O Globo
Do ponto de vista da tradição do esporte, o
Catar é pouco importante. Sua seleção está fora da lista das cem melhores do
mundo
A Copa do Mundo começou ontem. Já estamos
pintando ruas, discutindo a convocação de Daniel Alves, palpitando sobre a
escalação, debatendo o potencial dos rivais.
De um modo geral, a resposta é não. O
jornal alemão Bild cunhou a a manchete “Catástrofe” para definir a escolha da
Fifa.
Do ponto de vista da tradição do esporte, o
Catar é pouco importante. Sua seleção está fora da lista das cem melhores do
mundo.
O clima do país é bastante duro para a
prática do esporte. No verão, seria impraticável, sobretudo para seleções que
vêm dos países frios: 50 graus. Foi preciso adiar para o inverno para conseguir
uma temperatura menos cruel para os atletas.
Não será uma Copa barata. Os investimentos devem ser superiores a US$ 220 bilhões, mais que R$ 1 trilhão, 20 vezes acima dos gastos da Copa de 2018 na Rússia.
Se fosse apenas o problema dos gastos,
talvez não se falasse em boicote como se fala na Alemanha.
As emissões de carbono serão três vezes superiores, precisamente num momento em
que se sonhava com emissões zero.
No campo dos direitos humanos, o Catar
também não é o lugar da Copa. Os trabalhadores estrangeiros são
superexplorados, e só recentemente um sistema de contratação retrógrado foi
abolido.
O jornal The Guardian anunciou num certo
momento que mais de 6 mil trabalhadores estrangeiros morreram no Catar. Não se
sabe ao certo quantos morreram na construção dos estádios e da infraestrutura
para a Copa.
Recentemente, o embaixador da Copa, o
ex-atleta Khalid Salman, disse numa entrevista que o “homossexualismo é um dano
mental”. É um aviso sobre os transtornos que torcedores gays podem sofrer no
torneio. Aliás, todos os fãs do esporte terão de desembolsar muito dinheiro
para ver os jogos de perto. Para um brasileiro, a ida ao Catar custaria cerca
de R$ 52 mil.
A esta altura, vale a pena colocar a
questão: por que, com senões, a Fifa escolheu o Catar em 2010? No mundo inteiro
há especulações sobre suborno dos dirigentes da entidade. Muitos já foram
afastados por denúncias de corrupção. Sobre outros casos de suborno, há
processos nos Estados Unidos e, com a péssima fama dos cartolas mundiais,
poucos duvidam de que rolou grana.
Mas há outras especulações: fala-se também
que a França apoiou
o Catar para concluir uma grande venda de armas. De fato, ao lado da Índia e
do Egito,
o Catar é um grande cliente da França.
No calor dos grandes jogos, é possível que
essa controvérsia sobre a Copa no Catar chegue ao Brasil. Na verdade,
torcedores já chegaram ao Catar.
Foi uma surpresa agradável para mim ver
gente dançando e cantando com as bandeiras brasileiras. De um modo geral, a bandeira
e a camisa amarela aparecem aqui em manifestações de protesto.
Infelizmente, seriam torcedores pagos pelo
Catar, o que o comitê organizador nega. Aparentemente chegavam a Doha para
assistir à Copa e engrossar a torcida brasileira. Torcedores temporários, como
foram definidos por lá.
Tudo não passou de uma ilusão momentânea.
Aquela alegria me impressionou, pois parecia que a alma brasileira tinha se
transplantado para corpos indianos, deixando-nos apenas com os símbolos pátrios
nas mãos de uma multidão triste e indignada rezando diante de quartéis.
Cheguei a pensar: felizmente, temos a
música e o futebol. Se tudo acabar por aqui, sempre haverá gente cantando e
dançando com a bandeira e camisas amarelas pelo mundo.
Caí por algumas horas na armadilha dos
organizadores desta Copa fora do lugar. Felizmente, não muito longe dali, no
Egito, o nome da Amazônia voltava a ser pronunciado como um símbolo de
esperança na COP27.
Para muitos de nós, a presença da floresta
tropical, preservada com garantia de uma vida digna para seus habitantes, é um
grande motivo de orgulho.
Dito isso, resta agora torcer pela seleção, sem necessariamente vestir uma camisa amarela e sair por aí. Na melhor das hipóteses, podem nos confundir com torcedores pagos pelo Catar.
Um comentário:
Vesti uma camisa listrada e saí por aí...
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