Pressão de estados por recursos deverá agravar crise fiscal
O Globo
Prejudicados com o corte eleitoreiro do
ICMS sob Bolsonaro, governadores eleitos tentarão ir à forra com Lula
Quando assumir, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva receberá governadores em romaria de pires na mão. Além dos “investimentos sociais” que levam o novo governo a tentar excluir despesas de quase R$ 200 bilhões do teto de gastos, além das promessas de reajuste real do salário mínimo, correção na tabela do Imposto de Renda e tantas outras, haverá pressão por mais despesas estaduais. Os governadores foram vítimas da sanha eleitoreira do presidente Jair Bolsonaro, que cortou para 17% o ICMS cobrado sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transportes. Com a receita combalida e as finanças em andrajos, eles tentarão ir à forra diante do novo governo.
O corte de impostos gerou três meses de
deflação artificial, não funcionou para reeleger Bolsonaro, e os estados,
prejudicados, foram à Justiça em busca de liminares contra o que consideram um
esbulho. Uma coisa seria reduzir o ICMS como parte de uma reforma tributária
abrangente. Outra, bem diferente, foi a decisão açodada, sob pressão do
Planalto, para dar a Bolsonaro um trunfo eleitoral. Em dois meses de liminares,
entre o final de junho, quando a redução entrou em vigor, e fins de agosto, os
estados haviam deixado de pagar R$ 1,9 bilhão em compromissos financeiros à
União, por ordem judicial, para compensar o corte.
A situação é precária e ainda depende de
decisão final. Por isso os governadores manterão o pedido de compensação pelo
ICMS não recolhido. Além disso, reivindicarão a revisão dos repasses
determinados pela tabela de procedimentos médicos do SUS, congelada há anos.
Pleitearão ainda adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que garante
condições melhores no pagamento da dívida com a União. Por fim, há também obras
que dependem da liberação de recursos federais.
Mesmo estados que já estão no RRF ou cujo
pedido de ajuda está em fase de análise — Rio Grande do Sul, Goiás, Minas e Rio
de Janeiro — deverão propor renegociação dos termos. Lula terá de ouvir queixas
de pelo menos dois governadores que apoiaram Bolsonaro: Cláudio Castro (PL), do
Rio de Janeiro, e Romeu Zema (Novo), de Minas.
O Rio foi o primeiro estado a assinar
acordo para entrar no RRF — e o primeiro a descumpri-lo. Comprometeu-se ainda
em 2017 com uma gestão austera, adequada à situação fiscal do estado. Já no ano
seguinte, a Assembleia Legislativa (Alerj) derrubou um veto a reajustes
salariais para as categorias mais privilegiadas, funcionários do Judiciário e
do Ministério Público. Apenas em junho, com Bolsonaro no Planalto e Castro no
Palácio Guanabara, o Rio firmou outro plano de socorro, beneficiado pela
privatização da Cedae. É provável que Castro tente se aproximar de Lula em
razão das novas pressões fiscais. O mesmo acontecerá com outros governadores,
como Zema, que ainda negocia com a União a adesão ao RRF.
Com toda a pressão vinda dos estados, tem
sido temerário o desdém do novo governo pela necessidade de austeridade fiscal,
expresso na absurda PEC da Transição. Se aprovada, ela representará um aumento
próximo a 2% do PIB nos gastos públicos sem nenhuma fonte de receita
correspondente. Lula pode muito bem achar que isso significará a retomada do
“investimento social”. Na prática, porém, o resultado será o aumento explosivo
na dívida pública, mais inflação e juros mais altos — portanto, menos
crescimento e, desgraçadamente, mais miséria.
Futuro dos 8 bilhões de seres humanos
exigirá cuidado com meio ambiente
O Globo
População maior impõe desafio não apenas de
garantir comida a todos, mas também de zelar pelo planeta
A população mundial levou milhares de anos
para atingir 1 bilhão de pessoas e apenas dois séculos para chegar a 7 bilhões
em 2011. Daí para os atuais 8 bilhões, bastaram 11 anos. O crescimento era de
2% ao ano na década de 1960. Desde então, com a queda na fecundidade (resultado
da educação e da urbanização), é mais lento. A população deverá estabilizar em
2100 em 10,9 bilhões de pessoas, segundo as Nações Unidas. Até lá, o principal
desafio da humanidade não será apenas superar a miséria e garantir comida a
todos. A questão mais imediata para a sobrevivência da espécie hoje é preservar
o meio ambiente.
