O Estado de S. Paulo
Neste finalzinho de ano, Brasil pode
começar a retomar atitudes compatíveis com seu histórico de cooperação na
questão ambiental.
O mais recente Relatório de Avaliação
Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos das Nações Unidas deixou
claro que milhões de espécies podem enfrentar a extinção em decorrência de
redução de habitat, poluição e mudanças climáticas. O documento indica que
estamos numa encruzilhada quanto ao legado que queremos deixar para as futuras
gerações, já que essa perda de biodiversidade tem graves impactos sobre os
sistemas sociais e econômicos, para além da questão ambiental.
O cenário, sem precedentes na história, exige mudanças transformadoras. Por isso, mais uma vez, de forma multilateral, o mundo tenta achar caminhos viáveis para barrar esse desastre. Esse será o desafio da 15.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), prevista para dezembro, em Montreal. O objetivo é aprovar o Marco Global de Biodiversidade contendo 22 metas que passam por valorizar, conservar, restaurar e usar com sabedoria os recursos naturais.
As decisões da COP15 devem fortalecer a
agenda no plano global, nos moldes do Acordo de Paris, do clima. É urgente que
a adoção de práticas sustentáveis não venha apenas dos países megadiversos,
pois se configura responsabilidade de toda a comunidade internacional. Outro
ponto fundamental é a criação de um Fundo Global de Biodiversidade, que captará
recursos, especialmente de países ricos, para contribuir com a disseminação de
ações verdes.
O mundo tem a chance de tornar a
biodiversidade um ativo estratégico. O Brasil, que abriga a maior diversidade
de fauna e flora do planeta e possui a maior floresta tropical do mundo, tem
oportunidades imensuráveis.
O mercado regulado global de carbono pode
ter ainda mais força no País. O valor do carbono a ser negociado a partir de
florestas com grande diversidade pode ser incrementado, tornando a prática da
conservação economicamente vantajosa. Isso também tem conexão com a recém-aprovada
legislação de Pagamentos por Serviços Ambientais, cuja regulamentação ainda
precisa ser efetivada.
Cabe lembrar que o País tem compromissos
internacionais nessa área, como o de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.
Segundo estudo da Universidade de São Paulo (USP), este processo tem potencial
de gerar 2,5 milhões de empregos. Fundos estão sendo articulados para investir
em projetos de restauração de espécies nativas em biomas brasileiros, como a
re.green e a Mombak. Em outra experiência, a Symbiosis Investimentos, há uma
década, realiza silvicultura de árvores nativas da Mata Atlântica no sul da
Bahia.
O desenvolvimento verde pode ser a porta
para começarmos a mitigar iniquidades socioeconômicas, como na região
amazônica, onde boa parte dos 25 milhões de habitantes vive à beira da miséria,
mesmo num local com ricos ativos ambientais. Nessa direção, combater as
ilegalidades, como desmatamento, grilagem, garimpo, é fundamental. A Amazônia é
responsável por regular o regime de chuvas do País, o que nos permite até três
safras agrícolas anuais, possibilitando ao Brasil alimentar cerca de 10% da
população mundial. Mas podemos ir além. Investir em ciência e tecnologia é a
chave para tornar a região um polo de inovação verde.
Fora do bioma Amazônia, o Brasil tem
sistemas produtivos alinhados com o desenvolvimento sustentável e que podem
servir de modelo para outros segmentos. Um exemplo, que já é benchmark global
em uso inteligente da terra, cuidado com a natureza e respeito às pessoas, é a
indústria de árvores plantadas. O setor planta, colhe e replanta em 9,5 milhões
de hectares, comumente em áreas antes degradadas. Ademais, conserva 6 milhões
de hectares de vegetação nativa, uma área do tamanho do Estado do Rio de
Janeiro.
Em rota inovadora, o setor usa a técnica de
mosaico florestal, criando corredores ecológicos, o que favorece a recomposição
e a conservação da diversidade biológica. São mais de 8 mil espécies de fauna e
flora registradas em áreas das companhias. Este modo de trabalhar presta
serviços ambientais como fertilização do solo e regulação do fluxo hídrico,
entre outros.
Por suas riquezas naturais e expertise em
bioeconomia, o Brasil reúne condições para estar na vanguarda do novo paradigma
produtivo. Temos em mãos uma oportunidade singular de nos reposicionarmos
internacionalmente. O momento exige que a luta pela biodiversidade envolva
todos: governo, academia, setor privado, consumidores e sociedade.
Vale dizer que, antes da COP15 da CDB, o
País já terá uma importante missão no Egito, durante a COP27 do Clima. É
imprescindível que o Brasil demonstre que está disposto a cumprir com os
compromissos internacionais, como aqueles assumidos em Glasgow com relação à
redução de desmatamento, menor emissão de CO2 e de gás metano, entre outros.
Enfim, neste finalzinho de 2022, o País tem
oportunidades efetivas para começar a retomar atitudes compatíveis com seu histórico
de cooperação planetária na questão ambiental. Trata-se de um movimento que
pode ajudar não apenas a transformar o modelo civilizacional, mas também a
estruturar um novo tempo da história nacional, com desenvolvimento
socioeconômico inclusivo e sustentável.
*Economista, presidente-executivo da IBÁ, membro do Conselho Consultivo do Renovabr, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
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