segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Alex Ribeiro - Fiscal está no radar do Copom de dezembro

Valor Econômico

Promessa é agir se projeção de inflação subir ou risco piorar

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em um evento na sexta-feira que a política fiscal do futuro governo Lula já está no radar da reunião de dezembro do Comitê de Política Monetária (Copom). O que poderia levar à retomada dos ciclo de alta de juros?

Conforme o próprio Campos Neto explicou, o aperto adicional aconteceria se, diante dos passos adotados pelo novo presidente da República, o Copom entender que a convergência da inflação para a meta não vai acontecer da forma planejada. “Então, nós vamos reagir”, advertiu.

Ele também ressaltou que é cedo para uma conclusão sobre o assunto porque não se sabe o que o Congresso vai aprovar ou modificar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estoura o teto de gastos em quase R$ 200 bilhões.

O cenário de convergência da inflação para a meta, em tese, pode ser ameaçado de duas formas pela política fiscal de Lula. Primeiro se, de forma mais direta, levar a um aumento das projeções de inflação do Banco Central - que já vinham sendo colocadas em questão pelos especialistas, porque parecem muito otimistas, quando comparadas com a previsão do mercado. Segundo, se o fiscal voltar a pesar mais forte no chamando balanço de riscos, ou seja, se fizer o Copom achar que as chances de a inflação superar os valores projetados são maiores do que as de ficar abaixo deles.

A inflação hoje está muito alta, em 6,47%, e estaria bem maior se não fossem as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro para baixá-la durante as eleições. O Banco Central acha possível que, se mantiver os juros nos atuais 13,75% ao ano pelo menos até meados de 2023, poderá levar essa inflação a 3,2% em junho de 2024, horizonte em que hoje se propõe a cumprir a meta.

A PEC de Transição já começou a afetar essa projeção. No seu cenário, o Copom trabalha com uma cotação do dólar de R$ 5,25, enquanto que a moeda americana fechou a semana passada em R$ 5,37. Não é uma diferença muito grande, mas não se sabe ao certo onde o dólar poderá se estabilizar, caso o mercado perceba que o risco fiscal mudou para um novo patamar.

Outro canal que a incerteza fiscal pega é nas expectativas de inflação. Depois do segundo turno das eleições, a inflação implícita nos títulos públicos negociados em mercado para 2024 subiu de 6,06% para 6,65%, segundo estimativa da Renascença DTVM. Já estava muito alta, praticamente o dobro da meta de 2024, de 3%, num sinal de descrença na condução da política monetária. Muitos participantes do mercado acham que o Copom está focando num horizonte muito longo para cumprir a meta e que não vai seguir à risca a sinalização de juros altos por muito tempo. Agora, ficou pior, com o agravamento do risco fiscal, embora alguns fatores mais técnicos de mercado possam também ter contribuído para a inflação implícita ter subido.

Os membros do Copom já disseram algumas vezes que acompanham a inflação implícita, que se ajusta de forma mais ágil a mudanças de cenário, mas o que entra nos modelos de projeção de inflação do BC são as projeções de especialistas do boletim Focus. Sergio Goldenstein, estrategista-chefe da Renascença, diz que o Focus se ajusta de forma mais lenta, mas, se a PEC não for bastante desidratada no Congresso, as expectativas devem subir.

Outro canal que a política fiscal poderá afetar as projeções de inflação do Banco Central é pela demanda agregada. A PEC tem potencial para injetar algo como 2% do PIB (Produto Interno Bruto) na demanda agregada no ano que vem. Sem a PEC, talvez o fiscal ajudasse a conter a demanda. Na apresentação do projeto de Orçamento, o governo informou que a despesa primária seria reduzida de 18,9% para 17,6% do PIB.

Não se sabe, ao certo, qual é o impulso fiscal que o Copom trabalha em 2023 - que depende não só do gasto, mas sim da evolução do resultado primário ajustado pelo ciclo econômico, excluídas receitas e despesas extraordinárias. Mas, de qualquer forma, os R$ 200 bilhões representam um gasto a mais em relação ao esperado, e também um impulso maior.

Nos seus modelos de projeção de inflação, o Copom não levava em conta uma eventual extensão do Auxilio Brasil para R$ 600. O mercado já contava com um estouro do teto de cerca de R$ 100 bilhões.

Outro canal que as projeções do Banco Central podem ser afetadas é pela taxa neutra de juros, que sobem quando há descontrole fiscal. De fato, no governo Bolsonaro, já subiram, depois de seguidos furos no teto de gastos, passando de 3% para 4% reais.

Campos Neto vem dizendo que uma volta da atuação do crédito subsidiado pelos bancos públicos poderia elevar a taxa neutra. O ex-diretor do Banco Central Fabio Kanczuk, hoje na Asa Investments, fez recentemente alguns cálculos bem simplificados que mostram que, se a expansão do crédito direcionado voltar ao patamar da gestão Dilma, a taxa neutra poderia subir mais um ponto percentual, para 5%.

A alta da taxa neutra significa, grosso modo, que o Banco Central teria que operar com um nível mais alto de juros para atingir o mesmo efeito para baixar a inflação. Os juros longos negociados no mercado, que voltaram a casa dos 6% em termos reais, já indicam uma taxa neutra maior.

Mesmo que as projeções de inflação não subam, em tese o Banco Central poderá agir, se considerar que o balanço de riscos ficou mais negativo. É uma leitura mais subjetiva do colegiado, que não depende necessariamente da visão do mercado sobre o assunto.

O Copom teve uma visão, de certa forma, benevolente com a piora do risco fiscal na campanha eleitoral de Bolsonaro. Desde maio, vem mantendo a tese de que o balanço de riscos é equilibrado, mesmo coma aprovação da PEC Kamikaze e a percepção de piora fiscal informada pelos especialistas do mercado nos questionários pré-Copom.

Agora, será mais difícil ignorar, porque os riscos se acumularam. Campos Neto tem defendido que, mesmo se gastar mais, o governo Lula poderá conter as incertezas se comunicar bem uma política fiscal sustentável.

 

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