O mundo se tornou mais urbano, na medida em
que a agricultura mecanizada liberou mão de obra para os setores de indústria e
serviços. De acordo com a ONU, 2007 foi o primeiro ano em que mais gente passou
a viver nas cidades que no campo. A tendência é a população urbana aumentar
ainda mais, exercendo pressão por mais investimentos em transporte, habitação,
acesso a saúde, educação e segurança. Quando o poder público não atende a tais
demandas, as cidades se transformam em polos de violência e de favelização.
As megalópoles africanas e asiáticas serão
as mais populosas. Os governos de Nigéria (Lagos), Congo (Kinshasa), Tanzânia
(Dar es Salaam), Índia (Mumbai e Nova Délhi), Sudão (Cartum) e Níger (Niamey)
estão diante do desafio de garantir habitabilidade nas regiões metropolitanas,
que serão as mais populosas em 2100, pela projeção de pesquisadores das
universidades de Ontário e Terra Nova. Lagos, com 88 milhões de habitantes,
estará à frente na relação das sete maiores cidades. Niamey, com 56 milhões,
será a menor das maiores. Com exceção de Mumbai e Nova Délhi, nenhuma das
atuais regiões metropolitanas mais populosas (Tóquio, Cidade do México, Pequim,
São Paulo e Nova York) estará na lista no final do século.
Para que a realidade não repita roteiros distópicos, é preciso começar hoje a pensar no futuro. As megacidades terão de abrigar populações com uma expectativa de vida maior que a atual. Ao mesmo tempo, será preciso lidar com a degradação ambiental decorrente dos espaços urbanos — representada pela produção crescente de dejetos e pela ameaça a áreas florestais e mananciais. A geração de energia necessária a sustentar o crescimento da população também contribui para agravar a emissão de gases causadores do aquecimento global. Garantir uma evolução demográfica sem traumas, em que as megalópoles se tornem um espaço saudável de convívio democrático, exige reverter a degradação acelerada do meio ambiente. Sem isso, estará em jogo a sobrevivência futura da humanidade.
Lula e as contas
Folha de S. Paulo
Números mostram os perigos de contratar uma
expansão permanente do gasto público
A proposta de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) para elevar os gastos públicos de forma permanente e sem contrapartidas
foi muito mal recebida por qualquer um que se preocupe em fazer contas.
Apesar do saldo positivo do Tesouro
Nacional neste ano (excluindo encargos com juros), simulações realistas mostram
déficits nos próximos anos e crescimento continuado da dívida pública.
Se não for sustada, essa tendência
resultará em mais inflação, juros, desemprego e pobreza.
O ponto de partida do novo governo é
difícil, mas não inviável. Com a alta surpreendente das receitas, em parte
impulsionada pela inflação e pela arrecadação extraordinária de dividendos e
royalties de petróleo, o governo projeta que o Tesouro feche 2022 com superávit
primário de R$ 13,5 bilhões.
A Instituição Fiscal Independente (IFI)
aponta para cifra bem melhor, de R$ 74,1 bilhões.
O problema é que as previsões para o
próximo ano são de sensível deterioração. A proposta de lei orçamentária
enviada pelo Executivo ao Congresso calcula queda aguda das receitas da União,
de 18,2% para 17% do Produto Interno Bruto, pois não se repetirão a bonança de
dividendos da Petrobras e ganhos com leilões e concessões.
Do lado das despesas, ademais, o Orçamento
legado pelo governo atual é irrealista por não prever a continuidade do Auxílio
Brasil de R$ 600 mensais nem abarcar certos pagamentos inevitáveis para o
custeio da máquina pública. Mesmo sem esses gastos, é esperado um deficit de ao
menos 0,5% do PIB.
