escalada de Jair Bolsonaro contra as eleições se a PGR tivesse defendido o regime democrático, acionando no devido tempo o Judiciário. Para piorar, a PGR tem-se colocado em confronto com o trabalho do Supremo. A recente manifestação da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, no inquérito que apura o vazamento de informações sigilosas da Justiça Eleitoral por parte de Jair Bolsonaro é peça de audácia inédita, com o Ministério Público rejeitando a priori provas que possam ser produzidas contra Jair Bolsonaro.

Eis a consequência de pensar que, numa República, pode haver órgãos estatais sem controle. A população se vê desprovida de uma proteção prevista na Constituição, porque a PGR não presta contas. Faz ou deixa de fazer o que bem entende.

Pela dignidade dos idosos

O Estado de S. Paulo

O papa, ele mesmo enfrentando as agruras da velhice, alerta para o abandono dos idosos; criar políticas públicas para essa população, cada vez maior, é demanda urgente no mundo todo

Aos 85 anos, o papa Francisco tem se dedicado a ressignificar o lugar do velho no imaginário coletivo, revendo conceitos e preconceitos, algo que ele já fazia antes de se tornar a autoridade maior da Igreja Católica. A diferença, agora, é que o avançar da idade, somado às fragilidades físicas decorrentes de uma cirurgia no intestino e a problemas no joelho, tem exposto ao mundo a figura de um papa debilitado fisicamente.

Em recente visita ao Canadá, o pontífice cumpriu grande parte dos compromissos de cadeira de rodas − e disse que terá de diminuir o ritmo de viagens em função da saúde debilitada. A vulnerabilidade física do papa, vis-à-vis sua ênfase ao defender o acolhimento das pessoas idosas em um mundo cuja população mais velha não para de crescer, foi tema de reportagem do New York Times. Para o papa Francisco, os idosos são as “verdadeiras pessoas novas”, considerando que a humanidade nunca viu tamanha expansão da população mais velha. “Nunca tantos quanto agora, nunca com tanto risco de serem descartados”, resumiu ele.

No Canadá, o papa falou abertamente sobre o problema do abandono, defendendo a construção de “um futuro em que os idosos não sejam deixados de lado porque, do ponto de vista ‘prático’, não são mais úteis”. E concluiu: “Um futuro que não seja indiferente à necessidade dos idosos de serem cuidados e ouvidos”. 

O envelhecimento da população é uma realidade mundial que suscita respostas a diversos desafios, começando pela área da saúde e por questões previdenciárias. Mas não só. Em sociedades em que o culto à juventude também é cada vez maior, o aumento da parcela mais velha da população exige um novo olhar para os idosos e suas necessidades. A palavra-chave aqui é dignidade. E isso envolve tanto condições materiais de sobrevivência e acesso aos serviços de saúde quanto atenção e respeito, seja por parte de familiares, de cuidadores e de instituições públicas e privadas.

Projeções demográficas indicam um número cada vez maior de idosos nas próximas décadas. Nos últimos anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem divulgado estimativas de que a população global de 60 anos ou mais vai dobrar até 2050, a maioria vivendo em países de renda baixa ou média. No Brasil, não é diferente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projetou que a partir de 2039 haverá mais brasileiros acima de 65 anos do que crianças na faixa de 0 a 14 anos. 

Criar e implementar políticas públicas que deem conta da multiplicidade de demandas desse aumento exponencial da população mais velha não é desafio para o futuro. Eis uma exigência que já bate à porta de governos no mundo inteiro. Não à toa, a ONU definiu que esta é a Década do Envelhecimento Saudável − um desafio agravado pela pandemia de covid-19 e seus impactos ainda mais devastadores em pacientes idosos. 

No Brasil, o IBGE estima que 10% dos habitantes, o equivalente a 21,6 milhões de pessoas, tinham 65 anos ou mais no ano passado. Para dar a devida dimensão do desafio, vale dizer que esse contingente é mais do que toda a população do Chile. Como o recorte do IBGE considera como idosa a população acima de 65 anos, ao passo que o Estatuto do Idoso adota como referência a idade de 60 anos ou mais, presume-se que a população idosa no Brasil, do ponto de vista legal, seja ainda mais numerosa.

Garantir o bem-estar dos mais velhos, no caso brasileiro, passa pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que requer o engajamento do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e das prefeituras. Atrasos na distribuição de fraldas geriátricas, por exemplo, comprometem a qualidade de vida de quem se beneficia desse tipo de iniciativa. Ainda mais em um país com a desigualdade socioeconômica do Brasil.

Garantir a dignidade da população idosa é dever das atuais e das futuras gerações. Do contrário, não faria sentido todo o esforço empreendido até aqui para tornar possível o aumento da expectativa de vida − o que, em boa hora, deu origem a essa “nova geração” de idosos.

