quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Ficou difícil para Bolsonaro explorar ponto fraco de Lula

O Globo

Denúncia de uso da Abin para blindar filho e transações com dinheiro vivo desgastam discurso contra corrupção

Passadas duas semanas do início da campanha eleitoral, já ficou clara a dificuldade do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, para explicar o inexplicável: a roubalheira na Petrobras durante os anos em que o partido esteve no poder. Na entrevista ao Jornal Nacional na semana passada, para escapar das perguntas disparadas pelos jornalistas, Lula ensaiou piruetas retóricas de cinema. No debate da Band, confrontado pelo presidente em busca de reeleição, Jair Bolsonaro (PL), foi ainda menos convincente, ao repetir a estratégia de ler num papel uma lista de leis e instituições anticorrupção criadas pelo PT — como se isso justificasse os desvios bilionários.

Não é surpresa que Bolsonaro tenha escolhido esse tema para atacar o líder nas pesquisas. Mas essa estratégia esbarra numa limitação óbvia: os eleitores estão cientes dos inúmeros rolos envolvendo o clã Bolsonaro. Para complicar a situação, o noticiário desta semana foi pródigo em novas denúncias contra o presidente e sua família.

De acordo com reportagem do GLOBO, a Polícia Federal (PF) afirmou em relatório que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) interferiu numa investigação envolvendo Jair Renan Bolsonaro, o filho Zero Quatro do presidente.

Um agente da Abin admitiu em depoimento à PF, depois de flagrado numa operação, ter recebido a missão de levantar informações sobre o caso. Jair Renan e seu preparador físico passaram a ser investigados por intermediar, com a ajuda do Palácio do Planalto, uma reunião entre um empresário do Espírito Santo e o então ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Em troca, são acusados de ter recebido do empresário um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil. Depois da intervenção da Abin, o carro acabou sendo devolvido.

Outra reportagem, publicada pelo portal UOL, mostrou que, desde sua entrada na política no início de 1990, o patrimônio de Bolsonaro e de sua família multiplicou-se de modo incomum. Desde 1999, integrantes do clã — mulher, filhos e irmãos — participaram de 107 transações imobiliárias (eram donos de 12 imóveis valendo R$ 1,9 milhão em valores atualizados; hoje têm 56 valendo R$ 26 milhões). Em quase metade desses negócios foi usado dinheiro em espécie como forma de pagamento, prática cuja justificativa mais comum é a lavagem de dinheiro. “Qual é o problema?”, tentou se defender Bolsonaro.

Desde 2018, Flávio e Carlos Bolsonaro, além de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do presidente e mãe de Jair Renan, são alvos de investigação por suspeita de apropriação de parte do salário de funcionários de gabinetes parlamentares, as famosas “rachadinhas”. Parte das provas foi anulada, mas a apuração segue adiante.

Na atual administração há indícios eloquentes de corrupção à espera de apuração. Pastores são acusados de pedir propina para auxiliar a liberação de recursos no MEC. Obras contratadas com verba do orçamento secreto acabaram, estranhamente, nas mãos de empresários sem experiência no ramo. Não é à toa que Bolsonaro tenha tanta dificuldade para explorar o ponto fraco de seu principal adversário na campanha eleitoral deste ano.

Gorbachev é figura central para entender História do século XX

O Globo

Seria um erro julgá-lo culpado pela deterioração da Rússia que levou à ascensão do populismo de Putin

É impossível contar a História do século XX sem mencionar Mikhail Gorbachev, responsável por derrubar a Cortina de Ferro e acabar com a Guerra Fria. Ele jamais deixou de acreditar ser possível conciliar os ideais socialistas e um regime aberto e democrático — utopia que, como tantas outras, fracassou, abrindo caminho à posterior submissão do Estado russo a interesses privados, à deterioração do poderio nacional e à ascensão do populismo autoritário de Vladimir Putin. Mas é um erro julgá-lo culpado disso tudo.

