Editoriais / Opiniões
Ficou difícil para Bolsonaro explorar ponto
fraco de Lula
O Globo
Denúncia de uso da Abin para blindar filho
e transações com dinheiro vivo desgastam discurso contra corrupção
Passadas duas semanas do início da campanha
eleitoral, já ficou clara a dificuldade do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da
Silva, para explicar o inexplicável: a roubalheira na Petrobras durante os anos
em que o partido esteve no poder. Na entrevista ao Jornal Nacional na semana
passada, para escapar das perguntas disparadas pelos jornalistas, Lula ensaiou
piruetas retóricas de cinema. No debate da Band, confrontado pelo presidente em
busca de reeleição, Jair Bolsonaro (PL), foi ainda menos convincente, ao
repetir a estratégia de ler num papel uma lista de leis e instituições
anticorrupção criadas pelo PT — como se isso justificasse os desvios
bilionários.
Não é surpresa que Bolsonaro tenha
escolhido esse tema para atacar o líder nas pesquisas. Mas essa estratégia
esbarra numa limitação óbvia: os eleitores estão cientes dos inúmeros rolos
envolvendo o clã Bolsonaro. Para complicar a situação, o noticiário desta
semana foi pródigo em novas denúncias contra o presidente e sua família.
De acordo com reportagem do GLOBO, a
Polícia Federal (PF) afirmou em relatório que a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) interferiu numa investigação envolvendo Jair Renan
Bolsonaro, o filho Zero Quatro do presidente.
Um agente da Abin admitiu em depoimento à PF, depois de flagrado numa operação, ter recebido a missão de levantar informações sobre o caso. Jair Renan e seu preparador físico passaram a ser investigados por intermediar, com a ajuda do Palácio do Planalto, uma reunião entre um empresário do Espírito Santo e o então ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Em troca, são acusados de ter recebido do empresário um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil. Depois da intervenção da Abin, o carro acabou sendo devolvido.
Outra reportagem, publicada pelo portal
UOL, mostrou que, desde sua entrada na política no início de 1990, o patrimônio
de Bolsonaro e de sua família multiplicou-se de modo incomum. Desde 1999,
integrantes do clã — mulher, filhos e irmãos — participaram de 107 transações
imobiliárias (eram donos de 12 imóveis valendo R$ 1,9 milhão em valores
atualizados; hoje têm 56 valendo R$ 26 milhões). Em quase metade desses
negócios foi usado dinheiro em espécie como forma de pagamento, prática cuja
justificativa mais comum é a lavagem de dinheiro. “Qual é o problema?”, tentou
se defender Bolsonaro.
Desde 2018, Flávio e Carlos Bolsonaro, além
de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do presidente e mãe de Jair
Renan, são alvos de investigação por suspeita de apropriação de parte do
salário de funcionários de gabinetes parlamentares, as famosas “rachadinhas”.
Parte das provas foi anulada, mas a apuração segue adiante.
Na atual administração há indícios
eloquentes de corrupção à espera de apuração. Pastores são acusados de pedir
propina para auxiliar a liberação de recursos no MEC. Obras contratadas com
verba do orçamento secreto acabaram, estranhamente, nas mãos de empresários sem
experiência no ramo. Não é à toa que Bolsonaro tenha tanta dificuldade para
explorar o ponto fraco de seu principal adversário na campanha eleitoral deste
ano.
Gorbachev é figura central para entender
História do século XX
O Globo
Seria um erro julgá-lo culpado pela
deterioração da Rússia que levou à ascensão do populismo de Putin
É impossível contar a História do século XX
sem mencionar Mikhail Gorbachev, responsável por derrubar a Cortina de Ferro e
acabar com a Guerra Fria. Ele jamais deixou de acreditar ser possível conciliar
os ideais socialistas e um regime aberto e democrático — utopia que, como
tantas outras, fracassou, abrindo caminho à posterior submissão do Estado russo
a interesses privados, à deterioração do poderio nacional e à ascensão do
populismo autoritário de Vladimir Putin. Mas é um erro julgá-lo culpado disso
tudo.