É nesse
contexto que se examinam os riscos da chamada PEC da Transição, a
proposta de emenda constitucional apresenta por Lula que retira gastos sociais
do teto constitucional e amplia o Orçamento em cerca de R$ 175 bilhões.
Como está, a peça levaria a um rombo fiscal
de R$ 250 bilhões ao ano. O déficit já esperado de 0,5% do PIB para 2023 e
adiante passaria a pelo menos 2% do PIB. O resultado seria um salto de 15
pontos percentuais na dívida pública bruta, que passaria de cerca de 76,5% para
91% do PIB em quatro anos.
Seria
assegurado, desse modo, um cenário de descontrole da economia. Os
números, portanto, demandam do governo eleito um debate mais qualificado. É
possível, por exemplo, garantir as despesas sociais em 2023 com uma permissão
de gastos extras entre R$ 80 bilhões e 100 bilhões; depois será preciso
formular um mecanismo de contenção da dívida.
Esse sinal de prudência restabeleceria a
perspectiva de cortes de juros no ano que vem, com preservação do crescimento
econômico e dos empregos. É nesse ambiente de maior tranquilidade que se deve
discutir a nova regra fiscal.
Armas travadas
Folha de S. Paulo
Deve-se retroceder nos decretos de
Bolsonaro que facilitam o acesso a artefatos
O senador eleito Flávio Dino (PSB-MA),
integrante da equipe de transição de governo, defende que a nova
administração revogue a
avalanche de atos infralegais dos últimos quatro anos favorecendo armas de
fogo. A proposta merece apoio.
Nesse quadriênio, o país presenciou um
atentado ao espírito do Estatuto do Desarmamento, lei de 2003. Foram 17
decretos, 19 portarias, 2 resoluções e 3 instruções normativas que afrouxaram
as regras de acesso a armas e munição.
Farta literatura técnica demonstra com
evidências que a maior circulação de armamento se acompanha de mais acidentes e
suicídios. Em paralelo, crescem as oportunidades para homicídios por motivos
fúteis, como brigas de bar ou trânsito, e para violência doméstica.
Após o recolhimento de 300 mil peças no
primeiro ano da campanha de desarmamento, mortes por tiros caíram 10,5% no
estado de São Paulo e 7% no do Rio de Janeiro. Ao todo, de 2004 a 2014, cerca
de 650 mil armas foram entregues para destruição.
A mera restrição legal não terá o poder,
por si só, de diminuir o acesso de criminosos a artefatos letais. Quadrilhas e
facções sempre encontrarão meios ilícitos para obter armamento, seja por
contrabando ou roubo.
Não cabe ao poder público, entretanto,
facilitar-lhes ferramentas para o cometimento de delitos. E foi precisamente o
que ocorreu com a flexibilização das regras, sob Bolsonaro, para a aquisição de
revólveres, pistolas e até fuzis.
Com a facilidade concedida ao arrepio do
Estatuto, multiplicaram-se sem controle registros de caçadores, atirados e
colecionadores (CACs) e os estandes de tiro. Estes eram 151, no começo do
governo, e foram a quase 2.000. As armas em circulação saltaram de 350 mil para
1 milhão.
Não tardaram
a surgir relatos de desvios desse arsenal para mãos de criminosos e milicianos. O
Exército descurou da fiscalização.
Na reintrodução de limites para posse e
transporte, haverá algum direito adquirido por respeitar, ainda que não no caso
de armas de alto calibre e poder de fogo. Civis não precisam de fuzis
automáticos nem de 180 mil projéteis por ano para exercer seu direito de
defesa, e mesmo assim só em situações muito particulares.
Urge discutir, assim, os detalhes sobre como implementar a proposta de Dino, não o mérito —inegável. É hora de desarmar o Brasil, em todos os sentidos.