Ao assumir o poder, em 1985, o objetivo de Gorbachev com a perestroika (reestruturação econômica) e a glasnost (abertura política) evidentemente não era acabar com o próprio país, a União Soviética. Queria terminar o serviço que Nikita Kruschev começara no 20º Congresso do Partido Comunista Soviético, em 1956, ao denunciar os crimes de Josef Stálin. E precisava resgatar a economia soviética da paralisia a que fora lançada pela estrutura fossilizada de um regime mais preocupado com ogivas nucleares do que com as condições de vida da população, em contraste com a propaganda oficial. “Não podemos continuar a viver assim”, disse na ocasião.

Ex-camponês de trato simples e orador talentoso, Gorbachev soube costurar as alianças necessárias para reorientar a política externa, sobretudo com o americano Ronald Reagan, com quem assinou acordos históricos de desarmamento. Internamente, concedeu liberdade religiosa, tirou dissidentes da cadeia, permitiu a publicação de obras antes censuradas e promoveu eleições democráticas para governos locais. O resultado de tudo isso foi o oposto do que ele previa — a começar pela resistência às mudanças.

Sem a difusão completa da propriedade privada e a criação de instituições estáveis para zelar pelo cumprimento de leis e contratos, a perestroika ficou no meio do caminho, e a economia não decolou como esperado. Ao mesmo tempo, a glasnost trazia para dentro dos lares soviéticos produtos e imagens de um Ocidente idealizado. A insatisfação popular deu combustível para a velha guarda comunista, que tentou derrubar Gorbachev sem sucesso num golpe militar. No final, ele se viu forçado a entregar o poder, extinguindo na prática a associação de países que formava a União Soviética.

Na Rússia, passou a ser visto como responsável pelo declínio da outrora superpotência e fracassou numa tentativa de voltar à política em 1996. Na China, tornou-se um anátema para os líderes que, desde o Massacre da Paz Celestial em 1989, deixaram claro que a modernização econômica não seria seguida de abertura política.

Gorbachev não enriqueceu no poder. Depois, viveu do próprio trabalho com palestras e como garoto-propaganda. Usava o dinheiro que ganhava — inclusive o Prêmio Nobel de 1990 — para financiar a fundação que estudava projetos de reforma política e econômica. Lembrado pela perestroika e pela glasnost, trouxe para o léxico russo palavras como “consenso” e “pluralismo” — valores que sempre defendeu e hoje fazem falta não apenas na Rússia.

Estadista Gorbatchov

Folha de S. Paulo

Último líder fracassou em salvar a URSS e ajudou a tornar o mundo mais livre

Mikhail Sergueiévitch Gorbatchov, morto aos 91 anos, foi personagem central do século 20. Numa versão romantizada, Gorbatchov, que ascendeu ao cargo máximo do Partido Comunista da União Soviética em 1985, foi o homem que encerrou a Guerra Fria e fez com que os cidadãos da URSS respirassem ares um pouco mais democráticos.

Também pôs fim à intervenção soviética no Afeganistão e permitiu que os países do Leste Europeu se livrassem de seus ditadores sem derramamento de sangue. Floreada mas não falsificada, essa era a visão do líder soviético preponderante nos países ocidentais.

Domesticamente, a avaliação era mais lúgubre. Gorbatchov era apontado como o responsável pela implosão da União Soviética, "a maior catástrofe geopolítica" do século passado, nas palavras de Vladimir Putin, e por ter lançado seus habitantes numa grande crise econômica e social da qual levariam vários anos para se recuperar.

De novo, essa descrição pode ser qualificada como ideologizada, mas não contrária aos fatos.

Numa narrativa mais equilibrada, Gorbatchov pode ser pintado como o homem que se deu a missão de salvar o regime e fracassou. Isso não o impediu de ter sido decisivo para tornar o mundo um lugar menos belicoso e mais livre.

O problema de base era a economia. Gorbatchov observou que a URSS estava ficando para trás em relação ao Ocidente. A produtividade era péssima em diversos setores e o país também estava perdendo a corrida tecnológica.

