quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Nilson Teixeira - Ruídos na comunicação de Lula

Valor Econômico

Reação negativa dos preços dos ativos pode ser revertida até antes do anúncio da equipe de governo e das estatais

O presidente eleito tem usado seus discursos para enfatizar que a principal missão do seu governo será a eliminação da miséria e a redução da pobreza nos próximos anos. Essa escolha é ainda mais justificável no caso de Lula devido à enorme dianteira da sua votação frente ao resultado do candidato incumbente entre a população das regiões mais carentes e os eleitores de menor renda. O discurso de Lula em 10 de novembro, proferido no calor da emoção para “pessoas mais qualificadas do ponto de vista político”, se norteou provavelmente por essa diretriz.

Mesmo assim, a interpretação da maioria dos participantes de mercado foi de que o presidente eleito criticou possíveis restrições impostas ao combate à pobreza pelo controle da inflação e das contas públicas. Os comentários contribuíram para a forte alta dos juros, a expressiva depreciação cambial e o enorme recuo dos preços da maioria das ações, movimento contrário ao dos preços dos ativos no exterior, que aumentavam bastante no mesmo dia, após a divulgação de uma inflação ao consumidor nos Estados Unidos inferior à prevista pelo mercado.

Os aliados do presidente eleito tiveram uma interpretação mais favorável sobre o discurso e a maioria entendeu o forte recuo dos preços dos ativos locais como uma reação contrária ao presidente por parte dos participantes de mercado. Certamente, não se tratou disso.

Mesmo sem menosprezar diretamente o regime de metas de inflação ou a responsabilidade fiscal, os comentários de Lula abriram espaço para a construção de um cenário, mesmo que de baixa probabilidade, em que o futuro governo poderia adotar políticas que, mais adiante, colocariam sob risco a estabilidade inflacionária e fiscal.

O discurso de 10 de novembro ouvido com atenção em sua integralidade admite, porém, uma leitura mais benigna, ainda mais considerando o público presente.

A interpretação de que a fala sinalizaria preferência por uma meta de crescimento em vez de uma meta de inflação, por exemplo, parece frágil quando cotejada pelo reconhecimento recorrente do próprio Lula sobre a importância da inflação baixa e estável para os mais pobres. Além disso, não houve nenhuma indicação na campanha eleitoral de que a inflação seria tolerada no seu terceiro mandato. A menção de uma meta de crescimento pode representar, portanto, simplesmente o reconhecimento de que a diminuição permanente da pobreza requer ampliação de forma sustentável do crescimento potencial.

A vivência política de Lula e de Geraldo Alckmin certamente ensinou-lhes que a melhoria das condições de vida dos mais pobres, bem como a manutenção de uma inflação baixa, exige um arcabouço fiscal robusto que garanta a solvência da dívida pública. Para uma avaliação mais construtiva sobre o tema, pode-se recorrer à menção de Lula sobre uma “política fiscal séria”. Nesse contexto, o arcabouço fiscal que substituirá a Regra do Teto dos Gastos terá de garantir a estabilização e o posterior declínio da dívida pública nos próximos anos. Uma opção de fácil compreensão seria a adoção de um sistema de regras baseado em uma meta de superávit primário que convirja para 2,5% do PIB até 2026 e de limites condicionais para a ampliação de despesas específicas.

A apreensão aumentou com o risco de manutenção de resultados fiscais negativos por um período prolongado. Esse sentimento tem sido reforçado pelas tratativas no Congresso para o cumprimento no próximo ano de algumas das promessas de campanha, que elevam o déficit primário na PLOA de 2023 em mais de 1,5% do PIB.

O futuro governo pode eliminar esse risco caso proponha, antes da votação da PEC resultante do acordo, um arcabouço fiscal firme. Para atenuar críticas sobre o aumento do déficit primário em 2023, Lula e Alckmin poderiam adicionalmente pedir para os congressistas votarem a proposta de cobrança de IR sobre lucros e dividendos.

Outros fatores têm influenciado negativamente o sentimento de mercado. Uma das críticas refere-se à demora do anúncio do nome do ministro da Economia, com alguns comentários sobre ser inadequado tratar do orçamento sem a presença do futuro ministro. É uma crítica menos sólida, pois essas discussões ocorrem sob a égide do candidato escolhido pela maioria dos eleitores para propor as políticas públicas pelos próximos quatro anos.

Uma outra crítica frequente é a presença na equipe de transição e nos grupos temáticos de alguns membros associados a políticas classificadas como fracassadas. Essa avaliação é atenuada, por ora, por conta da presença de nomes com boa representatividade e pela afirmativa de Lula de que essa participação não é uma sinalização sobre quem estará nos principais cargos do governo.

É inegável, porém, que a ausência de um detalhamento sobre as políticas a serem adotadas impede que se afaste a possibilidade de descontrole fiscal ou inflacionário. Mesmo assim, esse desequilíbrio exigiria que Lula e Alckmin desprezassem a avaliação de que não é possível cumprir suas promessas sem uma inflação baixa e controlada nem sem um arcabouço fiscal que garanta a estabilização da dívida pública. Os vencedores da eleição presidencial teriam também de desconsiderar as palavras proferidas no próprio discurso de 10 de novembro acerca da impossibilidade de governar sem credibilidade, sem previsibilidade e sem estabilidade política, econômica, jurídica e social. São hipóteses irrealistas no momento, o que fragiliza o cenário de descontrole.

Apesar dos ruídos gerados desde o fim da semana passada, o discurso de 10 de novembro não alterou a minha avaliação de que o futuro governo está ciente de que o cumprimento de suas promessas só será possível com a busca incessante de uma inflação baixa e estável, bem como de resultados fiscais capazes de garantir a solvência da dívida pública. Não há outra forma de o terceiro mandato de Lula ser bem-sucedido. Assim, a reação negativa dos preços dos ativos pode ser revertida até mesmo antes do anúncio da equipe de governo e das estatais, assim como das políticas a serem adotadas. É essa a minha aposta.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

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