Folha de S. Paulo
Se o governo eleito não toma decisões
impopulares no início do mandato, o que acontecerá nas próximas eleições?
Como os assassinos, os políticos devem não
só ter uma arma, mas também um motivo e uma oportunidade para manipular a
economia. A afirmação é de Edward Tufte, em "Political Control of the Economy". Ou seja, os
políticos devem ter incentivos, instrumentos e a ocasião para, digamos, gerar
déficits ou distribuir benefícios.
Tufte cita "Six Crises" (1962),
livro no qual Nixon afirmava que o insucesso dos republicanos em 1954, 1958 e
1960, devera-se ao mal desempenho da economia nos anos eleitorais. Sim, o
notório conservador fiscal reconhecia o retorno da expansão do gasto em ano
eleitoral.
Na linguagem de Tufte, o incentivo para a expansão fiscal em ano eleitoral é a reeleição; as "armas do crime", variadas: aumento dos valores de benefícios e salário mínimo, desonerações etc; a oportunidade é o estado de calamidade, que cria cláusulas de escape de regras fiscais.
O timing é tudo, ou quase tudo: ele explica
a explosão de benefícios ocorridos no período pré-eleitoral na
disputa de 2022. Confirmaram-se também duas outras previsões da literatura. A primeira
é que a expansão do gasto e benefícios será tanto maior quanto mais competitivo o pleito. A "corrida
armamentista" —caracterizando uma espécie de leilão para o valor de
auxílios— foi, sem dúvida, reflexo da disputa acirrada.
A segunda é que o impacto será proporcional
à proximidade das eleições —e ainda maior se combinado com oportunidades para a
reivindicação do crédito político. Natália Bueno (Emory University) confirmou esta hipótese para
o Minha Casa, Minha Vida (2010-2016) e o Bolsa Família (2004-2016).
O ciclo político do gasto e da provisão de
benefícios é universal: o padrão é "primeiro custos, depois
benefícios". Como governar implica inexoravelmente em tomar decisões
impopulares, governantes recém-eleitos utilizam o período de lua de mel para
tomá-las. E saem do palanque (o que até agora inusitadamente não aconteceu,
inclusive com o titular da Fazenda).
O que explica, portanto, o paradoxo atual
de um governo recém-eleito propor o aumento do gasto previsto no Orçamento de
2023, o que caracteriza uma inversão desse padrão? Há vários fatores em jogo,
mas o principal é que se trata de um governo fraco politicamente, cuja
coligação conta com menos de ¼ da Câmara dos Deputados. E que enfrenta uma
oposição aguerrida nas ruas e na opinião pública. E seu partido com um legado
fiscal desastroso. Há o medo de uma onda de impopularidade.
A questão premente é que se o governo fraco
não toma decisões impopulares no início do mandato, o que acontecerá no próximo
ano eleitoral, quando as pressões políticas serão avassaladoras?
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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