Valor Econômico
Reação negativa dos preços dos ativos pode
ser revertida até antes do anúncio da equipe de governo e das estatais
O presidente eleito tem usado seus
discursos para enfatizar que a principal missão do seu governo será a
eliminação da miséria e a redução da pobreza nos próximos anos. Essa escolha é
ainda mais justificável no caso de Lula devido à enorme dianteira da sua
votação frente ao resultado do candidato incumbente entre a população das regiões
mais carentes e os eleitores de menor renda. O discurso de Lula em 10 de
novembro, proferido no calor da emoção para “pessoas mais qualificadas do ponto
de vista político”, se norteou provavelmente por essa diretriz.
Mesmo assim, a interpretação da maioria dos
participantes de mercado foi de que o presidente eleito criticou possíveis
restrições impostas ao combate à pobreza pelo controle da inflação e das contas
públicas. Os comentários contribuíram para a forte alta dos juros, a expressiva
depreciação cambial e o enorme recuo dos preços da maioria das ações, movimento
contrário ao dos preços dos ativos no exterior, que aumentavam bastante no
mesmo dia, após a divulgação de uma inflação ao consumidor nos Estados Unidos
inferior à prevista pelo mercado.
Os aliados do presidente eleito tiveram uma interpretação mais favorável sobre o discurso e a maioria entendeu o forte recuo dos preços dos ativos locais como uma reação contrária ao presidente por parte dos participantes de mercado. Certamente, não se tratou disso.
Mesmo sem menosprezar diretamente o regime
de metas de inflação ou a responsabilidade fiscal, os comentários de Lula
abriram espaço para a construção de um cenário, mesmo que de baixa
probabilidade, em que o futuro governo poderia adotar políticas que, mais
adiante, colocariam sob risco a estabilidade inflacionária e fiscal.
O discurso de 10 de novembro ouvido com
atenção em sua integralidade admite, porém, uma leitura mais benigna, ainda
mais considerando o público presente.
A interpretação de que a fala sinalizaria
preferência por uma meta de crescimento em vez de uma meta de inflação, por
exemplo, parece frágil quando cotejada pelo reconhecimento recorrente do
próprio Lula sobre a importância da inflação baixa e estável para os mais
pobres. Além disso, não houve nenhuma indicação na campanha eleitoral de que a
inflação seria tolerada no seu terceiro mandato. A menção de uma meta de
crescimento pode representar, portanto, simplesmente o reconhecimento de que a
diminuição permanente da pobreza requer ampliação de forma sustentável do
crescimento potencial.
A vivência política de Lula e de Geraldo
Alckmin certamente ensinou-lhes que a melhoria das condições de vida dos mais
pobres, bem como a manutenção de uma inflação baixa, exige um arcabouço fiscal
robusto que garanta a solvência da dívida pública. Para uma avaliação mais
construtiva sobre o tema, pode-se recorrer à menção de Lula sobre uma “política
fiscal séria”. Nesse contexto, o arcabouço fiscal que substituirá a Regra do
Teto dos Gastos terá de garantir a estabilização e o posterior declínio da
dívida pública nos próximos anos. Uma opção de fácil compreensão seria a adoção
de um sistema de regras baseado em uma meta de superávit primário que convirja
para 2,5% do PIB até 2026 e de limites condicionais para a ampliação de
despesas específicas.
A apreensão aumentou com o risco de
manutenção de resultados fiscais negativos por um período prolongado. Esse
sentimento tem sido reforçado pelas tratativas no Congresso para o cumprimento
no próximo ano de algumas das promessas de campanha, que elevam o déficit
primário na PLOA de 2023 em mais de 1,5% do PIB.
O futuro governo pode eliminar esse risco
caso proponha, antes da votação da PEC resultante do acordo, um arcabouço
fiscal firme. Para atenuar críticas sobre o aumento do déficit primário em
2023, Lula e Alckmin poderiam adicionalmente pedir para os congressistas
votarem a proposta de cobrança de IR sobre lucros e dividendos.
Outros fatores têm influenciado
negativamente o sentimento de mercado. Uma das críticas refere-se à demora do
anúncio do nome do ministro da Economia, com alguns comentários sobre ser
inadequado tratar do orçamento sem a presença do futuro ministro. É uma crítica
menos sólida, pois essas discussões ocorrem sob a égide do candidato escolhido
pela maioria dos eleitores para propor as políticas públicas pelos próximos
quatro anos.
Uma outra crítica frequente é a presença na
equipe de transição e nos grupos temáticos de alguns membros associados a
políticas classificadas como fracassadas. Essa avaliação é atenuada, por ora,
por conta da presença de nomes com boa representatividade e pela afirmativa de
Lula de que essa participação não é uma sinalização sobre quem estará nos
principais cargos do governo.
É inegável, porém, que a ausência de um
detalhamento sobre as políticas a serem adotadas impede que se afaste a
possibilidade de descontrole fiscal ou inflacionário. Mesmo assim, esse
desequilíbrio exigiria que Lula e Alckmin desprezassem a avaliação de que não é
possível cumprir suas promessas sem uma inflação baixa e controlada nem sem um
arcabouço fiscal que garanta a estabilização da dívida pública. Os vencedores
da eleição presidencial teriam também de desconsiderar as palavras proferidas
no próprio discurso de 10 de novembro acerca da impossibilidade de governar sem
credibilidade, sem previsibilidade e sem estabilidade política, econômica,
jurídica e social. São hipóteses irrealistas no momento, o que fragiliza o
cenário de descontrole.
Apesar dos ruídos gerados desde o fim da
semana passada, o discurso de 10 de novembro não alterou a minha avaliação de
que o futuro governo está ciente de que o cumprimento de suas promessas só será
possível com a busca incessante de uma inflação baixa e estável, bem como de
resultados fiscais capazes de garantir a solvência da dívida pública. Não há outra
forma de o terceiro mandato de Lula ser bem-sucedido. Assim, a reação negativa
dos preços dos ativos pode ser revertida até mesmo antes do anúncio da equipe
de governo e das estatais, assim como das políticas a serem adotadas. É essa a
minha aposta.
*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia
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