Valor Econômico
Inflação ficará na meta no ano que vem
apesar de gasto extra de R$ 130 bilhões, projeta Banco Central
O Banco Central começou a incluir nas suas
contas as despesas acima do teto de gastos no ano que vem. O valor adicionado
nos modelos de projeção econômica, por enquanto, chega a R$ 130 bilhões, e
surpreendentemente não impede que a inflação caminhe para a meta no prazo
proposto, em meados de 2024.
Isso não quer dizer que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteja completamente tranquilo. Um eventual descontrole fiscal machucaria muito mais pelo canal das incertezas, que levaria à alta da cotação do dólar, e pela desancoragem das expectativas de inflação. Por isso, os principais pontos da longa conversa dele na semana passada com o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram sobre a definição da regra fiscal que vai vigorar no governo Lula e sobre a coordenação, daqui para frente, das políticas monetária e fiscal.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
da Transição aprovada no Senado superou os valores inicialmente estimado pelo
mercado. A expectativa era que as despesas ultrapassassem o teto em R$ 100
bilhões. No fim, a licença para gastar ficou em R$ 192 bilhões, segundo
cálculos da consultoria do Orçamento do Congresso. Isso não significa, porém,
que todo esse montante será mesmo gasto.
Os analistas do mercado e o Banco Central
estão fazendo os cálculos de quanto poderá ser, de fato, essa despesa. O
governo, historicamente, enfrenta dificuldades para executar investimentos. O
programa Minha Casa Minha Vida levaria alguns meses para engatar. Uma dúvida
importante é se o governo Lula vai, de fato, fazer um pente-fino do cadastro do
Bolsa Família, que foi praticamente destruído pelo atual presidente.
Em meio a tantas incertezas, o Banco
Central perguntou a opinião do mercado financeiro sobre quanto de fato vai ser
gasto além de teto de despesas, no questionário feito tradicionalmente antes
das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). A mediana das estimativas
aponta uma expansão de R$ 130 bilhões. Pelo menos 75% dos analistas acham que o
gasto adicional ficará abaixo de R$ 150 bilhões. Ou seja, não chegará no limite
autorizado pela PEC.
O Banco Central colocou uma despesa
adicional de R$ 130 bilhões no seu modelo de projeção de inflação. Até outubro,
o pressuposto era que não houvesse nenhum gasto adicional fora do teto. Chama a
atenção que, apesar do gasto adicional, a inflação projetada pouco se modificou.
Em outubro, o Copom projetava uma inflação
de 3,2% no período de 12 meses até junho de 2024, bem próxima da meta estimada
para esse período. Agora em dezembro, com o gasto adicional, a projeção ficou
em 3,3% e, na opinião do Copom, está basicamente na meta.
Muita gente estranhou que, depois de
incluir toda essa despesa adicional, a projeção de inflação não mudou muito. A
avaliação mais geral do mercado é que esses R$ 130 bilhões cheguem próximos do
que seria a estabilidade da despesa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)
entre este ano e o próximo.
Mas, escondida nessa estabilidade, tem
muita coisa acontecendo. Desde o segundo turno das eleições, os analistas do
mercado passaram a prever que o ciclo de corte dos juros, que hoje estão em
13,75% ao ano, vá começar apenas em agosto, em vez de junho. De meados do ano
que vem em diante, há algo como 0,5 ponto percentual a mais de juros na curva
Focus. Os juros de mercado também subiram fortemente, o que significa, na
prática, um aperto monetário adicional. Pelo lado da demanda agregada, o aperto
nas condições financeiras age na direção da contração - e atua para anular pelo
menos uma parte dos efeitos do aumento de gastos.
Entre as reuniões do Copom de outubro e
agosto, a cotação do dólar ficou mais ou menos parada, em R$ 5,25. Mas,
provavelmente, teria caído. Ultimamente, o dólar vem tendo uma tendência de
enfraquecimento em relação a outras moedas, e o real não está acompanhando esse
ganho. Uma possível explicação para isso é que a incerteza fiscal impediu a valorização
do real. Muitos acreditam que, pelas condições de fluxo de ingresso e saída no
mercado de câmbio, a cotação do dólar poderia cair a cerca de R$ 4,80.
Uma preocupação muito frequente no mercado
é sobre como o novo governo vai reagir caso se confirme um quadro de retração
econômica mais forte, agravado pelo aperto nas condições financeiras causado
pela incerteza fiscal. Um receio comum é que o governo Lula dobre a aposta,
fazendo uma nova expansão fiscal em 2023.
Campos Neto, na sua conversa com Haddad,
levou a sua preocupação sobre esse assunto. A ata do Copom, divulgada na semana
passada, chama a atenção para a baixa eficácia da política fiscal para
estimular a atividade quando a capacidade ociosa da economia é reduzida. O
comitê estimou que a ociosidade tenha sido de 0,8% em setembro, mas o consenso
do mercado é que a economia estivesse operando em plena capacidade. Nessas
condições, estímulos fiscais têm pouco efeito na atividade e muito efeito na
inflação.
A resposta do futuro ministro Haddad, em
entrevista coletiva, foi na linha de que o instrumento a ser usado para
estimular a economia é a política monetária, se eventuais cortes de juros forem
compatíveis com o cumprimento das metas de inflação. Esse é um primeiro sinal
na direção do que defende o Copom. Mas a coordenação entre as políticas
monetária e fiscal deverá ser uma tarefa permanente no governo Lula.
A outra preocupação do Banco Central é com
o anúncio de uma nova regra de gastos, em substituição ao teto. A PEC da
Transição foi o tiro de morte na antiga regra fiscal, que já havia sido
desmoralizada no governo Jair Bolsonaro. Tudo caminha na direção de que, daqui
por diante, o que vai servir de âncora fiscal serão os superávits primários. O
que falta é definir como essa regra pode garantir que a dívida pública vá
entrar numa trajetória sustentável.
Campos Neto vem repetindo ultimamente que,
com uma política fiscal bem desenhada e comunicada, o governo Lula poderá fazer
mais gastos na área social do que faria num ambiente de incerteza.
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