Ao assumir o poder, em 1985, o objetivo de
Gorbachev com a perestroika (reestruturação econômica) e a glasnost (abertura
política) evidentemente não era acabar com o próprio país, a União Soviética.
Queria terminar o serviço que Nikita Kruschev começara no 20º Congresso do
Partido Comunista Soviético, em 1956, ao denunciar os crimes de Josef Stálin. E
precisava resgatar a economia soviética da paralisia a que fora lançada pela
estrutura fossilizada de um regime mais preocupado com ogivas nucleares do que
com as condições de vida da população, em contraste com a propaganda oficial.
“Não podemos continuar a viver assim”, disse na ocasião.
Ex-camponês de trato simples e orador
talentoso, Gorbachev soube costurar as alianças necessárias para reorientar a
política externa, sobretudo com o americano Ronald Reagan, com quem assinou
acordos históricos de desarmamento. Internamente, concedeu liberdade religiosa,
tirou dissidentes da cadeia, permitiu a publicação de obras antes censuradas e
promoveu eleições democráticas para governos locais. O resultado de tudo isso
foi o oposto do que ele previa — a começar pela resistência às mudanças.
Sem a difusão completa da propriedade
privada e a criação de instituições estáveis para zelar pelo cumprimento de
leis e contratos, a perestroika ficou no meio do caminho, e a economia não
decolou como esperado. Ao mesmo tempo, a glasnost trazia para dentro dos lares
soviéticos produtos e imagens de um Ocidente idealizado. A insatisfação popular
deu combustível para a velha guarda comunista, que tentou derrubar Gorbachev
sem sucesso num golpe militar. No final, ele se viu forçado a entregar o poder,
extinguindo na prática a associação de países que formava a União Soviética.
Na Rússia, passou a ser visto como
responsável pelo declínio da outrora superpotência e fracassou numa tentativa
de voltar à política em 1996. Na China, tornou-se um anátema para os líderes
que, desde o Massacre da Paz Celestial em 1989, deixaram claro que a
modernização econômica não seria seguida de abertura política.
Gorbachev não enriqueceu no poder. Depois,
viveu do próprio trabalho com palestras e como garoto-propaganda. Usava o
dinheiro que ganhava — inclusive o Prêmio Nobel de 1990 — para financiar a
fundação que estudava projetos de reforma política e econômica. Lembrado pela
perestroika e pela glasnost, trouxe para o léxico russo palavras como
“consenso” e “pluralismo” — valores que sempre defendeu e hoje fazem falta não
apenas na Rússia.
Estadista Gorbatchov
Folha de S. Paulo
Último líder fracassou em salvar a URSS e
ajudou a tornar o mundo mais livre
Mikhail Sergueiévitch Gorbatchov, morto aos 91
anos, foi personagem central do século 20. Numa versão romantizada,
Gorbatchov, que ascendeu ao cargo máximo do Partido Comunista da União
Soviética em 1985, foi o homem que encerrou a Guerra Fria e fez com que os
cidadãos da URSS respirassem ares um pouco mais democráticos.
Também pôs fim à intervenção soviética no
Afeganistão e permitiu que os países do Leste Europeu se livrassem de seus
ditadores sem derramamento de sangue. Floreada mas não falsificada, essa era a
visão do líder soviético preponderante nos países ocidentais.
Domesticamente, a avaliação era mais
lúgubre. Gorbatchov era apontado como o responsável pela implosão da União
Soviética, "a maior catástrofe geopolítica" do século passado, nas
palavras de Vladimir Putin, e por ter lançado seus habitantes numa grande crise
econômica e social da qual levariam vários anos para se recuperar.
De novo, essa descrição pode ser
qualificada como ideologizada, mas não contrária aos fatos.
Numa narrativa mais equilibrada, Gorbatchov
pode ser pintado como o homem que se deu a missão de salvar o regime e
fracassou. Isso não o impediu de ter sido decisivo para tornar o mundo um lugar
menos belicoso e mais livre.
O problema de base era a economia.
Gorbatchov observou que a URSS estava ficando para trás em relação ao Ocidente.
A produtividade era péssima em diversos setores e o país também estava perdendo
a corrida tecnológica.
