Folha de S. Paulo
O país precisa ter coragem de aplicar pena
integral para assassinatos
Entretenimento, jornalismo e combate ao
crime têm interagido de maneiras interessantes. Primeiro
foi o podcast "A Mulher da Casa Abandonada" que lançou luz
sobre a escravidão moderna.
Agora é a série documental "Pacto
Brutal" que, ao relembrar
o assassinato da atriz Daniella Perez, realça também como são leves as
penas para crimes hediondos no Brasil. Guilherme de Pádua, o assassino, foi
condenado a 19 anos e seis meses de prisão.
Se tivesse cumprido esses quase 20 anos de sua pena até o fim em regime fechado, isso em nada se compararia à perda da vida de sua vítima, é claro, mas ao menos seria uma punição relevante. Ele sairia da prisão tendo perdido fatia considerável de sua vida. Não foi o que aconteceu, infelizmente. Saiu da prisão em liberdade condicional após apenas 6 anos e nove meses.
Não consta que muita coisa tenha mudado dos
anos 90 para cá. O goleiro Bruno, cujas penas por homicídio
triplamente qualificado, sequestro e cárcere privado somavam 20 anos e 9
meses, foi solto depois de 9 anos na prisão.
É difícil não se indignar quando percebemos
o quão leves são as punições (as reais, efetivamente cumpridas, e não as
escritas no papel) para crimes hediondos como o assassinato. A punição leve
fomenta a descrença nas instituições. Uma coisa é o sistema não funcionar
direito —por incompetência, corrupção, por leis mal formuladas— e um criminoso
sair impune. É o que acontece muitas vezes.
Isso é muito ruim, e exige correções. Outra
coisa, ainda mais desmoralizante, é o sistema funcionar exatamente como
deveria, conseguir condenar o criminoso e, mesmo assim, sua punição ser leve
demais. Aí não foi uma falha no sistema. É seu próprio funcionamento que está
errado.
Alto lá, dirão alguns. Penas (reais) mais
pesadas não reduzem a criminalidade. Não duvido que estejam certos. Com uma
taxa de 44% de resolução de homicídios dolosos, conforme o último relatório do
Instituto sou da Paz, aumentar a probabilidade de ser pego deve ser mais eficaz
para deter novos assassinatos do que apenas aumentar a punição.
Reduzir a criminalidade pelo efeito
dissuasivo não é, contudo, a única finalidade de uma pena. Há outras comumente
levantadas. Uma delas é reduzir a reincidência. Manter o criminoso longe das
ruas. Idealmente, ajudar o indivíduo a se adaptar à vida em sociedade.
Por trás de todas essas, contudo, jaz uma
motivação fundamental, que alguns julgarão bárbara mas que é inseparável da
nossa concepção de justiça: a simples retribuição. O criminoso fez um mal à
sociedade. É preciso, portanto, que ele sofra um mal, restabelecendo, assim, um
tipo de equidade que o crime perturbou.
Sim, é uma finalidade muito próxima, talvez
idêntica, ao desejo de vingança (diferente dele, contudo, na medida em que há
todo um processo codificado para investigar e julgar o delito e calcular e
aplicar a pena). Mas, sem ela, sentimos que o mal venceu.
É verdade que o problema da criminalidade
não se resolve apenas com polícia e prisão. Há todo um pano de fundo econômico,
social, educacional, cultural. Sem dúvida. Mas mesmo que tudo isso estivesse
muito melhor, ainda precisaríamos de polícia e prisão. Mesmo na desenvolvida e
igualitária Noruega às
vezes ocorrem estupros e assassinatos em massa.
Mesmo se a prisão não resultar em menos
crimes, e mesmo se o assassino não representar mais um risco à sociedade, há
algo de aviltante em vê-lo andar livre, leve e solto (e, em alguns casos,
famoso) depois de uns poucos anos na cadeia. O Brasil precisa ter a coragem de
aplicar a pena para assassinato em sua integralidade.
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