Argentina à espera de um milagre

O Estado de S. Paulo

Novo ministro da Economia promete austeridade, câmbio estável e inflação menor

Se o novo “superministro” da Economia da Argentina, o advogado Sergio Massa, conseguir fazer boa parte do que anunciou logo após tomar posse no cargo no dia 3, não só o prestígio popular fortemente abalado do governo do presidente Alberto Fernández poderá ser recomposto a tempo de enfrentar em melhores condições as eleições marcadas para 2023, mas, sobretudo, a economia do principal parceiro do Brasil no Mercosul retomará o caminho da estabilidade e do crescimento sustentado. Seria bom para milhões de argentinos cujas dificuldades financeiras e sociais se multiplicaram nos últimos anos. E seria bom também para o Brasil, pois a Argentina é um dos destinos mais importantes das exportações do País.

Buscar o ajuste das contas públicas, por meio do cumprimento da meta de déficit primário acertado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), fortalecer as reservas internacionais consumidas pela crise cambial e combater as desigualdades geradas pela inflação são, resumidamente, os eixos da política econômica que Massa colocará em prática.

O fato de Massa ser a terceira pessoa a ocupar o cargo em um mês – Martín Guzmán demitiu-se do cargo no início de julho e sua sucessora, Silvina Batakis, o ocupou por apenas 24 dias – é, mais do que uma curiosidade, um sinal de quanto é difícil exercer a função.

A Argentina enfrenta a maior inflação em muitos anos e já começa a se lembrar perigosamente do período em que, não faz muito tempo, a hiperinflação causou tremendos danos a todos e desorganizou a economia. O governo foi novamente compelido a assinar um acordo de ajuste com o FMI para evitar uma crise cambial mais séria. No plano político, o presidente Alberto Fernández enfrenta a oposição da vice-presidente Cristina Kirchner, o que parece um contrassenso, mas é revelador de como se tornou complicado governar o país.

Um observador otimista diria ser um cenário desafiador. Para Massa é muito pior. Mas os meios para melhorá-lo foram expostos de maneira coerente pelo novo ministro, num pronunciamento sob medida para tranquilizar investidores e a população. A forma de torná-los reais, porém, não é conhecida.

Há, reconheça-se, sinais positivos. Pouco antes da posse, o novo ministro da Economia manteve com o FMI uma “reunião produtiva” (expressão utilizada em nota pela instituição) em que se discutiram a implementação do programa de ajuste acertado pelo governo Fernández e “a importância de tratar dos desafios da Argentina”.

Assim, Massa garantiu que buscará a meta de déficit primário do setor público (sem incluir a conta dos juros) de 2,5% do PIB em 2022, de 1,9% em 2023 e de 0,9% em 2024. Disse também que não pedirá que o Banco Central imprima dinheiro para financiar gastos públicos e que procurará reduzir a enorme diferença entre o câmbio oficial e o paralelo (o primeiro com o dólar cotado em 139 pesos e o segundo, em 298 pesos) e combaterá a inflação, “a maior fábrica de pobreza” no país.

Não há como discordar desses objetivos. Mas convém perguntar se e quando eles serão alcançados.

Desleixo com Código Florestal prejudica o país

O Globo

Relaxamento da fiscalização e descaso dos estados incentivam desmatamento e punem agronegócio

O Código Florestal, aprovado em maio de 2012, enfrenta momentos difíceis. Parlamentares que temem a derrota do presidente Jair Bolsonaro tentam aprovar projetos para alterá-lo, por julgá-lo prejudicial ao agronegócio. Tramitam no Congresso dezenas de propostas com essa intenção, e seus autores querem colocá-las na pauta nos poucos dias que restam antes da campanha eleitoral.

Mesmo estando há dez anos em vigor, as normas do Código Florestal, intensamente debatidas dentro e fora do Congresso para harmonizar a agropecuária com o meio ambiente, ainda não entraram em vigor em sua totalidade. Partes da lei avançaram, outras não. O Código ficou com a aparência de um quebra-cabeça incompleto.

Ele enfrenta dificuldades desde a promulgação. Entrou em vigor no governo Dilma Rousseff, conhecida por deixar o meio ambiente em segundo plano. Passou pelo curto mandato de pouco mais de dois anos de Michel Temer, que consumiu seu tempo ocupado com outros assuntos. Por fim caiu no colo de um negacionista ambiental, Bolsonaro, no poder desde 2019.

A lei estabelece, a depender do tamanho da propriedade, Áreas de Proteção Permanente (APPs), em particular nas margens de rios e nascentes, e a Reserva Legal (RL), uma fração do terreno que deve ser mantida intacta. As duas modalidades de preservação precisam ser fiscalizadas por órgãos federais — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — e pelas secretarias estaduais. É justamente essa fiscalização que tem faltado nos últimos três anos e meio de governo Bolsonaro.

