Valor Econômico
Promessa é agir se projeção de inflação
subir ou risco piorar
O presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, disse em um evento na sexta-feira que a política fiscal do futuro
governo Lula já está no radar da reunião de dezembro do Comitê de Política
Monetária (Copom). O que poderia levar à retomada dos ciclo de alta de juros?
Conforme o próprio Campos Neto explicou, o
aperto adicional aconteceria se, diante dos passos adotados pelo novo
presidente da República, o Copom entender que a convergência da inflação para a
meta não vai acontecer da forma planejada. “Então, nós vamos reagir”, advertiu.
Ele também ressaltou que é cedo para uma
conclusão sobre o assunto porque não se sabe o que o Congresso vai aprovar ou
modificar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estoura o teto de
gastos em quase R$ 200 bilhões.
O cenário de convergência da inflação para a meta, em tese, pode ser ameaçado de duas formas pela política fiscal de Lula. Primeiro se, de forma mais direta, levar a um aumento das projeções de inflação do Banco Central - que já vinham sendo colocadas em questão pelos especialistas, porque parecem muito otimistas, quando comparadas com a previsão do mercado. Segundo, se o fiscal voltar a pesar mais forte no chamando balanço de riscos, ou seja, se fizer o Copom achar que as chances de a inflação superar os valores projetados são maiores do que as de ficar abaixo deles.
A inflação hoje está muito alta, em 6,47%,
e estaria bem maior se não fossem as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro
para baixá-la durante as eleições. O Banco Central acha possível que, se
mantiver os juros nos atuais 13,75% ao ano pelo menos até meados de 2023,
poderá levar essa inflação a 3,2% em junho de 2024, horizonte em que hoje se
propõe a cumprir a meta.
A PEC de Transição já começou a afetar essa
projeção. No seu cenário, o Copom trabalha com uma cotação do dólar de R$ 5,25,
enquanto que a moeda americana fechou a semana passada em R$ 5,37. Não é uma
diferença muito grande, mas não se sabe ao certo onde o dólar poderá se
estabilizar, caso o mercado perceba que o risco fiscal mudou para um novo
patamar.
Outro canal que a incerteza fiscal pega é
nas expectativas de inflação. Depois do segundo turno das eleições, a inflação
implícita nos títulos públicos negociados em mercado para 2024 subiu de 6,06%
para 6,65%, segundo estimativa da Renascença DTVM. Já estava muito alta,
praticamente o dobro da meta de 2024, de 3%, num sinal de descrença na condução
da política monetária. Muitos participantes do mercado acham que o Copom está
focando num horizonte muito longo para cumprir a meta e que não vai seguir à
risca a sinalização de juros altos por muito tempo. Agora, ficou pior, com o
agravamento do risco fiscal, embora alguns fatores mais técnicos de mercado
possam também ter contribuído para a inflação implícita ter subido.
Os membros do Copom já disseram algumas
vezes que acompanham a inflação implícita, que se ajusta de forma mais ágil a
mudanças de cenário, mas o que entra nos modelos de projeção de inflação do BC
são as projeções de especialistas do boletim Focus. Sergio Goldenstein,
estrategista-chefe da Renascença, diz que o Focus se ajusta de forma mais
lenta, mas, se a PEC não for bastante desidratada no Congresso, as expectativas
devem subir.
Outro canal que a política fiscal poderá
afetar as projeções de inflação do Banco Central é pela demanda agregada. A PEC
tem potencial para injetar algo como 2% do PIB (Produto Interno Bruto) na
demanda agregada no ano que vem. Sem a PEC, talvez o fiscal ajudasse a conter a
demanda. Na apresentação do projeto de Orçamento, o governo informou que a
despesa primária seria reduzida de 18,9% para 17,6% do PIB.
Não se sabe, ao certo, qual é o impulso
fiscal que o Copom trabalha em 2023 - que depende não só do gasto, mas sim da
evolução do resultado primário ajustado pelo ciclo econômico, excluídas
receitas e despesas extraordinárias. Mas, de qualquer forma, os R$ 200 bilhões
representam um gasto a mais em relação ao esperado, e também um impulso maior.
Nos seus modelos de projeção de inflação, o
Copom não levava em conta uma eventual extensão do Auxilio Brasil para R$ 600.
O mercado já contava com um estouro do teto de cerca de R$ 100 bilhões.
Outro canal que as projeções do Banco
Central podem ser afetadas é pela taxa neutra de juros, que sobem quando há
descontrole fiscal. De fato, no governo Bolsonaro, já subiram, depois de
seguidos furos no teto de gastos, passando de 3% para 4% reais.
Campos Neto vem dizendo que uma volta da
atuação do crédito subsidiado pelos bancos públicos poderia elevar a taxa
neutra. O ex-diretor do Banco Central Fabio Kanczuk, hoje na Asa Investments,
fez recentemente alguns cálculos bem simplificados que mostram que, se a
expansão do crédito direcionado voltar ao patamar da gestão Dilma, a taxa
neutra poderia subir mais um ponto percentual, para 5%.
A alta da taxa neutra significa, grosso
modo, que o Banco Central teria que operar com um nível mais alto de juros para
atingir o mesmo efeito para baixar a inflação. Os juros longos negociados no
mercado, que voltaram a casa dos 6% em termos reais, já indicam uma taxa neutra
maior.
Mesmo que as projeções de inflação não
subam, em tese o Banco Central poderá agir, se considerar que o balanço de
riscos ficou mais negativo. É uma leitura mais subjetiva do colegiado, que não
depende necessariamente da visão do mercado sobre o assunto.
O Copom teve uma visão, de certa forma,
benevolente com a piora do risco fiscal na campanha eleitoral de Bolsonaro.
Desde maio, vem mantendo a tese de que o balanço de riscos é equilibrado, mesmo
coma aprovação da PEC Kamikaze e a percepção de piora fiscal informada pelos
especialistas do mercado nos questionários pré-Copom.
Agora, será mais difícil ignorar, porque os
riscos se acumularam. Campos Neto tem defendido que, mesmo se gastar mais, o
governo Lula poderá conter as incertezas se comunicar bem uma política fiscal
sustentável.
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