A vanguarda do atraso no saneamento
O Estado de S. Paulo
Ao sugerir que pode frear os avanços do novo marco em favor de um modelo flagrantemente ineficaz, a equipe do novo governo dá mostras de descolamento da realidade
Guilherme Boulos (PSOL), deputado federal
eleito por São Paulo e membro da equipe de transição do governo, fez críticas
ao marco do saneamento, aprovado em 2020: “A posição da maior parte dos
partidos que sustentam a coligação presidida pelo presidente Lula no próprio
Congresso, quando foi votado o marco, é que é muito prejudicial o processo de
privatização do saneamento. É muito prejudicial você ter uma agência reguladora
como a Agência Nacional de Águas (ANA), com superpoderes e sem controle da
sociedade”. Em tom de lamentação, Boulos disse que “revisão legal, a equipe de
transição não tem prerrogativa de propor”, mas que proporá revisões
infralegais. Enquanto se espera por essas propostas, preocupa desde já o flerte
com múltiplos retrocessos.
Ao contrário do que se fez na energia,
transportes ou telecomunicações, os serviços de água e esgoto ainda são
prestados quase que exclusivamente por estatais contratadas sem licitação nem
metas, mesmo após a Constituição determinar que todo serviço público fosse
precedido por licitação e proibir tratamento privilegiado a estatais. O
fracasso salta aos olhos. Nada expõe com mais crueldade a desigualdade no
Brasil e, ao mesmo tempo, a ineficiência de um Estado obeso e aferrado a
privilégios corporativos que os 35 milhões de brasileiros sem água potável e os
100 milhões sem coleta de esgoto.
O cenário é triplamente adverso. Primeiro,
porque os índices nacionais estão abaixo dos de outros países nas mesmas
condições econômicas. Depois, porque os investimentos não só são insuficientes,
como vinham se contraindo; finalmente, pelas disparidades regionais: os Estados
com estrutura mais precária (no Norte e no Nordeste) são justamente os que
investem menos.
O marco rompeu essa máquina do atraso,
sobretudo em três aspectos: a exigência de licitação e metas para os contratos;
a padronização da regulação pela esfera federal; e a previsão de blocos
regionais, combinando municípios rentáveis com deficitários, para que os
primeiros ajudem a compensar as carências dos segundos. As garantias de
segurança jurídica e competitividade já dão resultados: os primeiros leilões e
concessões foram marcados por forte concorrência e altos ágios, elevando os
investimentos em 15%. A expectativa para 2023 é de 18%.
Ainda há desafios, como a consumação da
regulação da ANA, que uniformizará as normas pulverizadas entre milhares de
municípios; reformas tributárias que aumentem a capacidade de arrecadação e
investimento municipal; e um plano da União que priorize investimentos em
localidades precárias.
Mas nunca se deve subestimar a vanguarda do
atraso. O saneamento não é calamitoso por acaso. Mesmo depois do marco, lobbies
corporativistas (sobretudo e não à toa do Norte e do Nordeste) tentaram no
Congresso e na Justiça preservar os privilégios das estatais por mais 30 anos,
e, neste ano, resistiram aos decretos federais que buscaram acelerar a
adaptação de Estados, municípios e prestadoras ao marco.
Por décadas o monopólio estatal no saneamento
perpetuou uma catástrofe sanitária e socioeconômica. Agora que um novo modelo
começa a dar frutos, obrigando as prestadoras a comprovar condições técnicas e
financeiras e atraindo investimentos privados – que, inclusive, desafogarão um
poder público fiscalmente sufocado, permitindo-lhe canalizar recursos a
prioridades sociais e, no setor do saneamento, às localidades mais carentes –,
o deputado Boulos, em claro sinal de negacionismo, fala em “revisar” as regras
do setor. Ao contrário do que ele sugeriu, a ANA não tem “superpoderes” sem
“controle da sociedade”. Seus poderes foram conferidos pelo Congresso, visando
à implementação de uma lei aprovada em longas e alentadas deliberações pelo
Congresso, cuja regulação será controlada pelo Congresso.
O marco do saneamento possivelmente servirá
à sociedade como o maior teste para medir se o compromisso do novo governo de
Lula, do PT e de seus aliados é com a realidade e a modernização ou com velhas
ideologias estatólatras manifestamente fracassadas.