Embora os soviéticos ainda conseguissem manter-se na ponta da produção de artefatos nucleares, isso estava ficando cada vez mais difícil, já que não iam bem em ciência da computação, por exemplo.

Gorbatchov pretendia reformar o sistema por dentro, preservando o poder para o PCUS. As palavras-chave de seu projeto eram "glasnost" (transparência, que seria uma reforma política limitada) e "perestroika" (reestruturação, a modernização da economia).

Não deu certo. A "perestroika" não salvou a economia, mas a "glasnost" despertou os fantasmas nacionalistas que destruiriam a URSS.

Após fracassada tentativa de golpe militar, Gorbatchov viu o poder ser tragado por líderes locais como o russo Boris Ieltsin e o cazaque Nursultan Nazarbaiev, que deixou a Presidência do Cazaquistão em 2019. Em 1991, a URSS se dissolveu e Gorbatchov ficou sem emprego.

O Ocidente também fracassou. Não aproveitou a janela democrática aberta após a dissolução do gigante comunista para transformar a Rússia numa parceira institucional e economicamente próspera, abrindo espaço para a volta do autoritarismo sob Putin.

Quem não fracassou foram os chineses, que aprenderam com o caso soviético e tiveram sucesso onde Gorbatchov falhou. A economia chinesa é das mais dinâmicas do mundo, e o poder está concentrado no Partido Comunista.

Influência letal

Folha de S. Paulo

Constata-se que pregação abjeta de Bolsonaro contra vacina encontrou algum eco

À diferença do que se vê em países onde movimentos antivacina têm raízes históricas mais antigas, como em parte dos EUA, mostra-se incipiente a resistência ao imunizante contra a Covid-19 no Brasil.

Aqui, 170,1 milhões de pessoas —79,18% da população— completaram a vacinação, segundo o consórcio de veículos de imprensa a partir de informações das secretarias estaduais de Saúde.

A despeito da se tratar de uma minoria, é possível notar recortes demográficos entre os mais refratários à imunização no país —brancos, mais ricos e bolsonaristas.

Segundo pesquisa realizada pelo Sou Ciência (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência), da Unifesp, com 1.200 pessoas de todas as regiões, 41% dos mais ricos (renda superior a seis salários mínimos) afirmam ter recebido apenas uma ou nenhuma dose da vacina. Na população em geral, esse número cai para 21%.

Acima da média geral também estão, de acordo com o estudo, os que têm ensino superior completo (32%), os que se declaram brancos e os homens entrevistados (29% nos dois casos). Percebe-se aqui uma evidente sobreposição entre os grupos que mais apoiam Jair Bolsonaro (PL), ele próprio um dos expoentes antivacina no país.

Entre os eleitores do presidente, 63% afirmaram ter tomado duas, três ou mais doses, ante 90% entre os dispostos a votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Dos que consideram o governo ótimo ou bom e foram infectados pelo coronavírus, 9% recorreram ao famigerado e ineficaz kit Covid propagandeado pelo bolsonarismo. No contingente que considera a gestão ruim ou péssima, a proporção não passa de 0,2%.

A discrepância também ocorre de acordo com a religião. Entre evangélicos que contraíram a doença, 7% usaram o kit; católicos, 1%.

A cultura de vacinação e a ampla cobertura propiciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) podem ajudar a explicar a relativamente baixa resistência ao imunizante na sociedade brasileira. Ainda assim, notou-se queda recente na adesão.

Constata-se, infelizmente, que a desinformação e o mau exemplo do presidente da República encontraram algum eco no país —ao custo de bem-estar e de vidas.

Devagar com o andor

O Estado de S. Paulo

Só será possível avaliar se Alexandre de Moraes extrapolou os limites da lei no caso dos empresários bolsonaristas quando for levantado o sigilo do processo, não só das recentes decisões

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ordenou a quebra do sigilo bancário e o bloqueio das redes sociais de oito empresários bolsonaristas, suspeitos de articular um movimento golpista, a partir do pedido de um senador que integra a campanha presidencial do petista Lula da Silva, e não da Polícia Federal (PF). Desde que tomou as medidas contra os empresários, há alguns dias, o ministro vem sendo duramente criticado, sob o argumento de que teria extrapolado os limites legais; agora, quando vem à tona a informação de que Alexandre de Moraes foi além do que havia pedido a PF, os bolsonaristas dizem que se trata da prova definitiva de que a intenção do ministro é prejudicar a candidatura à reeleição do presidente.

Em primeiro lugar, nessa revolta contra a decisão do STF, chama a atenção a disparidade de critérios para avaliar os atos da Justiça. Durante anos, o País assistiu a decisões judiciais muito mais arbitrárias e coercitivas no âmbito da Lava Jato, e tudo foi encarado como normal, proporcional e merecedor de aplausos. Pessoas foram presas com base em meras citações de delações – em muitos casos, não havia sequer mensagem de WhatsApp indicando o mínimo envolvimento da pessoa nos fatos investigados –, mas isso não foi visto como um problema. Afinal, como diziam alguns procuradores, o País estava sendo passado a limpo e era preciso que a Justiça atuasse com extremo rigor.

Por diversas vezes, um grampo telefônico parcial, a gravação de uma conversa divulgada fora de contexto ou mesmo uma interpretação sobre o que tal pessoa teria dito foram utilizados não apenas para quebrar os sigilos fiscal e bancário ou para constranger autoridades com vazamentos seletivos, mas como pretexto para apresentar denúncias inteiramente ineptas. No entanto, nada disso suscitou a comoção que agora se vê em relação às medidas contra os oito empresários bolsonaristas. Essa disparidade de tratamento revela uma estranha compreensão do que significa a igualdade de todos perante a lei. É preciso enfatizar que, seja qual for a cor ideológica, políticos, empresários e todos os outros cidadãos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres.

Dito isso, não é prudente afirmar categoricamente que o ministro Alexandre de Moraes atuou fora dos limites legais. Não se sabe, por exemplo, que elementos motivaram o ministro a ordenar medidas além das que haviam sido pedidas pela PF. Isso só ficará claro quando o sigilo imposto aos processos em questão for levantado. 

Não é suficiente dar publicidade apenas à decisão que gerou a atual controvérsia, como fez o ministro Alexandre de Moraes, como se isso bastasse para demonstrar o amparo legal. É preciso que haja plena publicidade de toda a investigação para avaliar o acerto ou desacerto das medidas e também sobre a competência do Supremo num caso que envolve empresários, isto é, cidadãos que em tese devem ser julgados na primeira instância. Ao manter o sigilo – que pode ser justificado, mas deve ser excepcional –, o Supremo espera que o Brasil lhe dê um voto de confiança, o que muitos parecem pouco dispostos a fazer.

Mais do que avaliações peremptórias – próprias do simplismo das redes sociais –, é preciso reafirmar os princípios fundamentais do devido processo legal. Aqui, repetimos o que estamos dizendo, neste espaço, desde março de 2019, quando foi aberto um inquérito criminal para apurar fake news e ameaças contra o STF: a regra é a publicidade dos atos investigativos e judiciais. É preciso limitar ao máximo os casos de sigilo, preservando-os para as situações estritamente necessárias.

Nos tempos atuais, é necessário recordar o óbvio: respeitando os limites da lei, o Estado tem o dever de investigar indícios de crimes. E, a princípio, tal atividade não representa, em si mesma, nenhuma violação das liberdades e garantias fundamentais. Entre os requisitos da lei que precisam ser respeitados, estão a competência jurisdicional e a função própria do magistrado na fase investigativa. As nulidades produzidas pela Lava Jato são um poderoso alerta. Não há defesa da lei ou da democracia fora do devido processo legal. E isso vale para todos. 

Renda maior e desemprego menor

O Estado de S. Paulo

A acentuada melhora do mercado de trabalho se soma a outros sinais positivos, como a recuperação da renda, mas o crescimento contínuo é incerto e projeções para 2023 são ruins

A vida está melhorando para os brasileiros. Esta é, certamente, uma grande notícia para todos. A inflação, que até há poucos meses comprimia cada vez mais os orçamentos das famílias, está cedendo. A atividade econômica recupera-se, ainda que em velocidades muito baixas. E o mercado de trabalho, que não faz muito era a síntese do drama social gerado pela pandemia, apresenta sinais de melhora, tanto na geração de empregos como na recuperação da renda real dos trabalhadores.

São muitos os dados que mostram a melhora contínua do mercado de trabalho. A taxa de desocupação ficou em 9,1% no trimestre móvel de maio a julho de 2022, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Essa taxa é 1,4 ponto porcentual menor do que a observada no trimestre de fevereiro a abril, o que mostra a intensidade da queda. É também 4,6 pontos menor do que a de um ano antes e 5,8 pontos inferior ao pico de 14,9% registrado no primeiro trimestre do ano passado.

A população desocupada, de 9,9 milhões de pessoas, caiu para o menor nível desde o trimestre encerrado em janeiro de 2016. Na comparação com o trimestre anterior, a redução foi de 12,9% (menos 1,5 milhão de pessoas desocupadas); em um ano, a queda foi de 31,4% (menos 4,5 milhões). O contingente de pessoas ocupadas, de 98,7 milhões, é o maior de toda a séria da Pnad Contínua, iniciada em 2012. São mais 8 milhões de pessoas em relação ao contingente ocupado um ano antes.

Outros indicadores também estão melhorando. A taxa composta de subutilização, de 20,9%, é a menor desde o trimestre encerrado em junho de 2016 e nada menos do que 7 pontos porcentuais inferior à de um ano atrás. Diminuíram proporcionalmente a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas e a população desalentada. O número de empregados sem carteira assinada, porém, alcançou 13,1 milhões de pessoas, o maior da história. Em um ano, esse contingente recebeu mais 3,3 milhões de trabalhadores.

Quanto à renda real habitual, embora 2,9% menor do que a de um ano, é também 2,9% maior do que a do trimestre anterior. Na comparação com o período imediatamente anterior, a renda real registra crescimento desde o início do ano.

Com a proximidade das eleições, a melhora do cenário econômico e social decerto animará a campanha do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição que, como mostram diferentes pesquisas de preferência eleitoral, tem suas pretensões eleitorais ameaçadas. O governo federal pouco fez de maneira efetiva para permitir que o País enfrentasse os impactos da pandemia com maior eficiência e menos perdas, e por vezes até piorou o quadro, mas vem apresentando esse novo cenário como sua vitória. A economia “está bombando”, garantiu há pouco o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Há, de fato, melhoras visíveis, mas o quadro está longe do cenário de maravilhas desenhado por Guedes. As projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para este ano estão sendo revistas para cima por instituições financeiras privadas há algum tempo. Mas, mesmo na melhor dessas projeções, não passa muito de 2%, um desempenho fraco, que repete o crescimento que o País vem apresentando há anos. Para o ano que vem, as projeções são de forte redução do crescimento, para algo em torno de 0,5%.

O registro de deflação em dois meses consecutivos contribui para a recuperação da renda real. Mas a queda média dos preços, em razão da redução dos preços dos combustíveis e da energia elétrica, não deve se repetir nos próximos meses. E o preço da comida continua a subir. A melhora das projeções para o crescimento neste ano pode estar chegando ao fim, pois a atividade tende a se desacelerar nos próximos meses, daí as projeções bastante modestas para 2023. As altas da taxa básica de juro são uma das causas para essa desaceleração. A elas se junta o cenário mundial, marcado por alta da inflação e desaceleração da atividade nos países desenvolvidos. 

Gorbachev ainda é necessário

O Estado de S. Paulo

O último líder soviético ajudou a acabar com a guerra fria; agora que Putin a está recriando, seu legado é crucial

“Gorbachev é difícil de entender”, disse a um biógrafo, referindo-se a si na terceira pessoa, o último líder do império soviético, falecido há alguns dias, aos 91 anos. Ele se dizia “um produto” daquele sistema e o seu “antiproduto”. “Como”, perguntava-se outro biógrafo, “um país não inteiramente normal acabou com um líder com reflexos morais normais e bom senso?”

Mikhail Gorbachev “foi um líder soviético paradoxal, no momento em que o mundo precisava de um”, disse o Wall Street Journal. Ele quis revigorar a União Soviética, mas acelerou a sua morte. Promoveu a abertura econômica (perestroika) e política (glasnost), não para emular as democracias capitalistas, mas concorrer com elas – já aposentado, disse que Stalin não era um verdadeiro comunista, “eu era”. Ele foi, nas palavras do estudioso Dmitry Furman, “o único político na história russa que, tendo plenos poderes em mãos, voluntariamente optou por limitá-los, arriscando-se mesmo a perdê-los, em nome de valores morais”.

Esses paradoxos estão na raiz das divergências sobre seu legado. Muitos no Ocidente o veem como o maior estadista da segunda metade do século 20; outros, como um fraco incapaz de usar a força quando a força era necessária para preservar o socialismo democrático que estava criando. Na Rússia ele tem admiradores, mas é amplamente recriminado pelas elites no poder como responsável pelo colapso da União Soviética e a debacle econômica que se seguiu.

Ao menos em um aspecto de sua trajetória não houve paradoxo: ele queria encerrar a guerra fria sem violência, e encerrou a guerra fria sem violência. No resto, Gorbachev mudou o seu país e o mundo, mas não como ele queria. Ele não venceu, perdeu. Mas perdeu com dignidade, e essa foi a sua maior vitória. 

Hoje, é impossível não especular como teria sido a vitória que ele buscou. Ele sonhou com uma nova ordem mundial, baseada na renúncia da força, em que as divisões entre Ocidente e Oriente desaparecessem. Ele queria que a Otan se tornasse uma instituição política e fosse substituída por uma nova arquitetura de segurança pan-europeia; estava pronto a abandonar o domínio do Leste Europeu; deu os primeiros passos para o desarmamento nuclear; trouxe liberdade de expressão e introduziu instituições parlamentares, acreditando que o socialismo não seria digno de seu nome a menos que fosse democrático.

Mas o Ocidente insistiu em preservar e expandir a Otan; o controle do armamento nuclear nunca esteve tão periclitante desde então; e o sucessor de Gorbachev, Vladimir Putin, está transformando seu país em um Estado fascista, excitando o nacionalismo e a militarismo para restaurar a Grande Rússia.

Certa vez, Gorbachev disse a um jornalista que quando lançou suas reformas não o fez pela sua geração, ou a de seus filhos, mas a de seus netos. “Um dia a Rússia talvez retome sua marcha rumo à democracia, e o mundo talvez encontre o seu caminho além da guerra fria”, disse seu biógrafo William Taubman. “Se e quando isso acontecer, Gorbachev merecerá ser louvado como o líder que estava presente na criação.” 

Europa se aproxima da recessão com crise de energia e inflação

Valor Econômico

BCE terá de se apressar no aperto monetário com a economia desacelerando no segundo semestre

A recessão se aproxima da zona do euro, após uma combinação explosiva de fatores negativos - a perspectiva de drástica redução no fornecimento de energia e a maior inflação desde a criação da moeda única. Os principais bancos centrais do mundo vão continuar a elevar os juros, reduzindo as atividades econômicas, mas o bloco do euro é o candidato mais forte à retração, pois enfrenta agora um choque estrutural de oferta, após a Rússia invadir a Ucrânia e, diante das sanções, usar seu fornecimento de gás, do qual a Europa Ocidental é dependente, como arma política.

Ontem a inflação no bloco monetário bateu novo recorde, atingindo 9,1%, com os preços da alimentação e bebidas alcançando pela primeira vez desde 1999 os dois dígitos (10,5%). O núcleo da inflação, que exclui energia e alimentos, subiu de 4% para 4,3%, o que indica disseminação das altas. Investidores e analistas acham que a pressão inflacionária vai piorar e chegar aos 10% ou mais até o fim do ano.

A guerra na Ucrânia fez os preços de commodities agrícolas dispararem, ampliando as pressões inflacionárias, mas o fator determinante para sua difusão, persistência e magnitude é o choque de energia. Os preços subiram muito, recentemente, e recuaram um pouco, mas a proximidade do inverno e a redução contínua do fornecimento do gás russo colocam limite para a baixa das cotações, e quase nenhum para a alta. Na sexta-feira, o preço da energia foi de € 340 por megawatt/hora, ou US$ 550 por barril de petróleo equivalente, uma explosão de custos muito superior à vivida pelo continente europeu durante as duas crises de petróleo dos anos 70 e 80 (FT, ontem).

A energia subiu 38,3% até agosto. Os países europeus conseguiram, com outros fornecedores, especialmente os Estados Unidos, recompor 80% dos estoques necessários para enfrentar o inverno. Mas, em um prenúncio do que está por vir, a Rússia anunciou ontem uma parada total do fluxo pelo gasoduto Nord Stream 1, o principal, por 3 dias. O abastecimento de gás russo tornou-se absolutamente inseguro e não estará disponível quando os europeus mais precisarem dele.

 

O Banco Central Europeu está diante de difíceis problemas. Um deles é que o preço da energia influi em todos os demais da economia, e a política monetária não tem meios para reverter seus efeitos, decorrentes de disputas geopolíticas que podem se tornar permanentes. O outro é que a inflação está alta demais, mesmo em relação aos EUA (8,5%) e o BCE mal iniciou seu aperto monetário. No fim de julho, fez seu primeiro aumento de juros desde 2011, de 0,5 ponto percentual, levando-os a 0 por cento. As injeções de liquidez para apoiar a economia após a pandemia mal terminaram e ainda há programas de apoio monetário em curso.

Assim, o BCE terá de se apressar no aperto monetário com a economia desacelerando no segundo semestre e rumando para uma recessão moderada, se tudo sair como está previsto. A força inflacionária impedirá que o banco adote uma instância suave diante dos sinais de fraqueza da economia, como recomenda o manual. No segundo trimestre, o PIB da zona do euro cresceu 0,7%, ou 3,9% em 12 meses, mas esse provavelmente foi o melhor resultado do ano.

Os sinais duros vindos do Fed americano, mais avançado no ciclo de alta de juros (de 2,25% a 2,5%), complicam a tarefa de seu congênere do outro lado do Atlântico. O dólar exibe a maior valorização em 20 anos, o que encarece produtos importados pela Europa e traz pressão inflacionária adicional. Ante uma cesta de moedas, a moeda americana subiu 14% no ano. Completa agora um trimestre de altas, levando o euro a recorde de baixa (-6,6% só no período) e a desvalorizações do franco suíço (-7,7%) e da libra (-7,4%).

Com o vigor do dólar e o diferencial de juros favorável aos EUA, os títulos soberanos dos países europeus estão sendo vendidos em massa por investidores, elevando seus juros. Os papéis da Itália pagam 3,93% agora, e o da Alemanha, 1,58%, maior taxa em 20 anos.

Há mais fatores desestabilizadores em potencial. Diante da perspectiva de escassez a ser agravada pela sazonalidade, teme-se que países exportadores de energia priorizem o abastecimento interno e restrinjam a exportação, como fez a Noruega. Ou ainda que a alta dos preços da energia já incorridas levem as empresas a interromper a produção, por considerarem que é impossível repassar todo esse custo para os preços, como começou a ocorrer na Alemanha.

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