O Estado de S. Paulo.
Estratégia é compartilhada por populistas como Trump, Bolsonaro e López Obrador
Enquanto alguns líderes com ambições autoritárias ainda optam pela abordagem clássica de destruir a democracia – como Pedro Castillo, cuja tentativa de autogolpe no dia 7 fracassou –, um grupo crescente escolhe uma estratégia mais sutil, buscando enfraquecer os órgãos eleitorais de seus respectivos países, para depois poder lançar dúvidas sobre os resultados. Sem apresentar provas concretas de fraude, tais líderes questionam a imparcialidade das estruturas responsáveis pela organização dos pleitos e sugerem que o sistema opera contra eles. Projetando-se como “homens do povo” em luta contra o establishment, argumentam que o sistema eleitoral é corrupto, enviesado e não transparente.
Foi exatamente com essa argumentação que o
partido governista mexicano aprovou no Congresso, na quinta-feira, uma reforma
eleitoral, reduzindo o financiamento público para o Instituto Nacional
Eleitoral (INE), entidade autônoma responsável pela organização das eleições. O
INE perderá em torno de 85% de sua burocracia profissional, limitando sua
capacidade de garantir a organização de eleições limpas. Trata-se de um ataque
devastador contra a democracia mexicana.
Tanto quanto Trump e Bolsonaro, que nunca
explicitamente reconheceram suas derrotas nas eleições de 2020 e 2022,
respectivamente, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador (conhecido como
AMLO), não aceitou sua derrota nas eleições presidenciais de 2006, quando
perdeu por 0.4% dos votos.
Os ataques contra órgãos eleitorais são o
reflexo natural de lideranças cujo objetivo é a concentração indevida de poder.
Enquanto Donald Trump tentou, sem sucesso, convencer funcionários eleitorais a
alterar o resultado em alguns Estados que perdeu em 2020, o presidente
Bolsonaro há anos semeou dúvidas e instou seus seguidores a criticarem o TSE. O
resultado são democracias mais vulneráveis e uma quantidade cada vez maior de
seguidores incapazes a virar a página quando seu candidato perde. Da mesma
forma, os ataques populistas contra os órgãos eleitorais servem para promover
uma teoria conspiratória usada com frequência: a burocracia estatal seria
controlada por uma elite desconectada do “povo” e, portanto, representa uma
ameaça à vontade popular.
As investidas contra os órgãos eleitorais
têm o potencial de corroer a estabilidade democrática, pois reduzem, aos olhos
de parte dos eleitores, a legitimidade dos governantes e afetam negativamente a
governabilidade.
As estratégias de Trump, AMLO e Bolsonaro podem ter sinais ideológicos diferentes – AMLO é de esquerda, enquanto Trump e Bolsonaro são de direita – , mas a essência de sua rejeição de freios e contrapesos é a mesma. Inimigos, é claro, são rotulados como “inimigos da pátria”.
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