Projeções do PIB e o legado de fato
O Estado de S. Paulo
Brasil ganhará se novo governo estiver preparado para herança econômica pior que a das projeções oficiais
Num aparente assomo de realismo, a equipe
econômica reduziu de 2,5% para 2,1% a expansão estimada para o Produto Interno
Bruto (PIB) em 2023, início de mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva. Embora mais modesta que a sustentada até há poucos dias, a nova projeção
oficial ainda é o triplo daquela registrada (0,70%) no boletim Focus,
elaborado pelo Banco Central (BC) com base em consultas semanais a economistas
do setor financeiro e de consultorias. Foi mantido em 2,7% o crescimento
estimado para este ano pelos técnicos do Ministério da Economia. Os números
oficiais são do Boletim Macrofiscal, preparado a cada bimestre pela Secretaria de
Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia. O desempenho estimado para
2022 deve ser sustentado, segundo os técnicos da SPE, principalmente pelos
serviços e pela agropecuária, bem mais dinâmicos que a indústria no terceiro
trimestre deste ano.
Por prudência, a equipe do novo governo
deve dar maior peso às projeções do mercado, bem menos otimistas que as da SPE.
As duas se assemelham ao realçar as condições internacionais desfavoráveis em
2023 e nos anos seguintes, mas o panorama brasileiro é mais luminoso nos
cálculos oficiais. Mas, se o crescimento do PIB for mais próximo daquele
indicado pelo boletim Focus, o governo do presidente Lula terá de
confrontar cenários adversos na área fiscal e no dia a dia da vida econômica.
Com o PIB crescendo 0,7%, ou, de toda
forma, menos que 1% no próximo ano, o aumento da receita tributária será
modesto. Maior arrecadação, no entanto, seria especialmente importante, por
causa das promessas eleitorais e dos desarranjos orçamentários herdados de
2022. Nessas condições, um desdobramento incontornável será o aumento da dívida
pública como porcentagem do PIB. Mas falta acrescentar alguns detalhes
desagradáveis.
A inflação do próximo ano, segundo a SPE,
ficará em 4,60%, abaixo daquela indicada pelo Focus (4,94%), mas
ainda elevada e acima do teto da meta (4,75%). Se isso ocorrer, a inflação terá
superado o teto por três anos consecutivos. Seria irrealista esperar, nessas
condições, uma redução mais veloz dos juros básicos – até porque essa política
seria incompatível com o quadro financeiro internacional.
Nesse quadro, a redução dos juros básicos
para 11,25%, já prevista pelo mercado, pode até parecer satisfatória. Com o
dinheiro caro no Brasil e no exterior, haverá pouco espaço para expansão dos
gastos familiares e dos investimentos das empresas. O novo governo completará
seu primeiro ano com dificuldades fiscais e num cenário de baixo crescimento da
produção e do emprego.
Talvez a equipe econômica do novo
presidente consiga desenhar uma estratégia para contornar esses problemas e
facilitar a expansão da atividade. Mas essa equipe terá de trabalhar muito, nas
próximas semanas, para chegar a janeiro com um plano claro e realista de
reativação econômica. Muito mais que culpar o governo anterior pelos problemas
do País, será preciso mostrar resultados do novo governo.
Desafios de um mundo mais velho
O Estado de S. Paulo
Em 12 anos, o planeta ganhou mais 1 bilhão de habitantes. Mais do que o crescimento, o grande desafio demográfico que o mundo passa a enfrentar é o envelhecimento da população
Talvez soe assustador que, em apenas 12
anos, a população mundial tenha passado de 7 bilhões para 8 bilhões de pessoas,
marca que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), foi atingida no dia
15 de novembro. Se se lembrar que foram necessários 112 anos para que o total
de habitantes do planeta passasse de 1 bilhão para 2 bilhões de pessoas, a
expansão observada agora parece ainda mais preocupante. Temores com relação à
escassez de alimentos, esgotamento de fontes naturais, degradação do meio
ambiente e aumento da pobreza tendem a se acentuar. São problemas reais, alguns
agravados nos últimos anos, mas nem tudo está piorando na velocidade temida.