Cerca de 6,5 milhões de propriedades — ou 98% dos imóveis rurais, num total de 618,8 milhões de hectares (73% da superfície brasileira) — estão registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Podem até ser localizadas por satélite. Desses 6,5 milhões de propriedades, 52% declararam passivo ambiental e solicitaram adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) para receber apoio no reflorestamento. Mas apenas 18.700 proprietários aderiram ao programa. O pedido de adesão só foi analisado e concluído para menos de 0,3% dos 6,5 milhões.

Técnicos ambientalistas responsabilizam estados por não implementarem seu próprio PRA. Apenas seis criaram o programa: Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia. Nenhum está em fase avançada de aplicação. Três — Alagoas, Rio Grande do Norte e Sergipe — nem sequer elaboraram projeto. Os 17 estados restantes têm PRA, mas praticamente nenhuma adesão de proprietários rurais. Está claro que falta empenho nos entes federativos para a aplicação do Código.

Se ele fosse cumprido à risca, já haveria hoje um mercado de Cotas de Reservas Ambientais (CRAs), que podem ser emitidas para proprietários com áreas de preservação acima do exigido pelo Código. Eles poderiam negociar o excedente com proprietários rurais com falta de reserva. A lei prevê esse tipo de compensação, que transforma a preservação ambiental em ativo financeiro. Essas e outras vantagens da lei já seriam usufruídas, não faltasse vontade política dos governos para impor seu cumprimento. Por ora, tem prevalecido a leniência com a ilegalidade que levou o Brasil a quebrar sucessivos recordes de desmatamento e a se tornar um pária na política internacional.

Pressa e fraudes recomendam maior vigilância sobre novos gastos sociais

O Globo

Auxílio Brasil deixará de chegar a 8,3 milhões de necessitados — e criará nova oportunidade para desvios

No momento em que o governo amplia programas sociais, é hora de perguntar se o dinheiro chega ao destino almejado: a população carente. Na PEC Eleitoral, foram reservados R$ 26 bilhões para aumentar de R$ 400 para R$ 600 até dezembro o Auxílio Brasil e zerar a fila de espera do programa, atingindo 56,4 milhões de brasileiros (um quarto da população). Mas, de acordo com cálculos dos economistas Alysson Portella e Sergio Firpo, do Insper, revelados pelo GLOBO, erros no desenho do programa e o cadastro desatualizado impedirão o auxílio de chegar a 8,3 milhões que necessitam do benefício.

A repetir-se o ocorrido com o Auxílio Emergencial, pode ser ainda pior: muitos receberão sem necessidade. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) no benefício distribuído em 2020 e 2021 a 68,2 milhões encontrou aberrações, como o pagamento a 135.700 mortos. É grotesco, mas não surpreende. É crônica a ineficiência do Estado ao implementar políticas sociais. Nem a vinculação de mais de 90% do Orçamento a gastos específicos, como saúde ou educação, garante que os recursos cheguem ao destino.

O Brasil continua gastando muito e mal. O dinheiro do Auxílio Emergencial foi indevidamente destinado a funcionários da União, entre os quais 58.900 integrantes das Forças Armadas. Até menores de idade foram beneficiados. Aproveitando a falta de controles e a urgência ditada pela emergência sanitária, aproximadamente 1,9 milhão de empregados formais receberam a ajuda de forma irregular. Ao todo, 5,2 milhões se beneficiaram sem ter direito ao auxílio, ou quase 8% dos beneficiários nos dois anos. Quem garante que agora será diferente com o novo Auxílio Brasil — que, ainda por cima, deixará de chegar a 8,3 milhões que realmente precisam?

É verdade que, dos R$ 9,4 bilhões distribuídos de maneira indevida, o Ministério da Cidadania informou ter recuperado, até maio, R$ 7,7 bilhões. Mesmo assim é inaceitável que o governo distribua dinheiro entre mortos, menores, militares e empregados, depois tenha de despender esforços e recursos para reduzir o prejuízo.

Não se trata de caso isolado, como demonstra a análise dos economistas do Insper. É praxe a falta de cuidado com o dinheiro do contribuinte. A falha no desenho do Auxílio Brasil deriva de dificuldades conhecidas para avaliar a linha de pobreza, mas desprezadas diante da pressa ditada pelo calendário eleitoral. No caso do Auxílio Emergencial, foi ainda mais grave. A CGU chegou aos desvios ao realizar cruzamentos com outras bases de dados do próprio governo — procedimento lógico que deveria servir de aprendizado. Nada mudou, ao que tudo indica.