Embora os soviéticos ainda conseguissem
manter-se na ponta da produção de artefatos nucleares, isso estava ficando cada
vez mais difícil, já que não iam bem em ciência da computação, por exemplo.
Gorbatchov pretendia reformar o sistema por
dentro, preservando o poder para o PCUS. As palavras-chave de seu projeto eram
"glasnost" (transparência, que seria uma reforma política limitada) e
"perestroika" (reestruturação, a modernização da economia).
Não deu certo. A "perestroika"
não salvou a economia, mas a "glasnost" despertou os fantasmas
nacionalistas que destruiriam a URSS.
Após fracassada tentativa de golpe militar,
Gorbatchov viu o poder ser tragado por líderes locais como o russo Boris
Ieltsin e o cazaque Nursultan Nazarbaiev, que deixou a Presidência do
Cazaquistão em 2019. Em 1991, a URSS se dissolveu e Gorbatchov ficou sem
emprego.
O Ocidente também fracassou. Não aproveitou
a janela democrática aberta após a dissolução do gigante comunista para
transformar a Rússia numa parceira institucional e economicamente próspera,
abrindo espaço para a volta do autoritarismo sob Putin.
Quem não fracassou foram os chineses, que
aprenderam com o caso soviético e tiveram sucesso onde Gorbatchov falhou. A
economia chinesa é das mais dinâmicas do mundo, e o poder está concentrado no
Partido Comunista.
Influência letal
Folha de S. Paulo
Constata-se que pregação abjeta de
Bolsonaro contra vacina encontrou algum eco
À diferença do que se vê em países onde
movimentos antivacina têm raízes históricas mais antigas, como em parte dos
EUA, mostra-se incipiente a resistência ao imunizante contra a Covid-19 no
Brasil.
Aqui, 170,1 milhões de pessoas —79,18% da
população— completaram a vacinação, segundo o consórcio de veículos de imprensa
a partir de informações das secretarias estaduais de Saúde.
A despeito da se tratar de uma minoria, é
possível notar recortes demográficos entre os mais refratários à imunização no
país —brancos, mais
ricos e bolsonaristas.
Segundo pesquisa realizada pelo Sou Ciência
(Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência), da Unifesp, com 1.200
pessoas de todas as regiões, 41% dos mais ricos (renda superior a seis salários
mínimos) afirmam ter recebido apenas uma ou nenhuma dose da vacina. Na
população em geral, esse número cai para 21%.
Acima da média geral também estão, de
acordo com o estudo, os que têm ensino superior completo (32%), os que se
declaram brancos e os homens entrevistados (29% nos dois casos). Percebe-se
aqui uma evidente sobreposição entre os grupos que mais apoiam Jair Bolsonaro
(PL), ele próprio um dos expoentes antivacina no país.
Entre os eleitores do presidente, 63%
afirmaram ter tomado duas, três ou mais doses, ante 90% entre os dispostos a
votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Dos que consideram o governo ótimo ou bom e
foram infectados pelo coronavírus, 9% recorreram ao famigerado e ineficaz kit
Covid propagandeado pelo bolsonarismo. No contingente que considera a gestão
ruim ou péssima, a proporção não passa de 0,2%.
A discrepância também ocorre de acordo com
a religião. Entre evangélicos que contraíram a doença, 7% usaram o kit;
católicos, 1%.
A cultura de vacinação e a ampla cobertura
propiciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) podem ajudar a explicar a
relativamente baixa resistência ao imunizante na sociedade brasileira. Ainda
assim, notou-se queda recente na adesão.
Constata-se, infelizmente, que a desinformação e o mau exemplo do presidente da República encontraram algum eco no país —ao custo de bem-estar e de vidas.