Há mudanças notáveis, e de grandes
consequências para o futuro, no padrão de evolução da população mundial. A bomba da explosão demográfica foi desativada, diz estudo do Fundo
Monetário Internacional (FMI) sobre o assunto. A taxa de crescimento
da população vem declinando desde a metade do século passado e deve continuar a
diminuir no futuro. Projeções da ONU indicam que o número de países cuja
população diminuirá, hoje em 41, chegará a 88 em 2050. A nova lista inclui a
China, que, em algum momento nos próximos 50 anos, será superada pela Índia
como o país mais populoso do mundo.
Desafios antigos, obviamente, permanecem.
Desigualdade de gênero, persistência da pobreza extrema em regiões da África e
disparidades na taxa de fecundidade de acordo com o grau de desenvolvimento dos
países persistirão nos anos próximos.
Mas um novo desafio demográfico tende a
ocupar o centro das preocupações dos dirigentes nacionais. Trata-se do
envelhecimento da população.
O estudo do FMI mostra que, em meados da
década de 1940 – quando foram criadas instituições multilaterais como a ONU, a
Organização Mundial da Saúde e o próprio FMI –, o número de crianças com até 15
anos correspondia a 7 vezes a população com mais de 65 anos; em pouco mais de
30 anos, os dois grupos terão o mesmo número de pessoas. A expectativa de vida
no mundo, de 34 anos há pouco mais de um século, hoje é de 72 anos. E
continuará aumentando. Já a taxa de crescimento populacional, de mais de 2% ao ano
na década de 1960, está abaixo de 1%. Mesmo na Índia ela tende a diminuir, da
média de 0,8% ao ano entre 2000 e 2020 para 0,7% nos próximos 20 anos.
É dessa combinação que resulta o aumento da
proporção de idosos na população mundial. É uma mudança, diz o estudo do FMI –
assinado pelos professores da Universidade Harvard David E. Bloom e Leo M.
Zucker –, que pressagia imensos desafios para as áreas de saúde, políticas
sociais e economia nas próximas décadas. Haverá mudanças no estilo de vida das
pessoas, nos investimentos públicos e privados, na evolução e uso da
tecnologia.
“As consequências potenciais da inação são
dramáticas: uma força de trabalho em redução pressionada a suportar um número
crescente de aposentados, a concomitante explosão de morbidades ligadas ao
envelhecimento e dos custos com os sistemas de saúde e a redução da qualidade
de vida dos mais velhos por perda de fontes de apoio humanas, financeiras e
institucionais”, adverte o estudo do FMI.
Se há um aspecto favorável nessas mudanças
é o fato de elas serem previsíveis, tanto em sua direção como em seu ritmo.
Isso cria a oportunidade para que os responsáveis pelas ações destinadas a
amortecer os impactos econômicos, sociais e de saúde do envelhecimento da
população mundial disponham de tempo para se organizar, planejar e executar.
Pode-se, ao mesmo tempo que se fortalecem
os mecanismos de atendimento de saúde, desenvolver outros que dotem as pessoas
de maior capacidade de trabalho, de modo que elas atinjam graus mais elevados
de produtividade. O funcionamento adequado das regras de trabalho e do mercado
de capitais é vital para o êxito de programas como esses. Já os investimentos
em infraestrutura devem, obviamente, estar voltados para a criação de espaços
mais saudáveis e adaptados aos idosos.
São novas necessidades que se somam às muitas outras que podem fazer o mundo melhor.
Pouco foco pode atrapalhar trabalhos da
transição
Valor Econômico
A definição de políticas públicas ficaria
para um segundo momento, algo preocupante pois a campanha eleitoral ignorou a
discussão de propostas detalhadas para o Brasil
Nunca antes na história deste país, como
gosta de dizer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, viu-se uma equipe
de transição tão grande. Sob a coordenação geral do futuro vice, Geraldo
Alckmin, o time já conta com mais de 280 pessoas e, na prática, deve crescer.