O motivo é óbvio: o presidente Jair Bolsonaro conta com mais dinheiro no bolso da população de baixa renda, dos caminhoneiros e taxistas para tentar reduzir sua distância em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já é o fim da picada a tentativa descarada de comprar votos. Pior ainda havendo falhas na distribuição e no controle do que é pago.

O 5G chegou, agora é hora de enfrentar seus desafios

Valor Econômico

Só 2% dos municípios têm normas que permitam ligar o sinal de 5G de maneira fluida, e somente 13 das 27 capitais estão adequadas

A chegada da quinta geração de telefonia celular às principais capitais do país reacende a necessidade de avanços em questões frequentemente colocadas em segundo plano na agenda de gestores públicos e executivos da iniciativa privada. O primeiro desafio tem a ver com ajustes necessários em leis municipais de uso e ocupação do solo. As operadoras afirmam levar entre seis meses e um ano, em média, nas tratativas burocráticas para liberar a instalação de uma antena. Legislações que regem o assunto entraram em vigência no fim dos anos 1900 ou no começo dos anos 2000, quando a telefonia móvel ainda dava seus primeiros passos. Há um descompasso evidente entre esse arcabouço normativo e a velocidade exigida para a difusão do 5G.

Chama atenção o atraso de prefeituras e câmaras de vereadores em atualizar as leis. A Conexis (associação das teles) estima que só 2% dos municípios têm normas que permitam ligar o sinal de 5G de maneira fluida, e somente 13 das 27 capitais estão adequadas. Como se sabe, o pleno funcionamento das redes requer dez vezes mais antenas do que a tecnologia anterior.

O simples número não deve assustar, pois os novos equipamentos ocupam menos espaço e podem ser implantados em lugares como semáforos, fachadas de edifícios e postes de energia. Essa imprescindível desburocratização, no entanto, precisará ser acompanhada de todo cuidado com a preservação paisagística - um dos aspectos mais negligenciados nas cidades brasileiras. A estética da urbe já tem sido maltratada demais, inclusive pelos cabos de telefonia.

Ainda no âmbito das políticas públicas, mas na esfera da União, outro desafio será fomentar a produção de semicondutores. Com suas características de ultrarrapidez e baixa latência (tempo entre o comando e a resposta da rede), o 5G impulsiona o que se convencionou chamar de “internet das coisas”: utensílios domésticos inteligentes, veículos autônomos, cirurgias remotas, sensores para a agricultura, impressões 3D.

Na mesma medida em que se redefine o conceito de hiperconectividade, haverá a necessidade de multiplicar-se a utilização de chips. O Ministério da Economia projeta que o mercado de semicondutores, cujas vendas no Brasil hoje estão em cerca de US$ 1 bilhão, chegará a US$ 5 bilhões em 2026 e poderia ir a US$ 12 bilhões em 2031. As empresas que fazem o encapsulamento de chips no país - apenas uma das etapas da cadeia - atendem 10% da demanda local. O país tem a missão de inserir-se competitivamente nas demais etapas, como a fabricação dos processadores.

Um novo programa de atração de investimentos no setor está sendo formulado pela equipe econômica. Foi prometido para junho e até agora não saiu. A demora, tendo em vista a proximidade das eleições, é o de menos. O que realmente importa é que os esforços sejam bem direcionados e evitem a repetição de histórias que acabaram mal, como a planta de semicondutores montada pela metade em Ribeirão das Neves (MG) e uma estatal no Rio Grande do Sul que é ampliada ou sofre tentativas de liquidação, conforme o gosto do governo de turno por políticas industriais. Independentemente do que for a melhor estratégia, sempre algo discutível, impressiona a descontinuidade.

Por fim, no mundo das empresas, cabe repensar o papel da cibersegurança. As oportunidades abertas com a economia do 5G são proporcionais aos riscos. Na última pesquisa anual da consultoria PwC com executivos de todo o mundo, 49% dos CEOs entrevistados em 89 países apontaram as ameaças cibernéticas como maior fator de incerteza em 2022. Elas despertam mais preocupação do que questões sanitárias (48%), mudanças climáticas (33%), conflitos geopolíticos (32%). Ataques hackers e pedidos de “ransomware” recentes, como o caso da operadora de oleodutos Colonnial Pipeline, que teve o fornecimento de combustíveis prejudicado para 12 Estados americanos no ano passado, podem ter sido só uma pequena amostra dos riscos trazidos pela hiperconectividade, com cidades inteiras funcionando à base de inteligência artificial e comandos remotos. A proteção contra essas ameaças poderá doer no bolso de muitas empresas, mas será inevitável.

Já foi dito que o 5G representa um avanço tecnológico superior às subidas de degrau anteriores na telefonia celular. A breve lista de desafios mencionados indica que aumentou a complexidade dos desafios. Sua chegada impõe aos gestores a necessidade de serem - também eles - rápidos e certeiros nas decisões.

 

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