Devagar com o andor
O Estado de S. Paulo
Só será possível avaliar se Alexandre de Moraes extrapolou os limites da lei no caso dos empresários bolsonaristas quando for levantado o sigilo do processo, não só das recentes decisões
O ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Alexandre de Moraes ordenou a quebra do sigilo bancário e o bloqueio das
redes sociais de oito empresários bolsonaristas, suspeitos de articular um
movimento golpista, a partir do pedido de um senador que integra a campanha
presidencial do petista Lula da Silva, e não da Polícia Federal (PF). Desde que
tomou as medidas contra os empresários, há alguns dias, o ministro vem sendo
duramente criticado, sob o argumento de que teria extrapolado os limites
legais; agora, quando vem à tona a informação de que Alexandre de Moraes foi
além do que havia pedido a PF, os bolsonaristas dizem que se trata da prova
definitiva de que a intenção do ministro é prejudicar a candidatura à reeleição
do presidente.
Em primeiro lugar, nessa revolta contra a
decisão do STF, chama a atenção a disparidade de critérios para avaliar os atos
da Justiça. Durante anos, o País assistiu a decisões judiciais muito mais
arbitrárias e coercitivas no âmbito da Lava Jato, e tudo foi encarado como
normal, proporcional e merecedor de aplausos. Pessoas foram presas com base em
meras citações de delações – em muitos casos, não havia sequer mensagem de
WhatsApp indicando o mínimo envolvimento da pessoa nos fatos investigados –,
mas isso não foi visto como um problema. Afinal, como diziam alguns
procuradores, o País estava sendo passado a limpo e era preciso que a Justiça
atuasse com extremo rigor.
Por diversas vezes, um grampo telefônico
parcial, a gravação de uma conversa divulgada fora de contexto ou mesmo uma
interpretação sobre o que tal pessoa teria dito foram utilizados não apenas
para quebrar os sigilos fiscal e bancário ou para constranger autoridades com
vazamentos seletivos, mas como pretexto para apresentar denúncias inteiramente
ineptas. No entanto, nada disso suscitou a comoção que agora se vê em relação
às medidas contra os oito empresários bolsonaristas. Essa disparidade de
tratamento revela uma estranha compreensão do que significa a igualdade de
todos perante a lei. É preciso enfatizar que, seja qual for a cor ideológica,
políticos, empresários e todos os outros cidadãos têm os mesmos direitos e os
mesmos deveres.
Dito isso, não é prudente afirmar
categoricamente que o ministro Alexandre de Moraes atuou fora dos limites
legais. Não se sabe, por exemplo, que elementos motivaram o ministro a ordenar
medidas além das que haviam sido pedidas pela PF. Isso só ficará claro quando o
sigilo imposto aos processos em questão for levantado.
Não é suficiente dar publicidade apenas à
decisão que gerou a atual controvérsia, como fez o ministro Alexandre de
Moraes, como se isso bastasse para demonstrar o amparo legal. É preciso que
haja plena publicidade de toda a investigação para avaliar o acerto ou
desacerto das medidas e também sobre a competência do Supremo num caso que
envolve empresários, isto é, cidadãos que em tese devem ser julgados na
primeira instância. Ao manter o sigilo – que pode ser justificado, mas deve ser
excepcional –, o Supremo espera que o Brasil lhe dê um voto de confiança, o que
muitos parecem pouco dispostos a fazer.
Mais do que avaliações peremptórias –
próprias do simplismo das redes sociais –, é preciso reafirmar os princípios
fundamentais do devido processo legal. Aqui, repetimos o que estamos dizendo, neste
espaço, desde março de 2019, quando foi aberto um inquérito criminal para
apurar fake news e ameaças contra o STF: a regra é a publicidade dos
atos investigativos e judiciais. É preciso limitar ao máximo os casos de
sigilo, preservando-os para as situações estritamente necessárias.
Nos tempos atuais, é necessário recordar o
óbvio: respeitando os limites da lei, o Estado tem o dever de investigar
indícios de crimes. E, a princípio, tal atividade não representa, em si mesma,
nenhuma violação das liberdades e garantias fundamentais. Entre os requisitos
da lei que precisam ser respeitados, estão a competência jurisdicional e a
função própria do magistrado na fase investigativa. As nulidades produzidas
pela Lava Jato são um poderoso alerta. Não há defesa da lei ou da democracia
fora do devido processo legal. E isso vale para todos.
