O Globo
O presidente nunca nutriu a imagem de
defensor dos mais fracos, daqueles que ocupam a base da pirâmide social, dos
pobres
O que levou ao resultado do primeiro turno
foi um voto extremamente comum e trivial. Os dados são públicos: praticamente
80% dos que consideravam o governo Bolsonaro ruim e péssimo votaram no
candidato do PT. Pode-se comparar o voto em 2022 ao de 1998, com o sinal
trocado. Nesses dois anos, o presidente no cargo disputou a reeleição, o
principal opositor foi Lula, conhecido por 100% do eleitorado nacional. A
grande diferença é que, em 1998, o presidente que disputava a reeleição,
Fenando Henrique, ostentava apenas 20% de ruim e péssimo na avaliação de seu
governo, ao passo que, em 2022, essa proporção ficou um pouco acima de 45%. O
sinal foi trocado: 1998 configurou-se como uma eleição de continuidade, e 2022
ainda é predominantemente de mudança. Um voto bastante trivial.
Bolsonaro mostrou força e fraqueza. Um presidente que disputa a reeleição leva tradicionalmente grande vantagem sobre seus adversários. Além de ter ficado atrás de Lula, ele ficou próximo de ser derrotado em primeiro turno. Sua força tem a ver com um percentual mais elevado que o previsto pelas pesquisas, e pela eleição de vários candidatos bolsonaristas, muitos deles ex-ministros com votações expressivas.
Lula permanece sendo o favorito. Como
aprendemos com a eleição dos Estados Unidos em 2016, nem sempre o favorito
vence. O que foi entediante de 2021 até agora promete muita emoção concentrada
em quatro semanas. As pesquisas de opinião atestaram também que os mais pobres
votaram em maior proporção para mudar, enquanto os menos pobres preferiram
Bolsonaro a Lula. Essa escolha condiz com o que foi o governo Bolsonaro. O
presidente nunca nutriu a imagem de defensor dos mais fracos, daqueles que
ocupam a base da pirâmide social, dos pobres.
As políticas públicas adotadas em seu
governo se notabilizaram pela redução de recursos destinados à área social,
além da ausência de proteção aos segmentos menos privilegiados, como indígenas,
negros e mulheres. A propósito, seus discursos nunca enfatizaram a defesa de
tais grupos. Foi exatamente por isso que o Auxílio Brasil concedido na reta
final da eleição não teve o efeito esperado pelo presidente. Os mais pobres
acharam estranho que alguém que não os tenha defendido por três anos os tenha,
ao fim de seu mandato, contemplado com um generoso benefício social. O discurso
e a prática dos anos anteriores não se encaixavam na decisão assistencialista
da reta final de seu governo.
Resultado: mulheres, pobres, negros e todos
os grupos que se veem como prejudicados em nossa sociedade deram vantagem
eleitoral a Lula. Tratou-se de um voto previsível, ordinário. Porém o resultado
foi extraordinário ao menos em dois aspectos.
A trajetória de Lula é algo raro no mundo:
alguém que veio das classes mais pobres, sem sequer ter concluído o ensino
fundamental, e se tornou mandatário máximo da nação, governando-a por oito anos
e respeitando as regras do jogo democrático. Nelson Mandela tinha diploma
universitário, era advogado. O polonês Lech Walesa não conseguiu ser reeleito e
naufragou em 1% de votos na última eleição nacional que disputou. Evo Morales
utilizou-se de várias manobras políticas para disputar uma segunda reeleição,
que venceu, e foi deposto em sua tentativa de ser reeleito uma terceira vez.
Lula teve menos acesso aos meios
educacionais formais do que Mandela, teve um incomparável sucesso eleitoral
quando visto ao lado de Walesa e jamais se aventurou por caminhos
constitucionais tortuosos como fez Morales. Lula é um caso muito raro no mundo,
ainda mais agora que se prepara para cumprir seu terceiro mandato, obtido pelo
voto, após ficar 580 dias preso.
A segunda razão que torna o resultado de
2022 extraordinário tem a ver com Bolsonaro. Independentemente das posições de
cada um sobre políticas públicas, entre as quais se destaca a divergência
econômica entre esquerda intervencionista e direita liberal, livrar-se dele
significará economizar tempo, recursos e energia lutando contra quem ameaça
continuamente a democracia. Todos os esforços para deter a sanha autoritária de
Bolsonaro deixarão de existir e poderão ser dirigidos a uma agenda positiva,
cujo principal objetivo será retomar o caminho do desenvolvimento. O Brasil
precisa de paz e hoje, pelo visto, vê-la no horizonte é algo incomum e
extraordinário.
*Alberto Carlos Almeida é cientista político
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