Folha de S. Paulo
Se apostar na bagunça dos caminhoneiros,
presidente enfrentará reação quase unânime
Quando
apareceu rapidamente em frente às câmaras para saudar o fim do
processo eleitoral e abrir caminho para manter seu quinhão de poder no terceiro
governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), Arthur Lira (PP)
disparou a mais importante sinalização institucional da noite do domingo (30).
O presidente Jair
Bolsonaro (PL) está mais isolado do que nunca, mesmo contando seu
padrão insular de articulação política. O presidente da Câmara foi seguidos
pelo do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e por toda a litania dos Poderes no
reconhecimento do resultado das urnas.
Ninguém apareceu para gritar que houve
fraude fora das redes robotizadas do bolsonarismo. Nenhuma Damares, nenhum
Moro, nenhuma Zambelli. E os líderes mundiais rapidamente parabenizaram Lula,
Joe Biden (EUA) à frente.
Ato contínuo, o mandatário máximo se comportou como criança que perdeu a partida e foi correndo para casa se trancar em um silêncio vexatório, digno de um João Figueiredo saindo do Planalto para não passar a faixa a José Sarney em 1985. E não pôde levar consigo a bola do jogo.
Ela ficou com seus aliados, após quase
quatro anos de ameaças de ruptura de ordens diversas. Não que o potencial
disruptivo do presidente tenha se exaurido por completo, como o silêncio que
mantém até a confecção destas linhas indica e
as barricadas em mais de 240 pontos de estradas federais provam.
Mas tudo indica que, ao
contemplar o abismo em sua solidão, Bolsonaro se veja na posição descrita
por Friedrich Nietzsche em 1886 e seja encarado de volta. E o que ele verá é
uma pletora de ameaças a quaisquer manifestações golpistas daqui em diante.
Um importante presidente de partido de
centro dizia nesta manhã que, se tentar amplificar a bagunça ensaiada
desde domingo por seus aliados caminhoneiros, Bolsonaro irá encarar nada
menos que a sugestão para que renuncie. Impeachment, se houvesse tempo hábil,
estaria à mão também.
Outro líder, este do centrão que reabsorveu
Bolsonaro e aproveitou-se
de sua musculatura eleitoral para engordar a ponto de dominar de vez a
Câmara e o Senado, diz que esforços estão sendo feitos para que o presidente
entre em modo de resignação e entenda que só isso o salva de uma saraivada
imediata de questionamentos jurídicos.
Pois o emprego da Polícia Rodoviária
Federal na
evidente tentativa de intimidar eleitores nordestinos, e na relatada
inação em alguns pontos de bloqueio de estradas, configura crime de
responsabilidade claro, mesmo na visão deste aliado. Não seria o primeiro para
o qual o establishment
fecharia os olhos em nome de não balançar ainda mais o barco.
Mas aqui voltamos ao abismo, ou seja, qual
a contemplação que Bolsonaro faz. Nos delírios bolsonaristas, amparados no
forte apoio a seus atos antidemocráticos, particularmente
os feriados de 7 de Setembro de 2021 e neste ano, uma derrota para Lula
implicaria um movimento de rua imediato em favor do presidente.
Até aqui, o que se vê são crimes contra o
direito de ir e vir praticados por uma minoria importante e organizada, mas uma
minoria. E todo o mundo político, salvo talvez os filhos de Bolsonaro, o
áulico Walter Braga Netto e alguns generais do bolsonarismo, ex-usuários de
farda ou não, já avisou que não entrará no jogo.
Emparedados ficam os militares, que foram
instrumentalizados por Bolsonaro ao servir à sua campanha contra as urnas
eletrônicas: como
a Folha mostrou domingo, há
pressão interna no Planalto para um relatório sugerindo fraudes a ser assinado
pela Defesa.
Se não há nenhum indício de que apoiariam
uma contestação com armas na mão, a movimentação nas estradas enseja
o temor de uma querela institucional: algum governador pede para o Exército
fazer o que a PRF não está fazendo e liberar estrada, e Bolsonaro nega a
autorização, forçando a entrada do Supremo na discussão.
Mas essa hipótese extrema, com suas
variantes, já se mostrou rejeitada pelo entorno ampliado de Bolsonaro, para não
falar em seus adversários percebidos. Mais importante, há a posição do serviço
ativo. O Alto-Comando do Exército, principal colegiado militar do país,
sinalizou ao governo que não irá aderir a nenhuma contestação da eleição.
Um dos movimentos centrais nesse balé foi
dado pelo assertivo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de
Moraes. Ele matou no peito, para usar a expressão de gosto em Brasília, a
cartada dada pela PRF no domingo. Chamou
seu comandante para uma conversinha, conseguiu desmoralizar o processo
golpista e, de quebra, não escalou a crise ao manter o cronograma das eleições.
Sem adiamento do pleito, tudo transcorreu
com tensão, mas com formatação de naturalidade democrática. Resta saber se a
tática do domingo seguirá a mesma, ou se o ministro irá usar o arsenal que tem
à disposição para enquadrar o que resta do governo Bolsonaro.
Essa munição é outro componente do abismo à
frente do presidente, que de resto sempre trabalhou com a hipótese de que
poderia ser preso assim que perdesse o foro privilegiado. Agora a data está
estabelecida, e
o modelo Roberto Jefferson ou Carla Zambelli de reação ronda conversas
de adversários e aliados.
Bolsonaro vende a ideia de que algum tipo de imunidade para si e sua família garantiria a estabilidade pós-derrota. O problema, para ele, é a credibilidade de sua tática mesmo entre quem lhe dá sustentação.
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