Renda maior e desemprego menor
O Estado de S. Paulo
A acentuada melhora do mercado de trabalho se soma a outros sinais positivos, como a recuperação da renda, mas o crescimento contínuo é incerto e projeções para 2023 são ruins
A vida está melhorando para os brasileiros.
Esta é, certamente, uma grande notícia para todos. A inflação, que até há
poucos meses comprimia cada vez mais os orçamentos das famílias, está cedendo.
A atividade econômica recupera-se, ainda que em velocidades muito baixas. E o
mercado de trabalho, que não faz muito era a síntese do drama social gerado
pela pandemia, apresenta sinais de melhora, tanto na geração de empregos como
na recuperação da renda real dos trabalhadores.
São muitos os dados que mostram a melhora
contínua do mercado de trabalho. A taxa de desocupação ficou em 9,1% no
trimestre móvel de maio a julho de 2022, de acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Essa taxa é 1,4 ponto porcentual menor do
que a observada no trimestre de fevereiro a abril, o que mostra a intensidade
da queda. É também 4,6 pontos menor do que a de um ano antes e 5,8 pontos
inferior ao pico de 14,9% registrado no primeiro trimestre do ano passado.
A população desocupada, de 9,9 milhões de
pessoas, caiu para o menor nível desde o trimestre encerrado em janeiro de 2016.
Na comparação com o trimestre anterior, a redução foi de 12,9% (menos 1,5
milhão de pessoas desocupadas); em um ano, a queda foi de 31,4% (menos 4,5
milhões). O contingente de pessoas ocupadas, de 98,7 milhões, é o maior de toda
a séria da Pnad Contínua, iniciada em 2012. São mais 8 milhões de pessoas em
relação ao contingente ocupado um ano antes.
Outros indicadores também estão melhorando.
A taxa composta de subutilização, de 20,9%, é a menor desde o trimestre
encerrado em junho de 2016 e nada menos do que 7 pontos porcentuais inferior à
de um ano atrás. Diminuíram proporcionalmente a população subocupada por
insuficiência de horas trabalhadas e a população desalentada. O número de
empregados sem carteira assinada, porém, alcançou 13,1 milhões de pessoas, o
maior da história. Em um ano, esse contingente recebeu mais 3,3 milhões de
trabalhadores.
Quanto à renda real habitual, embora 2,9%
menor do que a de um ano, é também 2,9% maior do que a do trimestre anterior.
Na comparação com o período imediatamente anterior, a renda real registra
crescimento desde o início do ano.
Com a proximidade das eleições, a melhora
do cenário econômico e social decerto animará a campanha do presidente Jair
Bolsonaro, candidato à reeleição que, como mostram diferentes pesquisas de
preferência eleitoral, tem suas pretensões eleitorais ameaçadas. O governo
federal pouco fez de maneira efetiva para permitir que o País enfrentasse os
impactos da pandemia com maior eficiência e menos perdas, e por vezes até
piorou o quadro, mas vem apresentando esse novo cenário como sua vitória. A
economia “está bombando”, garantiu há pouco o ministro da Economia, Paulo
Guedes.
Há, de fato, melhoras visíveis, mas o
quadro está longe do cenário de maravilhas desenhado por Guedes. As projeções
para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para este ano
estão sendo revistas para cima por instituições financeiras privadas há algum
tempo. Mas, mesmo na melhor dessas projeções, não passa muito de 2%, um
desempenho fraco, que repete o crescimento que o País vem apresentando há anos.
Para o ano que vem, as projeções são de forte redução do crescimento, para algo
em torno de 0,5%.
O registro de deflação em dois meses
consecutivos contribui para a recuperação da renda real. Mas a queda média dos
preços, em razão da redução dos preços dos combustíveis e da energia elétrica,
não deve se repetir nos próximos meses. E o preço da comida continua a subir. A
melhora das projeções para o crescimento neste ano pode estar chegando ao fim,
pois a atividade tende a se desacelerar nos próximos meses, daí as projeções
bastante modestas para 2023. As altas da taxa básica de juro são uma das causas
para essa desaceleração. A elas se junta o cenário mundial, marcado por alta da
inflação e desaceleração da atividade nos países desenvolvidos.
