Folha de S. Paulo
Como a polarização afetou as eleições
presidenciais e legislativas?
Frustrou-se a expectativa de que a
proibição de coligações nas eleições proporcionais melhoraria a representação
política. Como já mostrei aqui, a polarização afetiva vertebra a política
no país.
Ela impactou não só a forma da disputa
eleitoral —o tom belicoso e adversarial— como seu conteúdo, que se esvaziou
programaticamente. Não houve discussão de políticas públicas pelos seus
protagonistas; ela só apareceu através de outros candidatos.
Avelino, Russo e Pimentel mostraram nesta Folha como as divergências de políticas entre eleitores de Lula e Bolsonaro limitavam-se a um pequeno número de temas. A polarização é fundamentalmente afetiva, em um padrão comum a outros países. Ela se expressa na rejeição ao rival, para além de qualquer conteúdo programático.
Produziu o afunilamento precoce da disputa,
magnificando o fato de que envolve o atual titular e um ex ocupante do cargo.
Há dois anos, pesquisas já mostravam que o país estava dividido em três blocos,
mas logo o pleito cristalizou-se em disputa polarizada. A individualização da
contenda também impactou a forma das eleições
legislativas, enfraquecendo ainda mais a escassa identificação partidária.
As siglas partidárias virtualmente desapareceram das campanhas, sendo
substituídas pela referência ubíqua aos protagonistas da polarização, não seus
partidos.
Isso tudo num quadro em que a disputa
proporcional carrega um viés pró-incumbente colossal e inédito devido: ao fundo
bilionário de campanha, controlado pelas lideranças partidárias; ao orçamento
secreto, idem; à janela para outsiders, agora fechada; à regra eleitoral
exigindo patamares mínimos elevados de votação (10% e/ou 20% do quociente
eleitoral); e a à diluição do efeito-casaca da eleição presidencial sobre
eleições legislativas.
Eis o paradoxo: os resultados das eleições
proporcionais serão intensamente partidarizados, embora os partidos não tenham
nenhum enraizamento no eleitorado. Malogra, portanto, a expectativa de que a
proibição de coligações nas eleições legislativas produziria melhor qualidade
de representação, impedindo que o voto em candidato de um partido elegesse
representante de outro.
O resultado líquido é um cartel de partidos
sem partidários (para roubar o famoso mote de Dalton
e Wattenberg),
a não ser seus próprios candidatos e detentores de cargo. Para muitos analistas
trata-se da receita para perpetuar atitudes antissistema. O que entre nós
alimentou a explosão de 2013.
A ausência de discussões programáticas
impacta o processo de formação de governo e o potencial futuro de responsabilização.
As alianças firmadas não explicitam os erros, concessões e compromissos
programáticos. Eleição sem conteúdo equivale a cheque em branco.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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