segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Denis Lerrer Rosenfield* - Entre as chamas e o atraso

O Estado de S. Paulo.

Se as chamas de Brasília mostram a violência do bolsonarismo, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado

Benjamin Constant, o célebre liberal francês do início do século 19, escreveu que as chamas de Moscou eram a aurora da humanidade. Referia-se ele à derrota de Napoleão ante o Exército russo, pois, em sua perspectiva, o governante francês era um ditador, que viveria, naquele então, o seu ocaso. Este dizer veio-me à mente ao visualizar as chamas de Brasília, sem que, para além do estertor de Jair Bolsonaro, não se consiga entrever uma aurora qualquer, senão a volta a um suposto idílio petista anterior. Se as chamas mostram a violência do bolsonarismo, incapaz de conviver com as diferenças e a liberdade, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado.

Se fosse para regressar ao passado, seria mais sábio Lula voltar para o seu primeiro mandato. Lá, para além de esbravejar contra a “herança maldita”, numa deslavada mentira, soube se cercar de uma equipe econômica competente, tendo à frente Antonio Palocci e Henrique Meirelles, um na Fazenda, outro no Banco Central. Política fiscal responsável de mãos dadas com a política monetária. Na verdade, o ministro Palocci teve a inteligência de seguir os passos de seu antecessor, Pedro Malan, tendo sido ambos brilhantes na condução da política econômica, sem ranços ideológicos. Se Palocci tornou-se um nome proibido dentro do PT, nada disso deveria obscurecer toda a sua contribuição para o País. Corrupção não foi exclusividade sua, mas de toda a cúpula petista e, também, de partidos aliados.

Entretanto, o presidente eleito esquece-se dessa parte de seu passado, aquela que apontaria para o futuro. Em vez disso, está optando pela segunda metade do seu segundo mandato e pelo governo Dilma, que terminou em fracasso econômico e no seu impeachment. Em vez de pautar-se por Lula 1, a escolha consiste numa reedição de Dilma. Se não deu certo lá, por que daria certo agora?

Nunca está por demais lembrar que Lula não foi eleito pelo programa e pelas ideias de seu partido, mas por ter constituído uma frente ampla, visando a derrotar um governo que jogava no limite, senão para além das regras do sistema democrático. Até economistas liberais afiançaram o candidato, acreditando, provavelmente, numa reedição de Lula 1. A hegemonia petista na tal frente mostra-se, aliás, por todos os lados, expondo não apenas fraturas, mas falta de compromisso com um governo plural. O que se observa de pluralismo é a continuação das negociações partidárias que já estavam em curso no governo Bolsonaro, mormente com o Centrão. Se Lula surpreendeu positivamente em seu primeiro mandato, a surpresa agora tem um amargo gosto negativo.

A declaração do novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que teria um compromisso com a responsabilidade fiscal, carece de credibilidade. Os fatos desmentem qualquer discurso de responsabilidade. A PEC da gastança é uma licença ilimitada para gastar, com a máscara de um discurso social. Se fosse para suplementar o Bolsa Família e o apoio às crianças de famílias carentes, bastariam entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões, algo completamente justificável numa situação de carência social. Ora, o que pretende o novo governo é agir como se nenhuma limitação fiscal devesse ter. O anúncio de que uma nova regra fiscal seria apresentada dentro de seis meses não denota seriedade, pois, primeiro, há o gasto descontrolado; depois, uma possível regra futura de seu controle. Isso seria equivalente a construir uma casa começando pelo teto: só pode cair! E os mais necessitados serão os mais atingidos.

A aprovação na Câmara dos Deputados de uma nova lei, feita às pressas, para revogar a Lei das Estatais, que impõe condições para políticos ocuparem cargos em empresas estatais, mostra a intenção de aparelhamento futuro da máquina pública. A Lei das Estatais foi um feito do governo Temer, ao estabelecer princípios de uma gestão pública responsável, avessa a indicações políticas indiscriminadas. A Petrobras, graças a isso, conseguiu sair do vermelho, após a experiência do petrolão. Agora, abrem-se as portas para más administrações públicas. É uma péssima sinalização para investidores nacionais e estrangeiros.

Por último, note-se a aversão petista e de Lula em relação à economia de mercado e aos seus pilares, como o direito de propriedade. Não conseguiram compreender que a economia de mercado caracteriza-se pela impessoalidade das relações empresariais, que regulam, por mecanismos próprios, os investimentos, os salários, os lucros, em escala não somente nacional, mas planetária. Ou seja, não é uma relação pessoalizada, não havendo nenhuma conspiração por trás dos agentes econômicos. Achar que a cooptação de grandes empresas ou bancos resolva uma questão econômica é uma concepção atrasada, própria de um capitalismo de compadrio, atrelada à mera satisfação imediata de interesses particulares, os mais influentes e poderosos.

Não é este o caminho de um novo Brasil.

*Professor de filosofia na Ufrgs

3 comentários:

Anônimo disse...

Se o bolsonarista gaúcho tivesse aguardado 24h não diria tanta besteira nem veria seus argumentos falaciosos derretidos pelos fatos

Anônimo disse...

Rosenfield só dá bola fora, uma atrás da outra... Seu pé direito está descalibrado há muitos anos, e ele não gosta de usar o pé esquerdo, tem verdadeira fobia disto!

ADEMAR AMANCIO disse...

Crítica ácida ao petismo.