Gorbachev ainda é necessário
O Estado de S. Paulo
O último líder soviético ajudou a acabar com a guerra fria; agora que Putin a está recriando, seu legado é crucial
“Gorbachev é difícil de entender”, disse a
um biógrafo, referindo-se a si na terceira pessoa, o último líder do império
soviético, falecido há alguns dias, aos 91 anos. Ele se dizia “um produto”
daquele sistema e o seu “antiproduto”. “Como”, perguntava-se outro biógrafo,
“um país não inteiramente normal acabou com um líder com reflexos morais
normais e bom senso?”
Mikhail Gorbachev “foi um líder soviético
paradoxal, no momento em que o mundo precisava de um”, disse o Wall Street
Journal. Ele quis revigorar a União Soviética, mas acelerou a sua morte.
Promoveu a abertura econômica (perestroika) e política (glasnost), não para
emular as democracias capitalistas, mas concorrer com elas – já aposentado,
disse que Stalin não era um verdadeiro comunista, “eu era”. Ele foi, nas
palavras do estudioso Dmitry Furman, “o único político na história russa que,
tendo plenos poderes em mãos, voluntariamente optou por limitá-los,
arriscando-se mesmo a perdê-los, em nome de valores morais”.
Esses paradoxos estão na raiz das
divergências sobre seu legado. Muitos no Ocidente o veem como o maior estadista
da segunda metade do século 20; outros, como um fraco incapaz de usar a força
quando a força era necessária para preservar o socialismo democrático que
estava criando. Na Rússia ele tem admiradores, mas é amplamente recriminado
pelas elites no poder como responsável pelo colapso da União Soviética e a
debacle econômica que se seguiu.
Ao menos em um aspecto de sua trajetória
não houve paradoxo: ele queria encerrar a guerra fria sem violência, e encerrou
a guerra fria sem violência. No resto, Gorbachev mudou o seu país e o mundo,
mas não como ele queria. Ele não venceu, perdeu. Mas perdeu com dignidade, e
essa foi a sua maior vitória.
Hoje, é impossível não especular como teria
sido a vitória que ele buscou. Ele sonhou com uma nova ordem mundial, baseada
na renúncia da força, em que as divisões entre Ocidente e Oriente
desaparecessem. Ele queria que a Otan se tornasse uma instituição política e
fosse substituída por uma nova arquitetura de segurança pan-europeia; estava
pronto a abandonar o domínio do Leste Europeu; deu os primeiros passos para o
desarmamento nuclear; trouxe liberdade de expressão e introduziu instituições
parlamentares, acreditando que o socialismo não seria digno de seu nome a menos
que fosse democrático.
Mas o Ocidente insistiu em preservar e
expandir a Otan; o controle do armamento nuclear nunca esteve tão periclitante
desde então; e o sucessor de Gorbachev, Vladimir Putin, está transformando seu
país em um Estado fascista, excitando o nacionalismo e a militarismo para
restaurar a Grande Rússia.
Certa vez, Gorbachev disse a um jornalista que quando lançou suas reformas não o fez pela sua geração, ou a de seus filhos, mas a de seus netos. “Um dia a Rússia talvez retome sua marcha rumo à democracia, e o mundo talvez encontre o seu caminho além da guerra fria”, disse seu biógrafo William Taubman. “Se e quando isso acontecer, Gorbachev merecerá ser louvado como o líder que estava presente na criação.”
Europa se aproxima da recessão com crise de
energia e inflação
Valor Econômico
BCE terá de se apressar no aperto monetário
com a economia desacelerando no segundo semestre
A recessão se aproxima da zona do euro,
após uma combinação explosiva de fatores negativos - a perspectiva de drástica
redução no fornecimento de energia e a maior inflação desde a criação da moeda
única. Os principais bancos centrais do mundo vão continuar a elevar os juros,
reduzindo as atividades econômicas, mas o bloco do euro é o candidato mais
forte à retração, pois enfrenta agora um choque estrutural de oferta, após a
Rússia invadir a Ucrânia e, diante das sanções, usar seu fornecimento de gás,
do qual a Europa Ocidental é dependente, como arma política.