Afinal, ainda falta a escolha dos titulares da área de Defesa e os responsáveis
pelos grupos temáticos devem chamar especialistas para que estes apresentem
contribuições aos trabalhos.
Está na legislação: o presidente eleito tem
o direito de inteirar-se do funcionamento da administração pública federal e,
com isso, preparar os atos do próximo governo. É positivo que o próximo chefe
do Poder Executivo não tenha que começar do zero.
Para tanto, a lei determina que os
titulares dos órgãos e entidades são obrigados a fornecer as informações
solicitadas pelo coordenador da equipe de transição, além de prestar a ele
apoio técnico e administrativo. A legislação prevê, também, que o próximo
mandatário possa formar uma equipe de transição com 50 cargos em comissão,
devidamente remunerados.
Segundo se sabe, essa cota não foi
preenchida ainda. Porém, o elevado número de voluntários, cerca de 270 até
agora, acaba por suscitar um legítimo questionamento sobre a eficiência dos
trabalhos que se seguirão pelas próximas semanas.
É o maior grupo de transição entre governos
eleitos desde a redemocratização. Ele está dividido em 30 grupos temáticos e
dois subgrupos (Infância e Micro e pequena empresa), os quais podem sinalizar o
futuro organograma da Esplanada dos Ministérios. E ele conta com um conselho
político formado por representantes do que tende a ser a base aliada no
Congresso Nacional. Não é sem justificativa, portanto, a preocupação segundo a
qual um time de colaboradores de tal dimensão acabe gerando ideias e propostas
em profusão, gerando o risco de que, ao fim, estas não se convertam em
políticas públicas concretas.
Segundo publicou o Valor na semana passada, a
principal alegação de alguns integrantes do time para tal batalhão de
colaboradores é de que eles estão participando de um “mutirão de radiografia da
situação do governo atual e do país”. Em outras palavras, argumenta-se que a
atual etapa é apenas transitória: uma oportunidade para fazer um mapeamento
meticuloso da conjuntura e buscar sugestões de diversas vozes e campos
políticos. Além disso, lembram fontes do futuro governo, o Partido dos
Trabalhadores retoma com esse modelo a tradição de ampla participação popular
na elaboração de políticas públicas.
Isso não quer dizer que esse processo não
tenha apresentado alguns problemas. Teve indicado que recusou o convite. Em
alguns grupos, a diminuta diversidade de gênero também chama atenção.
No entanto, isso não é algo inédito. Em
2018, o grupo que colaborou para a transição da atual administração, presidida
por Jair Bolsonaro, era menor do que o de Lula. Mas não deixava de ser
volumoso. E era, como depois visto durante o governo, majoritariamente composto
por homens. Segundo despacho publicado pelo “Diário Oficial da União” em 13 de
dezembro de 2018, eram 217 colaboradores, distribuídos em 18 grupos temáticos.
A equipe de Paulo Guedes, posteriormente nomeado Ministro da Economia, tinha 22
pessoas. Era a maior.
Espera-se, agora, que os trabalhos da
equipe de transição acelerem. O Tribunal de Contas da União (TCU) já entregou
um conjunto de documentos preparados pelas equipes técnicas do órgão para dar
subsídios ao gabinete coordenado por Alckmin. Esses relatórios apresentam
informações sobre a situação de obras, implementação de políticas públicas e
setores de atenção em relação à fiscalização e transparência - dados que
servirão para auxiliar o desenho de programas do governo que terá início em
janeiro.
Mas é aí que ainda reside o mistério. Cada grupo temático formulará um cronograma de atividades e deverá apresentar ao coordenador geral, futuro vice-presidente da República, um relatório final. Em meio à demora de Lula em anunciar os futuros ministros, aqueles que tocarão o dia a dia de cada pasta, corre-se o risco de esses documentos se tornarem apenas compilados de diagnósticos. A definição de políticas públicas ficaria, então, para um segundo momento: algo preocupante, diante da constatação de que a campanha eleitoral praticamente ignorou a discussão de propostas detalhadas para o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário