segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Alex Ribeiro - BC quer coordenação monetária e fiscal

Valor Econômico

Inflação ficará na meta no ano que vem apesar de gasto extra de R$ 130 bilhões, projeta Banco Central

O Banco Central começou a incluir nas suas contas as despesas acima do teto de gastos no ano que vem. O valor adicionado nos modelos de projeção econômica, por enquanto, chega a R$ 130 bilhões, e surpreendentemente não impede que a inflação caminhe para a meta no prazo proposto, em meados de 2024.

Isso não quer dizer que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, esteja completamente tranquilo. Um eventual descontrole fiscal machucaria muito mais pelo canal das incertezas, que levaria à alta da cotação do dólar, e pela desancoragem das expectativas de inflação. Por isso, os principais pontos da longa conversa dele na semana passada com o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram sobre a definição da regra fiscal que vai vigorar no governo Lula e sobre a coordenação, daqui para frente, das políticas monetária e fiscal.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição aprovada no Senado superou os valores inicialmente estimado pelo mercado. A expectativa era que as despesas ultrapassassem o teto em R$ 100 bilhões. No fim, a licença para gastar ficou em R$ 192 bilhões, segundo cálculos da consultoria do Orçamento do Congresso. Isso não significa, porém, que todo esse montante será mesmo gasto.

Os analistas do mercado e o Banco Central estão fazendo os cálculos de quanto poderá ser, de fato, essa despesa. O governo, historicamente, enfrenta dificuldades para executar investimentos. O programa Minha Casa Minha Vida levaria alguns meses para engatar. Uma dúvida importante é se o governo Lula vai, de fato, fazer um pente-fino do cadastro do Bolsa Família, que foi praticamente destruído pelo atual presidente.

Em meio a tantas incertezas, o Banco Central perguntou a opinião do mercado financeiro sobre quanto de fato vai ser gasto além de teto de despesas, no questionário feito tradicionalmente antes das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). A mediana das estimativas aponta uma expansão de R$ 130 bilhões. Pelo menos 75% dos analistas acham que o gasto adicional ficará abaixo de R$ 150 bilhões. Ou seja, não chegará no limite autorizado pela PEC.

O Banco Central colocou uma despesa adicional de R$ 130 bilhões no seu modelo de projeção de inflação. Até outubro, o pressuposto era que não houvesse nenhum gasto adicional fora do teto. Chama a atenção que, apesar do gasto adicional, a inflação projetada pouco se modificou.

Em outubro, o Copom projetava uma inflação de 3,2% no período de 12 meses até junho de 2024, bem próxima da meta estimada para esse período. Agora em dezembro, com o gasto adicional, a projeção ficou em 3,3% e, na opinião do Copom, está basicamente na meta.

Muita gente estranhou que, depois de incluir toda essa despesa adicional, a projeção de inflação não mudou muito. A avaliação mais geral do mercado é que esses R$ 130 bilhões cheguem próximos do que seria a estabilidade da despesa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) entre este ano e o próximo.

Mas, escondida nessa estabilidade, tem muita coisa acontecendo. Desde o segundo turno das eleições, os analistas do mercado passaram a prever que o ciclo de corte dos juros, que hoje estão em 13,75% ao ano, vá começar apenas em agosto, em vez de junho. De meados do ano que vem em diante, há algo como 0,5 ponto percentual a mais de juros na curva Focus. Os juros de mercado também subiram fortemente, o que significa, na prática, um aperto monetário adicional. Pelo lado da demanda agregada, o aperto nas condições financeiras age na direção da contração - e atua para anular pelo menos uma parte dos efeitos do aumento de gastos.

Entre as reuniões do Copom de outubro e agosto, a cotação do dólar ficou mais ou menos parada, em R$ 5,25. Mas, provavelmente, teria caído. Ultimamente, o dólar vem tendo uma tendência de enfraquecimento em relação a outras moedas, e o real não está acompanhando esse ganho. Uma possível explicação para isso é que a incerteza fiscal impediu a valorização do real. Muitos acreditam que, pelas condições de fluxo de ingresso e saída no mercado de câmbio, a cotação do dólar poderia cair a cerca de R$ 4,80.

Uma preocupação muito frequente no mercado é sobre como o novo governo vai reagir caso se confirme um quadro de retração econômica mais forte, agravado pelo aperto nas condições financeiras causado pela incerteza fiscal. Um receio comum é que o governo Lula dobre a aposta, fazendo uma nova expansão fiscal em 2023.

Campos Neto, na sua conversa com Haddad, levou a sua preocupação sobre esse assunto. A ata do Copom, divulgada na semana passada, chama a atenção para a baixa eficácia da política fiscal para estimular a atividade quando a capacidade ociosa da economia é reduzida. O comitê estimou que a ociosidade tenha sido de 0,8% em setembro, mas o consenso do mercado é que a economia estivesse operando em plena capacidade. Nessas condições, estímulos fiscais têm pouco efeito na atividade e muito efeito na inflação.

A resposta do futuro ministro Haddad, em entrevista coletiva, foi na linha de que o instrumento a ser usado para estimular a economia é a política monetária, se eventuais cortes de juros forem compatíveis com o cumprimento das metas de inflação. Esse é um primeiro sinal na direção do que defende o Copom. Mas a coordenação entre as políticas monetária e fiscal deverá ser uma tarefa permanente no governo Lula.

A outra preocupação do Banco Central é com o anúncio de uma nova regra de gastos, em substituição ao teto. A PEC da Transição foi o tiro de morte na antiga regra fiscal, que já havia sido desmoralizada no governo Jair Bolsonaro. Tudo caminha na direção de que, daqui por diante, o que vai servir de âncora fiscal serão os superávits primários. O que falta é definir como essa regra pode garantir que a dívida pública vá entrar numa trajetória sustentável.

Campos Neto vem repetindo ultimamente que, com uma política fiscal bem desenhada e comunicada, o governo Lula poderá fazer mais gastos na área social do que faria num ambiente de incerteza.

 

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