Ontem a inflação no bloco monetário bateu
novo recorde, atingindo 9,1%, com os preços da alimentação e bebidas alcançando
pela primeira vez desde 1999 os dois dígitos (10,5%). O núcleo da inflação, que
exclui energia e alimentos, subiu de 4% para 4,3%, o que indica disseminação
das altas. Investidores e analistas acham que a pressão inflacionária vai
piorar e chegar aos 10% ou mais até o fim do ano.
A guerra na Ucrânia fez os preços de
commodities agrícolas dispararem, ampliando as pressões inflacionárias, mas o
fator determinante para sua difusão, persistência e magnitude é o choque de
energia. Os preços subiram muito, recentemente, e recuaram um pouco, mas a
proximidade do inverno e a redução contínua do fornecimento do gás russo
colocam limite para a baixa das cotações, e quase nenhum para a alta. Na
sexta-feira, o preço da energia foi de € 340 por megawatt/hora, ou US$ 550 por
barril de petróleo equivalente, uma explosão de custos muito superior à vivida
pelo continente europeu durante as duas crises de petróleo dos anos 70 e 80
(FT, ontem).
A energia subiu 38,3% até agosto. Os países
europeus conseguiram, com outros fornecedores, especialmente os Estados Unidos,
recompor 80% dos estoques necessários para enfrentar o inverno. Mas, em um
prenúncio do que está por vir, a Rússia anunciou ontem uma parada total do
fluxo pelo gasoduto Nord Stream 1, o principal, por 3 dias. O abastecimento de
gás russo tornou-se absolutamente inseguro e não estará disponível quando os
europeus mais precisarem dele.
O Banco Central Europeu está diante de
difíceis problemas. Um deles é que o preço da energia influi em todos os demais
da economia, e a política monetária não tem meios para reverter seus efeitos,
decorrentes de disputas geopolíticas que podem se tornar permanentes. O outro é
que a inflação está alta demais, mesmo em relação aos EUA (8,5%) e o BCE mal
iniciou seu aperto monetário. No fim de julho, fez seu primeiro aumento de
juros desde 2011, de 0,5 ponto percentual, levando-os a 0 por cento. As
injeções de liquidez para apoiar a economia após a pandemia mal terminaram e
ainda há programas de apoio monetário em curso.
Assim, o BCE terá de se apressar no aperto
monetário com a economia desacelerando no segundo semestre e rumando para uma
recessão moderada, se tudo sair como está previsto. A força inflacionária
impedirá que o banco adote uma instância suave diante dos sinais de fraqueza da
economia, como recomenda o manual. No segundo trimestre, o PIB da zona do euro
cresceu 0,7%, ou 3,9% em 12 meses, mas esse provavelmente foi o melhor
resultado do ano.
Os sinais duros vindos do Fed americano,
mais avançado no ciclo de alta de juros (de 2,25% a 2,5%), complicam a tarefa
de seu congênere do outro lado do Atlântico. O dólar exibe a maior valorização
em 20 anos, o que encarece produtos importados pela Europa e traz pressão
inflacionária adicional. Ante uma cesta de moedas, a moeda americana subiu 14%
no ano. Completa agora um trimestre de altas, levando o euro a recorde de baixa
(-6,6% só no período) e a desvalorizações do franco suíço (-7,7%) e da libra
(-7,4%).
Com o vigor do dólar e o diferencial de
juros favorável aos EUA, os títulos soberanos dos países europeus estão sendo
vendidos em massa por investidores, elevando seus juros. Os papéis da Itália
pagam 3,93% agora, e o da Alemanha, 1,58%, maior taxa em 20 anos.
Há mais fatores desestabilizadores em potencial. Diante da perspectiva de escassez a ser agravada pela sazonalidade, teme-se que países exportadores de energia priorizem o abastecimento interno e restrinjam a exportação, como fez a Noruega. Ou ainda que a alta dos preços da energia já incorridas levem as empresas a interromper a produção, por considerarem que é impossível repassar todo esse custo para os preços, como começou a ocorrer na Alemanha.
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